ESTUDO MOSTRA QUE A ÁREA DA AMAZÔNIA CONHECIDA COMO ARCO DO DESMATAMENTO – REGIÃO COM OS MAIORES ÍNDICES DE DERRUBADA E QUEIMADA DA FLORESTA – É TAMBÉM A MENOS RESISTENTE ÀS SECAS. FOTO: MAURO PIMENTEL/AFP
Jaqueline Sordi (texto), Porto Alegre, Rio Grande do Sul
19 junho 2024
[NOTA DO WEBSITE: Essa matéria demonstra o que a ditadura militar, com sua sanha de ‘proteger’ o país, com seu discurso falacioso de ‘integrar para não entregar’, fez com uma das nossas maiores joias, a Amazônia. Foi a partir da inescrupulosa tentativa de transferir os ‘sem-terra’, expulsos pela modernização da agricultura, fundada na agroquímica, na monocultura da soja e na voracidade dos invasores, oriundos do sul do Brasil para uma ambiente totalmente desconhecido e sensível. O mesmo que os imigrantes europeus vieram fazendo desde o século XV com todas as florestas por onde passaram, devastando toda a floresta atlântica e de araucárias dos estados do sul, agora fazem o mesmo com a Hileia Amazônica. E agora, diferente da Europa e do sul brasileiro, o resultado está aí. E tudo não em séculos como anteriormente, mas em décadas. Décadas que se magnificaram em uma destruição de milênios de um ambiente harmônico e equilibrado. E o reflexo está se dando onde? Não só nas secas e nas enchentes sem medida por lá mesmo, mas exatamente no seio de onde chegaram os primeiros colonizadores germânicos, no Rio Grande do Sul. E para entender isso vale ler o texto do historiador Eduardo Relly, também publicado pelo nosso site, no dia de hoje; Agora tudo se fecha e isso está nos levando a um sufocamento real e verdadeiro].
Estudo publicado na revista Nature indica ações prioritárias de combate à destruição na Amazônia antes que a floresta alcance o ponto de não retorno.
Nas últimas décadas, diversas pesquisas têm demonstrado que o processo de destruição da Amazônia por queimadas e desmatamento, somado às secas cada vez mais intensas e frequentes, está afetando a capacidade de recuperação da floresta e levando-a a um ponto de não retorno. Mas são poucas as investigações que se dedicam a entender as diferentes formas com que esses eventos afetam partes distintas da floresta. Foi esse o olhar proposto por um estudo publicado nesta quarta-feira na revista Nature, que usou dados históricos das últimas grandes secas para identificar o grau de resistência de cada região do bioma. O resultado mostra que é justamente no arco do desmatamento, região da Amazônia com os maiores índices de destruição, que estão as porções mais vulneráveis à seca e com menor capacidade de regeneração – é o local, portanto, onde a floresta poderá mais rapidamente deixar de ser e atuar como reguladora do clima. O arco do desmatamento tem aproximadamente 500 mil quilômetros quadrados: vai do oeste do Maranhão e sul do Pará em direção ao oeste da Amazônia, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre.
A ideia de aprofundar os estudos sobre a forma específica como cada região da Amazônia reage aos períodos de seca surgiu há alguns anos, quando cientistas notaram uma incongruência nos resultados de pesquisas sobre o tema: enquanto algumas demonstravam regiões onde as plantas secavam e morriam, outras ressaltavam que, estranhamente, em áreas diferentes da Amazônia as plantas soltavam folhas novas. Antonio Nobre, cientista da Terra com décadas de estudo na floresta, que trabalhou no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), suspeitou que a explicação poderia estar nas características locais contrastantes de cada uma dessas regiões, como o relevo e a água no solo. “Esse estudo foi motivado pelo reconhecimento de que a floresta é rica e heterogênea. São muitas florestas em uma só”, afirma Nobre.
Para elucidar a questão, pesquisadores de três países, liderados por Shuli Chen, do Laboratório de Ecologia e Biologia Evolutiva de Scott Saleska, na Universidade do Arizona, utilizaram 20 anos de dados coletados por satélite: de 2000 a 2020, um período que incluiu as grandes secas de 2005, 2010 e 2015. A investigação revelou a saúde da Amazônia a partir de fatores como a atividade fotossintética – processo em que as plantas absorvem luz solar e a transformam em energia para crescer. Ao analisarem o impacto desses eventos climáticos em cada setor, eles identificaram que na Região Norte da Amazônia, área que fica dentro do Escudo das Guianas (Brasil, Venezuela, Guiana Francesa, Suriname, Guiana), a floresta era mais resiliente à seca, já que a maior parcela do solo é naturalmente menos fértil, as árvores são altas e têm raízes compridas para alcançar os lençóis freáticos mais profundos. No Brasil, estão no Escudo das Guianas os estados do Amazonas, o norte do Pará, praticamente todo o estado de Roraima e a parte ocidental do Amapá. “As árvores de crescimento lento no norte da Amazônia, com suas copas altas, raízes profundas e solo relativamente infértil, parece que se adaptaram a condições adversas”, observa Chen.
Já na Região Sul da Amazônia, que possui maior ocorrência de solos relativamente férteis e florestas com árvores mais baixas, duas reações foram observadas ao mesmo tempo. Em terrenos com baixa altitude e próximos a cursos d’água foi observado um verdejamento das árvores por dois fatores: o primeiro é que, durante a seca, há mais luz solar incidindo pela diminuição das nuvens, o que proporciona um impulso fotossintético. O segundo motivo é que “nesses locais mais baixos, que em condições típicas têm as raízes submersas, a água recua um pouco durante a seca, mas continua acessível. Isso permite que as raízes fiquem mais expostas à absorção de oxigênio sem perder o acesso à água”, explica Nobre, que desenvolveu o método usado pelo grupo para estimar as profundidades do lençol freático a partir de dados de satélite e modelagem de terrenos. Essas condições locais, que permitem a absorção de oxigênio pelas raízes – que também captam do solo água e nutrientes –, são fundamentais para o crescimento das plantas.
REGIÕES DA AMAZÔNIA SÃO CADA VEZ MAIS AFETADAS POR EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS, COMO SECAS PROLONGADAS, INTENSIFICADOS PELO AQUECIMENTO DO PLANETA. FOTO: MICHAEL DANTAS/AFP
Por outro lado, nas árvores dessa Região Sul que crescem em terrenos mais altos, sobre lençóis freáticos mais profundos, o impacto da falta prolongada de chuva foi inverso e maior, pois elas terminam eventualmente sem nenhuma água para absorver nos morros e platôs – as camadas distantes do lençol freático. Como consequência, as florestas acabaram secando muito mais, o que levou à mortalidade da vegetação e criou condições para a entrada e a dispersão do fogo, aumentando os incêndios e dificultando ou impedindo a regeneração das áreas.
As descobertas preocupam, alertam os autores do artigo, pois são exatamente as florestas remanescentes nessa Região Sul as mais afetadas pelo desmatamento e degradação das florestas, outro dos principais vetores de destruição do bioma. “Como previsto na teoria da savanização da Amazônia, tal impacto múltiplo das secas e do fogo reduz a absorção de carbono da floresta e, o pior, elimina as árvores e, com elas, inestimáveis serviços climáticos no resfriamento do ar e na criação e regulação dos rios voadores”, destaca Nobre, referindo-se à massa de ar e vapor de água que as árvores produzem ao transpirar e que ajuda a regular o clima.
A pesquisa colaborativa internacional, diz Antonio Nobre, revela aspectos extraordinários da complexidade da Amazônia, o bioma mais rico da Terra. A ideia é que essa nova compreensão das diferenças regionais forneça uma estrutura para decisões de conservação e previsões aprimoradas de respostas florestais a futuras mudanças climáticas, explicam os pesquisadores. Entre elas, decisões sobre as áreas prioritárias para o combate ao desmatamento e a recuperação florestal. A investigação também lança um alerta sobre o fato de que as florestas com mais capacidade de sequestrar carbono da Amazônia são as que estão em maior risco. “É como se tivéssemos colocado uma imagem borrada em foco”, diz Chen. “Quando falamos sobre a Amazônia estar em risco, falamos sobre isso como se fosse tudo uma coisa só. Este artigo mostra que a Amazônia é um rico mosaico no qual algumas partes são mais vulneráveis a mudanças do que outras, e explica o porquê. Isso é essencial para entender o sistema e protegê-lo.”
Reportagem e texto: Jaqueline Sordi
Edição: Talita Bedinelli e Eliane Brum
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Montagem de página e acabamento: Natália Chagas
Coordenação de fluxo editorial: Viviane Zandonadi
Editora-chefa: Talita Bedinelli
Diretora de Redação: Eliane Brum
PESQUISADORES AFIRMAM QUE O NOVO ESTUDO PODE AJUDAR NA ELABORAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE COMBATE E PREVENÇÃO A QUEIMADAS E DESMATAMENTOS, QUE ESTÃO LEVANDO A FLORESTA A UM PONTO DE NÃO RETORNO. FOTO: MAURO PIMENTEL/AFP