A Grande Barreira de Coral é um dos mais ricos ecossistemas marinhos do planeta e um dos principais atrativos turísticos da Austrália, mas está sendo colocada em risco em nome do aumento da capacidade australiana de exportação de carvão. Na última sexta-feira (31), a Autoridade do Parque Marinho da Grande Barreira de Coral (GBRMPA) anunciou que três milhões de metros cúbicos de resíduos de dragagem serão depositados na área do parque, a cerca de 20 quilômetros de onde estão os corais.
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por Jéssica Lipinski, do CarbonoBrasil
O deslocamento dos resíduos faz parte de um projeto da administração australiana de expandir em 70% a capacidade atual do porto Abbot Point, um dos grandes pontos de exportação de carvão da Austrália. O objetivo é aumentar para 70 milhões de toneladas a quantidade de carvão que passará pelo porto anualmente.
A GBRMPA, que é o órgão governamental responsável por gerir os 345,4 mil quilômetros quadrados de zona marinha protegida do parque e que atualmente está sob investigação por suas ligações com a indústria de mineração, afirma que a realocação dos resíduos não afetará a grande barreira, já que o despejo será feito a uma distância segura dos corais.
“Fica de 20 a 30 quilômetros de distância, ainda mais em algumas áreas, de onde a Barreia de Coral está ao local de despejo. Tem havido muitos oponentes dizendo que a cor da água mudará, que pode levar meses para [os resíduos] sedimentarem. A informação que tenho é de três a cinco dias, ou no máximo sete dias”, alegou Bruce Hedditch, da Câmara do Comércio australiana.
O governo australiano chegou a afirmar que as condições ambientais impostas para a expansão do porto “resultarão em uma melhoria na qualidade da água”, e que a localização do porto de Abbot Point não apresenta um risco para a barreira, que abriga cerca de 10% dos corais existentes no planeta.
“Abbot Point está mais bem localizado do que outros portos ao longo da costa da Grande Barreira de Corais para realizar a expansão, já que o capital e a manutenção de dragagem necessários serão significativamente menores do que seria exigido em outras áreas”, observou Russell Reichelt, presidente da GBRMPA.
As autoridades australianas também defendem que a expansão do porto criará 15 mil postos de trabalho, e ressaltam que o material a ser despejado na área não prejudicará o ecossistema da região, já que é composto por 70% de areia e 30% de siltes e argilas e não é tóxico.
“Isso é areia natural e materiais do fundo do mar… é o que já está lá. Estamos apenas realocando de um ponto para outro ponto, em uma situação de igual para igual”, comentou Brad Fish, CEO da Ports Australia, organização que representa os interesses dos portos australianos.
“Todas as perguntas que as pessoas continuam fazendo sobre o recife, eu me fiz e continuo obtendo respostas que me satisfazem a respeito do que vai acontecer à barreira de recifes e acredito que todos devem perceber que quase todos os australianos querem a grande barreira protegida. Eu quero e a forma como eles estão fazendo isso parece me satisfazer e satisfazer todas as perguntas que me fiz por um tempo”, continuou Hedditch.
Mas muitos ambientalistas discordam das informações apresentadas pela administração australiana e pela GBRMPA. “[O local de despejo] está a apenas cerca de dez quilômetros do Parque Nacional Ilha Holburn, que é rodeado de recifes de coral e é extremamente bonito. Agora sabemos que a lama do despejo da dragagem pode se espalhar por até 80 quilômetros. Então, há uma preocupação real de que essa lama se assente ou se fixe nos corais mais próximos”, explicou Louise Matthiesson, do Greenpeace.
Outra preocupação, segundo um estudo do Grupo de Pesquisa em Corais da Universidade James Cook, é que o recife já está perdendo rapidamente sua biodiversidade devido a vários problemas e o despejo de resíduos da dragagem se somará a todos eles.
“O recife está em declínio severo, isso tem que ser reconhecido apesar das afirmações em contrário. Estamos perdendo corais rapidamente; gramas do mar, dugongos, tartarugas, tubarões, peixes comerciais e golfinhos da costa. Esse declínio é causado por impactos das mudanças climáticas, escoamento da poluição agrícola e impactos do desenvolvimento costeiro”, afirmou Jon Brodie, da Universidade James Cook.
“Todos esses [problemas] precisam ser administrados apropriadamente se quisermos manter os valores da Grande Barreira de Corais e parar o declínio, então esse projeto por si só causará uma quantidade moderada de dano, mas é com a quantidade cumulativa que estamos preocupados”, acrescentou Brodie.
Cerca de 230 cientistas e conservacionistas escreveram uma carta ao governo federal apontando os vários prejuízos que o despejo dos resíduos da dragagem causará. “O sedimento da dragagem pode sufocar corais e gramas do mar e expô-los a toxinas.”
Quem também não está nada contente com a situação é o setor turístico, que atualmente atrai US$ 6 bilhões por ano com a Grande Barreira de Corais. O setor acusa a GBRMPA de ceder a interesses políticos com a decisão, e ameaçou inclusive entrar com um processo contra o despejo. Representantes da categoria pedem que a liderança da GBRMPA seja mudada.
“A liderança da Autoridade precisa ser substituída. Se eles não fizerem seu trabalho de preservar o meio ambiente, então eles devem ter pessoas que o façam. Esses caras estão apenas favorecendo os políticos. A GBRMPA deveria fazer o que realmente é paga para fazer – que é proporcionar a proteção e conservação do recife”, declarou Colin McKenzie, presidente da Associação de Operadores Turísticos de Parques Marinhos.
Infelizmente, as reclamações não parecem ter feito o governo mudar de ideia, e o projeto segue em frente. A única esperança é que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) declare em novembro que a Grande Barreira de Coral, que já é considerada Patrimônio Marinho da Humanidade, está em perigo. O próximo encontro da UNESCO está agendado para Junho, no Qatar, onde os responsáveis votarão essa possibilidade.
Essa é apenas mais uma das ações antiambientais do governo australiano, comandado pelo primeiro-ministro conservador Tony Abbott. Abbott, que não acredita em mudanças climáticas provocadas pelo homem, e que classificou em setembro de 2013 as taxas cobradas para as emissões de dióxido de carbono e para as atividades de mineração como “socialismo mascarado de ambientalismo”, abandonando essas medidas.
A Austrália é o maior exportador de carvão do planeta, atendendo principalmente o mercado chinês.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.