Geleiras na Europa estão experimentando o derretimento mais severo já registrado

GELEIRA EM DEGRADAÇÃO

Turistas são vistos ao lado da geleira Fee acima do resort alpino suíço de Saas-Fee em 30 de julho. A escassa cobertura de neve e a taxa alarmante de derretimento glacial durante as ondas de calor sufocantes da Europa colocaram algumas das rotas alpinas mais clássicas fora dos limites. (Fabrice Coffrini/AFP/Getty Images)

https://www.washingtonpost.com/climate-environment/2022/08/18/glaciers-alps-europe

Kasha Patel

18 de agosto de 2022

Pesquisadores dizem que o derretimento está ‘fora dos gráficos’ – e a temporada ainda não acabou.

Pascal Egli corre em trilhas sinuosas pelos Alpes há quase duas décadas, mas até este verão, ele nunca tinha visto as montanhas tão nuas.

Ondas de calor extremas transformaram a paisagem montanhosa. Rotas antes consideradas fáceis agora eram perigosas. Pontes de neve sobre fendas desmoronaram, tornando certas áreas intransitáveis. Rochas caíram inesperadamente de geleiras e montanhas nuas, ferindo e até matando alguns em seu caminho.

“Em meados de junho, foi realmente chocante”, disse Egli, que recebeu seu doutorado em glaciologia pela Universidade de Lausanne, na Suíça, neste verão. “Estava ficando tão quente e as coisas estão derretendo tão rápido que você não podia mais fazer com segurança certas rotas de pico de 4.000 metros [13.000 pés] porque algumas pontes de fenda eram um pouco inseguras.”

No final de junho, muitos montanhistas pararam de sair nas geleiras – meses antes do normal. Embora as geleiras europeias estejam encolhendo há décadas, dados e relatórios de campo mostram que o derretimento deste verão é o mais severo já registrado. Algumas geleiras derreteram de um a dois meses mais rápido do que o normal, o que os pesquisadores dizem ser o mais recente exemplo drástico do efeito das mudanças climáticas causadas pelo homem.

E já houve um grande impacto: os resorts de esqui nos Alpes fecharam a temporada de esqui no verão mais cedo devido às condições inseguras. Em raras ocorrências, rotas normais e mais fáceis foram fechadas em montanhas, incluindo Mont Blanc e Matterhorn.

“Eu diria que está fora dos gráficos em comparação com qualquer coisa que já medimos antes”, disse Mylène Jacquemart, glaciologista da ETH Zurich, em um e-mail. “Atualmente, estamos vendo condições que, mesmo em um ano muito ruim, esperávamos apenas no final da temporada. Quando calcularmos o balanço de massa final no final de setembro, espero que seja o pior ano já registrado por uma grande margem.”

Andrea Fischer, cientista de geleiras da Academia Austríaca de Ciências, concordou que a temporada de derretimento deste ano é excepcional. “Esta estação de derretimento não se compara a outras, pois não temos evidências de um derretimento tão extremo em nossos registros”, que começou em 1948. Dados compartilhados com a Reuters indicam que a perda de massa nos Alpes é a maior em pelo menos 60 anos.

Os Alpes, assim como outras geleiras europeias, desempenham um papel importante na região. A neve das montanhas fornece água para os principais rios, levando até 90% da água às planícies da Europa para beber, irrigação e energia hidrelétrica. Os Alpes também atraem mais de 120 milhões de pessoas, como Egli, para esportes de aventura e resorts de esqui. O declínio nessas geleiras alpinas pode estressar a economia, e a perda da cobertura de neve pode exacerbar o aquecimento global e aumentar o aumento do nível do mar.

Escombros de inverno trazem problemas de verão

As ondas de calor punitivas do verão desencadearam o derretimento, mas os processos que iniciaram o rápido derretimento começaram meses atrás.

O acúmulo de neve no inverno foi menor do que o normal – apenas metade da quantidade típica no final da temporada, disse Jacquemart – limitando o crescimento da geleira. Por exemplo, a geleira Gries da Suíça registrou sua menor quantidade de neve já registrada, cerca de 53% abaixo da média em abril.

Após uma onda de calor em junho, a Geleira Gries perdeu 16% de sua cobertura de neve em oito dias. Continuou a perder neve e em meados de julho apareceu em uma condição tipicamente vista no final da temporada em setembro. FAZER UMA COMPARAÇÃO ENTRE AS DUAS IMAGENS. (União Europeia, imagens do Copernicus Sentinel-2)

No final do inverno e início da primavera, grandes nuvens de poeira do Saara cobriam a superfície da neve, escurecendo as geleiras. A superfície mais escura absorveu mais luz solar em vez de refleti-la de volta ao espaço, ajudando a aquecer a pouca neve que havia caído.

A primavera também foi anormalmente quente e seca em grande parte da Europa Ocidental, com pouca neve caindo em altas altitudes na geleira.

Então o calor do verão veio com força total logo no início. O sudoeste da Europa atingiu sua temperatura máxima média mais alta em maio em 55 anos de registros. Em seguida, a Europa experimentou seu segundo junho mais quente já registrado.

“O calor combinado e a falta de precipitação colocaram as geleiras em um estado sem precedentes”, disse Jacquemart, que também trabalha no Instituto Federal Suíço de Pesquisa de Florestas, Neve e Paisagens. É alarmante porque não há apenas uma geleira com alto derretimento, mas “o fato de que a situação é tão ruim em todos os Alpes europeus”, disse ela.

Dados de satélite mostraram várias geleiras encolhendo após uma onda de calor em meados de junho que elevou as temperaturas 10 graus Celsius (18 Fahrenheit) acima da média em algumas regiões. Após cerca de uma semana de temperaturas excepcionalmente altas, a geleira Sabbione, que alimenta um reservatório de energia hidrelétrica, perdeu cerca de 35% de sua cobertura de neve, segundo o glaciologista Mauri Pelto.

Após uma onda de calor em meados de junho, a geleira Sabbione, que alimenta um reservatório de energia hidrelétrica, perdeu cerca de 35% de sua cobertura de neve. A geleira continuou a perder neve durante todo o verão à medida que o calor persistia. FAZER UMA COMPARAÇÃO ENTRE AS TRÊS IMAGENS (União Europeia, imagens do Copernicus Sentinel-2)

Perder a cobertura de neve no início da estação de derretimento é problemático porque o gelo das geleiras derrete 50% mais rápido do que se estivesse coberto de neve. À medida que as ondas de calor continuaram, o derretimento acelerou em julho.

“O derretimento das geleiras em julho foi maior do que o máximo já registrado para toda a temporada”, disse Fischer.

Dados de satélite mostram derretimento significativo da geleira Rhone, que alimenta o rio Rhone, de junho a julho. Em 15 de julho, a linha de neve na geleira estava localizada a 2.950 metros (9.700 pés) – cerca de 150 metros (500 pés) acima do normal para esta época do ano.

A geleira Rhone, que alimenta o rio Rhone, derreteu significativamente neste verão por causa das ondas de calor. De 18 de junho a 18 de julho, a elevação onde a neve aparece subiu 250 metros na montanha. As quantidades de neve em junho normalmente não eram vistas até um mês depois. A DIFERENÇA ENTRE AS DUAS IMAGENS É DE EXATAMENTE UM MÊS. (União Europeia, imagens do Copernicus Sentinel-2)

Anos de fabricação

Egli se lembra de correr ao longo de um cume coberto de neve nos Alpes centrais da Suíça com seu pai quando ele tinha 12 anos. Foi uma de suas primeiras aventuras de montanhismo antes de competir profissionalmente. No cume, ele podia ver Zurique à distância. A neve cobria a encosta do cume de frente para a cidade mesmo no verão.

Duas décadas depois, ele visitou e descobriu que a área era composta principalmente de rochas e detritos, a cobertura de neve havia desaparecido tanto no cume quanto na face do cume. Uma geleira que saía do cume agora era gelo, estando nua porque as temperaturas se tornaram muito quentes para reter a camada de neve. Gelo e firn (nt.: neve fina e granular no topo dos glaciais que não foi ainda comprimida para se tornar gelo), ou sobras de neve densa de temporadas anteriores, também desapareceram do cume.

As práticas de montanhismo já mudaram nas últimas décadas em resposta, disse ele. Algumas rotas agora só são seguras em abril ou maio – antes que a trilha se torne muito perigosa.

Egli disse que começou a perceber que “algumas das geleiras que costumávamos atropelar simplesmente não existirão mais”.

O glaciologista Pascal Egli e seus colegas conduzem uma pesquisa de radar baseada em drones de uma cavidade propensa a colapsar na geleira Rhone, que recua rapidamente. (Harald Schneider)

Fischer disse que as mudanças coincidem com mudanças de longo prazo no clima. Desde a década de 1980, os Alpes experimentaram um aumento na temperatura de 0,2 a 0,5 graus Celsius por década (0,36 a 0,9 Fahrenheit) – afetando significativamente a queda de neve e o derretimento durante a primavera e o verão.

“Nas últimas duas décadas, a falta de neve no verão ficou normal e a estação de derretimento estava ficando cada vez mais longa”, disse Fischer em um e-mail.

De acordo com o Centro de Pesquisa para Ecossistemas Alpinos, a duração da cobertura de neve perto do fundo do vale dos Alpes do Norte foi reduzida em cinco semanas desde a década de 1970. Em 2050, a cobertura de neve poderá ser reduzida em mais quatro a cinco semanas.

Além disso, o número de dias quentes pode aumentar de 15 a 30 dias no fundo do vale e no meio das montanhas. Hoje, as áreas experimentam apenas dois a cinco dias de tais temperaturas.

“O norte da Europa é uma parte do globo que está projetada para se tornar ainda mais quente do que o resto do mundo”, disse W. Tad Pfeffer, professor da Universidade do Colorado em Boulder. “Os Alpes foram muito atingidos. As geleiras estão diminuindo no Alasca, mas não como nos Alpes.”

A geleira Marmolada na região das Dolomitas da Itália encolheu ao longo dos anos devido à baixa queda de neve e temperaturas elevadas. Em julho de 2022, um pedaço de geleira se separou da montanha e desencadeou uma avalanche e matou 11 caminhantes. (Mauro Valt)

Em casos raros, o rápido derretimento pode desencadear eventos excepcionais, como o colapso da geleira Marmolada na região das Dolomitas, na Itália. Durante uma onda de calor em julho, um pedaço de geleira se separou da montanha e desencadeou uma avalanche de gelo, rocha e detritos abaixo, matando 11 caminhantes.

“Todas as geleiras dos Alpes estão sofrendo com o calor e os processos de derretimento estão acelerados. Nas Dolomitas, as geleiras são geralmente menores e, portanto, mais sensíveis às mudanças climáticas”, disse Mauro Valt, glaciologista do Arabba Avalanche Center.

Fora dos Alpes, outras geleiras montanhosas também sofreram derretimento recorde. O derretimento da geleira em Svalbard, na Noruega, teve seu maior derretimento já registrado durante os dois primeiros meses do verão.

“Não estaríamos vendo isso na ausência de influência [humana] no clima”, disse Pfeffer. “Coisas que se tornaram eventos únicos na vida começaram a se tornar rotina. … Estamos vendo o futuro.”

Por Kasha Patel

Kasha Patel edita e relata o tempo, clima e meio ambiente para a Capital Weather Gang no The Washington Post. Antes de ingressar no The Post, ela cobriu ciências da Terra e pesquisa de satélites para a NASA.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, novembro de 2022.