Especial 2012: O modelo neodesenvolvimentista do governo Dilma.

O governo Dilma, assim como foi o de Lula, é tributário do “modelo fordista tardio” na forma de pensar e ver a sociedade. A elite política no poder pensa a sociedade a partir do paradigma da Segunda Revolução Industrial – fordista. Este modelo assenta-se em bases produtivista e consumista. Investe pesadamente em matrizes energéticas centralizadoras e poluidoras (fósseis), perigosas (nuclear) ou devastadoras do meio ambiente ().

 

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É constitutivo ao modelo neodesenvolvimentista, a hiperexploração dos recursos naturais. Justificam-se aqui a construção das mega-hidrelétricas – Belo Monte, Complexo Madeira, Complexo Tapajós, abertura de rodovias e hidrovias; ampliação da exploração de madeira e minérios; expansão da pecuária e das monoculturas da soja e da cana de açúcar. Aqui também se encaixa o forte incentivo, via financiamento do BNDES, à expansão da produção das commodities como o etanol, a soja e a pecuária – atividades que exercem pressão sobre os recursos naturais.

Fica claro que o governo Dilma reedita, num outro contexto, o que aconteceu no período em que o país esteve sob mando dos militares. Grandes obras de infraestrutura levadas a “ferro e fogo”. Agora, também em nome do Brasil Grande, os que se opõem ao modelo são desqualificados e vistos como aqueles que não compreendem ou não querem compreender o que precisa ser feito para o país não perder o “bonde da história”.

Esse modelo, conduzido com mão forte, não se dá conta ainda de outro elemento não existente na época da ditadura: a emergência do tema da ecologia. O modelo desconsidera, menospreza, desdenha, dá as costas para a problemática ambiental como visto anteriormente.

A abertura do governo Dilma ao setor privado

A concepção do atual governo brasileiro é que o Estado deve ser o indutor do crescimento econômico, mas não necessariamente o gestor. Desse modo, inverte-se o modelo desenvolvimentista inaugurado por Vargas, em que o Estado alavancava o crescimento e assumia a gestão das empresas constituídas. Agora, o (neo)desenvolvimentismo funciona de outro modo, o Estado entra majoritariamente com os recursos e posteriormente repassa o ativo para o capital como se viu no pacote das rodovias e ferrovias, denominado Programa de Investimento em Logística: Rodovias e Ferrovias. Dessa forma, o país assiste uma desnacionalização da economia brasileira, como afirma o economista Adriano Benayon, em entrevista concedida ao sítio do IHU.

Com esse pacote de concessões de rodovias e ferrovias, transfere-se à iniciativa privada a manutenção, construção e exploração de 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias, sem contar com a incorporação de aeroportos e portos, em processo de efetivação. Os investimentos são da ordem de R$ 133 bilhões para um período de 25 anos, sendo que R$ 79,5 bilhões serão investidos nos primeiros cinco anos. O braço financeiro do Estado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiará 80% dos projetos. Para acompanhar a privatização foi criada uma agência reguladora: a Empresa de Planejamento e Logística (EPL).

O governo recusa o rótulo privatista para o programa. A presidente disse que está “tentando consertar em ferrovias alguns equívocos cometidos na privatização das ferrovias”, que está “estruturando um modelo no qual vamos ter o direito de passagem de tantos quantos precisarem transportar sua carga”.

O fato incontestável, entretanto, é que “concessão” é um eufemismo para “privatização”. No modelo de Parceria Público-Privada (PPP) que serviu de âncora para o pacote, o Estado realiza os investimentos e repassa a exploração para a iniciativa privada. No caso da pura e simples privatização, o Estado vende os ativos para o setor privado. Ambas, entretanto, redundam no fato de que o Estado investe e, posteriormente, abre mão da propriedade dos ativos que lhe pertencem.

É difícil fazer uma caracterização simplista dessas medidas tomadas pelo governo Dilma. Parece que a condução da gestão é pragmática, o que poderia explicar medidas tão díspares como a privatização de rodovias, ferrovias e aeroportos e o enfrentamento com o sistema financeiro na redução da taxa de juros.

Mesmo na macroeconomia, Dilma não parece seguir à risca o tripé da política econômica herdada de FHC e de Lula, ancorada nas metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. O tripé condiciona-se à perseguição do crescimento econômico. “Dilma é estatista? Retomou o caminho liberalizante ao prometer privatização de estrada, porto e aeroporto? Faz política macroeconômica mais heterodoxa’?”, pergunta o jornalista Vinícius Torres Freire. É tudo ao mesmo tempo.

Na realidade, no conjunto da obra pela obsessão do crescimento econômico, destacam-se medidas generosas para com o capital, principalmente com o capital produtivo e o agronegócio. Dilma retomou a agenda de privatizações abandonada por Lula, tem adotado farta política de desoneração tributária para o capital produtivo com a isenção do IPI e da folha de pagamento, estuda flexibilizar leis trabalhistas, recolocou em pauta e aprovou projeto que acaba com a aposentadoria integral do funcionalismo, enfrentou as greves com rigor thatcheriano e deixou correr solta a aprovação do Código Florestal, que fez a alegria dos ruralistas.

A inclusão social via mercado e os percalços brasileiros

O governo de Dilma Rousseff persegue a continuidade do modelo de “inclusão via mercado” que se revelou um “sucesso” no governo Lula. O foco de Dilma está em dar continuidade ao crescimento da economia e dessa forma reeditar a Era Lula – a grande responsável pelo que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) denomina como “década da inclusão”.

Segundo o economista Marcelo Neri, atual presidente do Ipea, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2011), “o Brasil está hoje no menor nível de desigualdade da história documentada”. Houve um crescimento real na renda per capita das diferentes camadas sociais. Em dez anos (de 2001 a 2011), os 10% mais pobres tiveram 91,2% no crescimento de sua renda, enquanto a renda dos 10% mais ricos cresceu 16,6%.

O aumento da renda dos mais pobres está associado a dois movimentos. Aos programas de transferência de renda, particularmente o Bolsa Família, e ao aquecimento do mercado de trabalho como destacado em análise do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade de e de várias instituições de ensino e pesquisa. Os dados do governo são otimistas e também mostram que parte dos que vivem em favelas e contingente expressivo de negros, estão entre os que constituem a “nova classe média”.

Nestes últimos anos, por exemplo, é inegável a diminuição do desemprego no Brasil. Conforme constata Clemente Ganz Lucio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – Dieese, “nós saímos de uma média da ordem de 22% de desemprego e estamos com uma taxa inferior a 10%. Portanto, é uma redução muito significativa do desemprego em geral, incluindo postos de trabalho formais e informais. O que tem de importante também nesse processo é que predomina a oferta de postos de trabalho assalariados, com carteira de trabalho assinada. Hoje, dependendo da região, de cada 10 postos de trabalho gerados, de 7 a 9 são formais, com carteira assinada e com sistema de proteção social vinculado”, diz ele.

Contudo, a longo prazo, um fator que apresenta implicações para o mercado de trabalho brasileiro diz respeito à desindustrialização. Os melhores salários encontram-se na indústria de bens manufaturados, é nesse setor que as categorias de trabalhadores e os seus sindicatos conquistam convenções coletivas mais avançadas, o que “puxa” a pauta de reivindicações do conjunto dos trabalhadores “para cima”.

Estima-se que o peso da indústria de transformação na economia nacional já foi na ordem de 30% nos anos 1970 e hoje estaria na ordem de 20% nas avaliações mais otimistas. Proporcionalmente ao encolhimento da indústria junto ao PIB brasileiro, assiste-se ao crescimento da economia baseada em produtos primários, a denominada commoditização ou ainda reprimarização da economia, com o avanço do agronegócio e da mineração.

A pauta de exportações brasileira é feita, sobretudo, de produtos básicos, de commodities e mercadorias de baixa tecnologia, por outro lado, cresce a pauta de importação de bens manufaturados. Economia desindustrializada significa perda de competitividade no mercado internacional. É na indústria de transformação que se desenvolve pesquisa e tecnologia o que possibilita ganhos para o conjunto da economia de um país.

Como disse o economista André Nassif, em entrevista ao sítio IHU, “há de considerar que o preço das commodities ainda favorece o Brasil, e talvez continue a favorecer nos próximos dez ou quinze anos, enquanto a China for uma grande demandante de commodities em termos relativos. Mas essa não será uma situação eterna, porque a China está mudando e transitando por um modelo de desenvolvimento que é dinamizado pelo mercado interno a partir da demanda de produtos genuinamente chineses, produzidos pelas estatais chinesas”.

Não é o caso de ignorar as conquistas feitas nesta última década, mas reconhecer que junto com os avanços, persistem problemas estruturais históricos, particularmente na área da saúde/saneamento e educação. Problemas que podem ser ampliados quando se considera o déficit de moradia, transporte coletivo, acesso à água potável e democratização da terra.

Os ganhos econômicos e a mobilidade social para cima são evidentes, mas trata-se de uma inclusão efetivamente social ou de uma inclusão via mercado? De uma inclusão que se faz pelo acesso à saúde e educação de qualidade ou de uma inclusão pelo consumo?

Para o sociólogo Sérgio Costa, “os esforços do governo não tocam em alguns elementos estruturais da desigualdade no Brasil. As medidas que vêm sendo adotadas têm impacto de curto prazo, mas em longo prazo não permitem uma ascensão das classes mais baixas”. Segundo ele, “não há investimento em outros tipos de medidas onde a ação do Estado é fundamental, como a promoção da educação pública de qualidade, do transporte público de qualidade”. O sociólogo argumenta que, ao frequentar escolas públicas ruins, os mais pobres são “condenados a permanecer na mesma condição de classe”

Em seu livro “Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador”, André Singer reconhece os avanços da era Lula em relação aos anos de FHC, considerando a “ativação do mercado interno, aumento do crédito, aumento do consumo, aumento do emprego”, como elementos que vão à contramão do neoliberalismo. Contudo, mesmo sob essa ótica, Singer também aponta que “o Brasil tem um acúmulo de desigualdade tão grande que mesmo esta queda, com enorme ritmo de avanço, fica aquém”.

Infelizmente, no atual contexto, todas as medidas tomadas pelo Governo vão ao encontro de uma política que traduz os direitos da cidadania em direitos do consumidor. Como muito bem salientou o professor de filosofia Vladimir Safatle, a “ascensão econômica, com seu consequente sentimento de cidadania conquistada, não passou pelo acesso a serviços sociais ampliados e consolidados em sua qualidade. Afora a importante expansão das universidades federais, ascensão significou poder pagar escola privada, plano de saúde privado, celular, eletrodomésticos e frequentar universidade privada”.

Os limites desse combate à desigualdade também são vistos na realidade do campo, como destacado anteriormente.