“O aquecimento do último século foi suficiente para reduzir as calotas de gelo a dimensões similares às de 115 mil anos atrás”, diz cientista.
Por Alejandra Borunda
Quarta-feira, 13 Fevereiro, 2019
AS GELEIRAS DA Ilha de Baffin, abundantes no Ártico canadense, estão diminuindo com o aquecimento climático.
Com o derretimento e recuo, essas geleiras expuseram fragmentos de plantas antigas — congeladas nos pontos exatos onde antes cresceram — que não viam a luz do sol há pelo menos 40 mil anos, sugere uma nova pesquisa publicada na revista científica Nature Communications.
“O aquecimento do último século foi suficiente para reduzir as calotas de gelo a dimensões similares às de 115 mil anos atrás”, afirma Simon Pendleton, cientista do clima da Universidade de Colorado, em Boulder, autor principal do estudo.
O Norte quente
O planeta inteiro vem aquecendo desde que o homem começou a inundar a atmosfera com gases de efeito estufa no início da Revolução Industrial. Porém o efeito não se espalha por igual. Algumas regiões, como o Ártico, sofrem impacto maior do aquecimento: as temperaturas atmosféricas médias do norte do planeta estão aumentando com uma velocidade maior do que qualquer outro lugar do mundo. Como resultado, geleiras grandes e pequenas estão derretendo a ritmos alarmantes—mais rapidamente que o observado em toda história moderna humana.
Ainda assim, não está completamente claro se o aquecimento do Ártico observado no último século já ocorreu em períodos maiores. Ele já foi alguma vez tão quente a ponto de derreter essas calotas de gelo nos últimos 10 mil anos? E nos últimos 50 mil anos? E nos últimos 100 mil?
“O que estamos perguntando”, indaga Pendleton, “é: quando foi a última vez que o Ártico esteve tão quente quanto hoje?”
Houve outras épocas em que o Ártico pode ter sido mais quente que atualmente—não por causa da influência do homem no clima, mas por causa da maneira complexa pela qual a Terra oscila ao redor de seu eixo. Há cerca de 10 mil anos, por exemplo, as latitudes nortes ficavam mais diretamente voltadas ao sol durante o verão do que atualmente, banhando o Ártico com quase mais 9% de luz solar nessa estação do que nos dias de hoje.
As geleiras avançam e retrocedem em resposta a discretas mudanças de temperatura. Nessa parte do mundo, elas acompanham estreitamente a quantidade de calor que a região acumula durante o verão. Então conforme os verões do Ártico ficam mais quentes, as geleiras derretem.
“Elas são os canários em uma mina de carvão”, afirma Meredith Kelly, cientista paleoclimática de Dartmouth que não participou do estudo, “são parâmetros supersensíveis ao clima.”
Geleiras brandas
As geleiras que a equipe analisou, posicionada nos planaltos de Baffin, interagem com a paisagem de maneira mais branda que diversas outras geleiras do mundo. Em vez de escavar cânions e abrir fissuras no leito de rocha sólida, essas geleiras, quando aumentam de tamanho, cobrem suavemente a flora que cresce ao redor das bordas, congelando o musgo e outras plantas delicadas no lugar.
Agora, com o recuo das geleiras, foram expostas plantas antigas—que permaneceram exatamente nas mesmas posições que estavam quando morreram há tanto tempo. Então, quando calcular a idade das plantas, a equipe poderá identificar a última vez que as geleiras foram tão pequenas quanto são hoje.
Os pesquisadores coletaram plantas recém-expostas pelo recuo das calotas de gelo na ilha. De volta ao laboratório, eles fizeram testes para verificar a quantidade de radiocarbono que restava nos tecidos envelhecidos delas. O radiocarbono, a versão naturalmente radioativa do carbono, é um cronômetro: tudo o que é vivo o incorpora em seus tecidos, mas ele decai a ritmos previsíveis ao longo de milhares de anos. Após 40 mil anos aproximadamente, acaba não sobrando quase nada.
Assim, se as amostras de plantas encontradas contivessem muito radiocarbono restante nelas, isso significaria que morreram em um período relativamente recente. Contudo se, do contrário, o musgo fosse praticamente desprovido de radiocarbono, esse resultado sugeriria que as plantas tinham morrido pelo menos 40 mil anos antes, indicando que as geleiras não tinham congelado de volta ao tamanho atual por no mínimo esse período.
Os pesquisadores também mediram o radiocarbono das rochas logo após a borda moderna das camadas de gelo. Do mesmo modo, eles praticamente não encontraram nenhum radiocarbono, confirmando a evidência do musgo de que o gelo tinha coberto as áreas há pelo menos 40 mil anos.
Canários em uma mina fria?
Nessa época, 40 mil anos atrás, o planeta estava passando por uma fase fria. Uma camada de gelo com espessura de quilômetros cobria o continente da América do Norte e o homem só chegaria depois de 15 mil anos pelo menos.
Os primórdios desse estágio frio datam de 115 mil anos atrás aproximadamente, a última vez em que o planeta como um todo foi tão quente quanto é hoje. No entanto, naquela época, o calor era causado pela posição do planeta em relação ao sol, fazendo o Ártico receber quase 13% mais energia solar do que recebe hoje.
Então até mesmo a grande onda de calor ocorrida no Ártico há 10 mil anos “não foi suficiente para eliminar esse gelo”, conta Shaun Marcott, cientista climático da Universidade de Wisconsin, em Madison, que não participou do estudo.
Isso reforça a intensidade do aquecimento de hoje, indicando que o Ártico está passando por algo totalmente novo. E a Ilha de Baffin, explica Marcott, é vizinha à Groenlândia—que abriga uma camada de gelo que contém gelo o bastante para elevar os níveis globais do mar em mais de 6 metros se derretesse completamente. O gelo tanto de Baffin quanto da Groenlândia é afetado por forças análogas, então é crucial, afirma ele, entender a suscetibilidade do gelo de ambos os locais ao aquecimento no passado a fim de entender seu comportamento em um futuro mais quente.