Gaia e José Lutzenberger

Gaia e José Lutzenberger. Três partilhas, três pessoas, três aprendizados e toda a honra de terem vivido e convivido com ele.

 

https://educezimbra.wordpress.com/2016/01/14/a-ciencia-de-gaia-de-jose-lutzenberger/

 

Ciência como contemplação da divina beleza do universo

 

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                                  José Lutzenberger no Rincão Gaia Foto: APEDEMA

 

Em palestra no Rincão Gaia, em Pantano Grande/RS, José Lutzenberger apresentou sua visão sobre a ciência a qual definiu enfaticamente: “Ciência é a maior aventura do espírito humano.”

Na sua opinião, a cultura industrialista hegemônica criou um precipício entre as ciências naturais e as humanidades (filosofia).

Para Lutz (como era chamado pelos amigos próximos e conhecidos) a sabedoria sem conhecimento não leva a nada, no entanto, o conhecimento sem sabedoria leva à bomba atômica.

Perguntou: “por que a ciência e a revolução industrial surgiram no ocidente, mas por que não com os gregos? Para ele, os gregos tinham uma visão holística do mundo, não eram exatamente antropocêntricos.

Já Bacon pretendia dominar a natureza. Reagindo contra esta dominação da natureza, Tom Bernie, padre jesuíta, imaginara um Parlamento das Criaturas, com a expulsão do homem.

Lutz observou que a questão ecológica é emotiva, pois tem a ver com valores.

A Ciência para ele é um método de trabalho, não um acervo de conhecimentos: “Ciência é diálogo limpo com o céu, como ato de fé, mas não existe milagre, são as leis universais, imutáveis que regem o universo e são intransgredíveis.”

Frisou que a tecnologia confundida com ciência utiliza o conhecimento que a ciência descobriu para fazer instrumentos, o que é sempre um ato político, emotivo, para impor vontades.

Disse que “tecnologia é religião fanática, messiânica.”

Refletiu sobre o porquê de nossa espécie precisar de Ética: “Por não termos freios inatos precisamos de freios culturais com comportamentos aprendidos, mas não uma ética aleijada e sim uma ética holística (preocupada com o todo). A ética aleijada fez com que a ciência deixasse de ser contemplativa para ser prostituída, simples servidora da tecnologia.”

 A Ciência de Gaia

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Comparou Gaia (a Terra) com os outros planetas do sistema solar, sem condições de vida.

Para a vida é necessário o confronto entre os três estados da matéria: líquido, sólido e gasoso. Com um espectógrafo se pode determinar a atmosfera de um planeta. A Terra possui uma atmosfera com 21% de O2, 78% de N2 e 1% de outros gases e o que mantém esta atmosfera é um mecanismo de fluxo contínuo realizado pela fotossíntese das plantas e pela respiração animal, portanto planta e animal são dois aspectos de uma “unidade funcional”: “não existe ambiente separado entre animais e vegetais, é uma coisa só” enfatizou Lutz.

Trouxe a informação que o sol está 30% mais quente que em sua origem e que o amoníaco e o metano causavam um grande efeito-estufa na atmosfera primitiva. A atmosfera só se encheu de O2 por causa da fotossíntese. O planeta Terra tem homeostasia térmica, falou com emoção, a terra é um sistema vivo, não é um ser vivo, com a Ecosfera, sendo o conjunto de sistemas vivos e não-vivos e a Litosfera é o artefato da vida neste planeta.

lagoApós a palestra convidou todos os presentes para um banho no lago formado na cratera de uma pedreira abandonada que ele tinha recuperado, onde seguiu palestrando e ensinando sua cosmovisão sentado no trapiche. Todos nus em pelo, pois Lutz era um praticante do naturismo!

Era um domingo quente de início de verão em dezembro de 1997. Voltei ao Rincão Gaia mais algumas vezes para participar de outros cursos e sempre era uma satisfação sentar e aprender com esta figura humana ímpar que foi José Lutzenberger em seu desmedido amor à natureza de Gaia.

Foi com muita tristeza que soube de sua morte em maio de 2002. Não fui ao seu sepultamento em meio a um bosque de eucaliptos no seu Rincão Gaia. Fiquei com a lembrança do Lutz vivo e falante sentado ao meu lado.

Eduardo Sejanes Cezimbra, ambientalista

Legado  de  Lutz.

 

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Foto muito honrada por estarem Lutz (falecido em 2002) e o Professor Flávio Lewgoy (falecido em 2015)

 

Para a maioria das pessoas, do à China, do Canadá ao Tibet, o grande legado de José Lutzenberger talvez tenha sido sua inabalável tenacidade de despertar em cada um de nós um lampejo que fosse, de percepção do amor de Gaia por cada ser deste Planeta. Já outros poderão se recordar de sua inteligência luminosa e perspicaz de, com palavras simples e acessíveis a qualquer cidadão, construir imagens que expressavam nua e cruamente o embuste à Vida propagado pelos incautos. E poderia fazer isto em quaisquer dos seis ou sete idiomas que dominava. Mesmo quando utilizava toda a racionalidade de sua mente privilegiada, lúcida e sutil, os neurônios de seu cérebro não conseguiam esconder seu coração sempre agindo a serviço da manutenção de todas as vidas. Para poucos, os mais íntimos, além destes atributos tão públicos e externos, incluirão com tranqüilidade seu olhar e sua atenção, mesmo desajeitado, distante e exigente, que dirigia a suas filhas, netas, colaboradores e companheiros de jornada. Outros e não foram poucos, que se construíram como seus adversários, irão se lembrar de seu destemor e de sua inflexibilidade ao enfrentar não importava quem, quando e onde, e se fosse um grande senhor ou um pequeno trabalhador se os atos que praticassem, colocasse sob ameaça qualquer ser planetário.

Lutz  –  Maestro  da  Cerimônia.

Para mim, e provavelmente para as oitenta ou cem pessoas que puderam e quiseram estar como eu neste último momento de convivência com o que restava dele, seu legado expandiu-se incomensuravelmente, indo muito além daquilo que se poderia supor. Lutz sempre foi veemente quando afirmava não crer em deuses e outras manifestações de religiosidade, classificando-as todas de “místicas”. Afirmava crer na Ciência, como um grande diálogo do ser humano com o Cosmos, e na Grande Sinfonia Cósmica. E foi na forma de uma inusitada sinfonia o grande presente que nos lega neste derradeiro momento. Ao finalizarmos a colocação das últimas pazadas de terra, fechando a morada de seu corpo, num espaço previamente escolhido por ele, as forças da natureza se alinham para a execução de um dos mais belos e vibrantes réquiens que qualquer um de nós jamais imaginou assistir. No plano do concreto, do nosso dia-a-dia, o céu estava nublado e havia previsão de chuvas e trovoadas no decorrer do período. Mas o que aconteceu no plano metafísico, foi uma magnífica sinfonia, num estilo tipicamente germânico. Primeiro soa um tambor. Um raio chispa no céu e um trovão ecoa pelos pampas. Após violinos e arpas vibram em nossos ouvidos pela ventania que faz com que as folhas e os galhos sibilem. E neste conjunto de sons, as copas das árvores bailam sobre nossas cabeças. E no ápice deste frenesi, um redemoinho parece que vai se desvelando pouco acima de onde o Lutz repousa aninhado em Gaia. E este movimento, como um vórtice, vai se expandindo, se expandindo até que duas árvores tombam junto do grupo que ali vela por Lutz. Mesmo próximas de nós, inexplicavelmente, caem para o lado contrário ao nosso. E como num acorde derradeiro nestes movimentos sinfônicos, dramáticos e pungentes, a ventania traz gotas de chuva densas e, surpreendentemente, leves que delicadas empapam o mais íntimo de cada um de nós. Parecia que as forças vivas da natureza, como expressão metafórica de Gaia, apresentavam a tese científica que defende a hipótese de que se houver sintonia/sinfonia dos quatro elementos, raio/fogo, chuva/água, vento/ar e Gaia/terra, gerar-se-á um quantum de forças suficiente que permitirão elevações a outros níveis orbitais. Ou será níveis de consciência, de realidade, de transcendência ? A resposta poderá ser uma e/ou todas. Finalizo esta minha oração ao Lutz, agradecendo à Vida não só de ter me permitido viver e conviver no mesmo solo que ele, por ter sido seu contemporâneo, mas por ter conhecido e reconhecido o encantamento da força viva de Gaia em seu derradeiro discurso. Lutz, obrigado por tua maestria.

Luiz Jacques Saldanha, texto enviado ao jornalista Carlos Tautz, no primeiro semestre, de 2002 para publicação em sua revista “Ecologia e Desenvolvimento”.

 

 

Lutz… 

Descansa agora ao abrigo de um bosque de acácias e de eucaliptos um dos precursores do ambientalismo gaúcho e nacional. José Lutzenberger, aos 75 anos, foi sepultado na manhã desta quarta-feira, num pequeno morro no Rincão Gaia, em Pantano Grande, Rio Grande do Sul.

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         O ambientalista faleceu devido a uma parada cardíaca na manhã de terça-feira no Hospital Pereira Filho da Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre. Conversava naquele instante com uma de suas filhas, Lilly. O coração não suportou os esforços provocados por problemas respiratórios.

         A cerimônia foi acompanhada por mais de uma centena de pessoas, unindo familiares, amigos, novos e velhos ecologistas, autoridades públicas, todos na despedida do “mestre”. Lutz, como era chamado, retornou ao seio da mãe Gaia envolvido apenas num lençol branco. Sem caixão. Sem pompa. Desejos seus. Terra. Durante a cerimônia, um raio irrompeu e iluminou o céu. Fogo. Um vento rasgou as coxilhas. Ar. Uma árvore se partiu e desabou. Logo em seguida, uma enxurrada lavou a todos. Água. Talvez fossem a natureza e seus quatro elementos em reverência a seu grande defensor. Foi uma despedida com a marca de Lutzenberger….

         Dizer que o ecologista gaúcho foi um dos fundadores da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), uma das entidades ambientalistas mais antigas do Brasil, atuante até hoje; que foi um dos idealizadores do Parque Estadual de Itapuã, o qual não chegou a conhecer pessoalmente após sua reabertura; que implantou o Parque da Guarita, em Torres; que em 1987 criou a Fundação Gaia, referência em termos de convívio harmônico com a natureza; que atuou como Secretário de Meio Ambiente no início do mandato de Fernando Collor na presidência da República, fato considerado por muitos como uma “mancha” em sua trajetória; que recebeu o Prêmio Nobel Alternativo; e tanto mais, é pouco. Lutz foi um ecologista polêmico, radical, pioneiro, controverso e brilhante. E tinha defeitos como toda gente. Mas muito mais para se orgulhar.

         Na mata de acácias e eucaliptos onde o ecologista agora descansa, pequenas árvores nativas já brotam viçosas, verdes, demonstrando que a natureza a tudo transforma. Novamente em vida. Como Lutz gostaria…

Aldem Bourscheit, jornalista.