Dois documentários para entender a crise grega.

Produzidos por cineastas independentes “Dividocracia” e “Catastroika” expõem a louca lógica de sistema que impõe “austeridade” e “ajustes fiscais” às sociedades, enquanto alimenta cada capricho da aristocracia financeira.

 

http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=173467

 

Por GuerrilhaGRR

Faltando poucas horas para o referendo que irá decidir o destino da Grécia, os veículos de comunicação internacionais se unem ao grito da União Europeia e FMI pela recuo da população grega. Contra a manipulação da mídia, o Guerrilha separou dois documentários importantes para entender de quem é a culpa da crise grega (nt.: como é domingo à noite, dia do referendo, o resultado da vitória do NÃO já é conhecido!).

Imagine que o seu país, esquecido por décadas, de repente vira o assunto da semana em todo o mundo. Líderes de várias nações se posicionam e a grande mídia ocidental encabeçada pelos veículos de comunicação norte-americanos começam a falar sobre. Seu país enfrenta uma grave crise, e precisa decidir em poucos dias qual será o seu destino. A escolha fica nas mãos da própria população, que terá pela frente um referendo com duas simples opções: Sim ou Não. A pressão é grande. De um lado, você fica angustiado por saber quem são os culpados por tudo isso, e cansado, quer dizer não para mais décadas de sofrimento e austeridade. Por outro, você não para de ouvir na grande mídia o desastre que seria caso não votasse pelo Sim: perderia seu dinheiro guardado na poupança, todas as suas economias se tornariam absolutamente nada, seu país enfrentaria um isolamento ainda mais grave, e o futuro de seus filhos estaria em xeque.

Pois bem, tem sido assim na Grécia nos últimos dias. Após o líder grego Alexis Tsipras anunciar a realização de um referendo sobre o acordo com FMI e União Europeia, a população grega foi bombardeada por pessoas e grupos que até então não se importavam com o que acontecia no país, mas que de repente parecem tão preocupados com “a vida da população da Grécia”.

Diante disso, o Guerrilha separou dois documentários importantes, feitos por cineastas e ativistas independentes, para que pelo menos consigamos entender melhor a situação em que passa o país europeu. Saca só.

Dividocracia (2011) 

O documentário começa com uma premissa que haverá de ser desconstruída durante seus 74 minutos: a de que é um “documentário sobre a Crise financeira mundial, europeia, grega”. Não, a crise financeira não é mundial, europeia ou grega, mas bancária – review por Revista o Viés

Dividocracia demonstra que a Grécia, como outros países da Zona do Euro e da União Europeia, notadamente Portugal, Espanha e Irlanda, só perderam com a instituição da moeda única. Isso porque a falta de câmbio facilitou o crescimento de economias mais fortes, em especial a alemã, pois não existiam mais medidas econômicas internas da Grécia e destes outros países capazes de frear a entrada de produtos alemães, entre outras questões. São essas condições que dão origem ao crescimento da dívida grega, que se tornou insustentável.

É a partir daí que os diretores tratarão da questão da dívida, indo pelo caminho mais lógico para o tema – lógico por escolher entender a dívida para poder enfrentá-la, e não só apresentar o “remediar” de políticos, economistas e jornalistas de plantão. É preciso, e o documentário explora isso muito bem, entender primeiramente como se chegou até a situação. Se o primeiro passo é entender a Zona do Euro e a origem privada da crise nos EUA, o documentário seguirá o caminho de explicar além disso, chegando até a América Latina.

Não por acaso o documentário chama a América Latina de “laboratório do FMI”. Foi notadamente por aqui, na América, que diversas doutrinas do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial foram testadas, ao custo dos empregos e das economias latino-americanas. O documentário cita especialmente dois países: Argentina e Equador.

A Argentina é lembrada por sua crise, em 2001. Por um lado, mostra-se como o país foi base para os experimentos dos Fundos Internacionais. Por outro lembra os protestos que se seguiram à “bancarrota”, os “panelaços” em frente á Casa Rosada e a saída ingloriosa de helicóptero de Fernando De La Rúa.

O Equador, por outro lado, é exemplo. O país passou por um processo pouco comum, mas necessário não só na Grécia como também no Brasil, que é uma auditoria da dívida pública. Essa auditoria extinguiu parte considerável da dívida do país, que se mostrou não fundamentada, sendo não mais que fruto de mecanismos financeiros que impossibilitariam seu pagamento – qualquer semelhança com o Brasil não será mera coincidência.

Catastroika (2012)

Neste novo documentário, podemos constatar como se originou a política global de privatizações em massa, com a aplicação dos métodos muito bem relatados por Naomi Klein em seu conceituado livro A doutrina do choque – review por Vio Mundo

Com o Catastroika, podemos ver que, para implementar o propalado modelo de “Estado mínimo”, é preciso usar ao máximo a força do Estado, especialmente forças militares e policiais, para vencer as enormes resistências de grande parte da população. Ou seja, os defensores do “Estado mínimo” apelam para o Estado máximo para impor suas condições a toda a sociedade.

A partir dos postulados do neoliberalismo, entenderemos que o Estado só deverá manter-se afastado na hora da apropriação dos recursos gerados pelo conjunto da nação (para evitar que os mesmos caiam nas mãos erradas da maioria). Estes recursos devem sempre ficar à disposição dos grupos econômicos (especialmente os representantes do capital financeiro) que de fato comandam o Estado. A participação estatal na questão da distribuição da renda só será admitida (e, na verdade, exigida) quando o modelo entrar em crise e gerar situações que ponham em risco os interesses dos grupos econômicos dominantes. Aí, sim, o Estado precisa desempenhar um papel de primeira linha e deve atuar para fazer com que o conjunto da sociedade assuma os custos da crise originada pelas ações especulativas daqueles que vinham se beneficiando do sistema.

O documentário nos mostra em detalhes como se gestou a crise na Grécia. Também nos deixa muito claro que permanece plenamente em vigor a máxima do neoliberalismo econômico, a qual reza que: “Todo lucro deve sagradamente ser apropriado de forma privada, e todos os prejuízos que surjam desse processo de apropriação devem necessariamente ser assumidos pelo conjunto da sociedade”.

Em outras palavras, o neoliberalismo defende a ideologia robinhoodiana com sinal trocado: “Tirar dos pobres para servir aos ricos”.

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Nos últimos anos pré-Syriza, manifestações violentas tomaram conta da Grécia | Foto: Reprodução

A manipulação da mídia e a campanha pelo Sim

Uma vítima do terramoto da Turquia “transformado” em pensionista grego em lágrimas na capa de um diário é o último exemplo de manipulação da imprensa a fazer furor nas redes sociais.

A esmagadora maioria dos jornais e tv’s privadas da Grécia, detidos por grupos ligados à oligarquia que tem dominado a finança do país, faz abertamente campanha pelo ‘Sim’.

O diário Star publicou esta semana na capa a foto de um pensionista grego em lágrimas por causa do controlo de capitais. Na realidade, este “pensionista” é uma vítima do terramoto na Turquia em 1999, agora recuperado para ilustrar ao povo grego o suposto desespero da terceira idade à porta dos bancos.

Se durante o fim de semana, as televisões criaram o clima da “corrida aos bancos”, com diretos intermináveis junto às caixas multibancos até que de facto as filas se começassem a formar por gente preocupada com o que via na tv, isso não bastou para alguns canais.

Uma das imagens mais impressionantes foi a desta idosa a proteger a amiga de olhares curiosos sobre o pin de multibanco por parte da suposta multidão na fila para levantar dinheiro. Mas na verdade, a foto era de 2012 e mostrava que não havia mais ninguém próximo da caixa.

Uma das imagens mais impressionantes foi a desta idosa a proteger a amiga de olhares curiosos sobre o pin de multibanco por parte da suposta multidão na fila para levantar dinheiro. Mas na verdade, a foto era de 2012 e mostrava que não havia mais ninguém próximo da caixa