Deserto verde em expansão no Paraná. Entrevista especial com Roberto Martins de Souza.

“Ao contrário do que anuncia o setor de papel e celulose, sua presença não implica em melhoria nas formas de vida locais. Por quanto esse padrão de acumulação capitalista drena há décadas toda a potencialidade econômica e social local para permitir a construção de um modelo que segue as pegadas de nossa matriz colonial, ainda que se aproprie do discurso da modernidade e da sustentabilidade”, afirma o pesquisador.

 

 

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Confira a entrevista.

Os 900 mil hectares de eucalipto e pinus plantados no Paraná equivalem, “em termos comparativos”, “a duas vezes as áreas dos assentamentos de reforma agrária conquistados através da luta dos movimentos sociais do campo entre 1980 e 2011 no estado do Paraná, onde vivem pouco mais de 18.000 famílias camponesas, produzindo alimentos, conservando os recursos naturais, gerando empregos e preservando a rica cultura dos povos do campo e suas formas de organização social”, diz Roberto Martins de Souza à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail.

Segundo ele, o chamado deserto verde “tem provocado mudanças significativas e impactantes em comunidades camponesas da região, como: substituição de áreas de produção de alimentos da agricultura camponesa por madeira, secagem de fontes e cursos d’água, diminuição da biodiversidade e acelerado o êxodo rural na medida em que gradualmente confina os camponeses em suas comunidades”.

Segundo o pesquisador, a expansão do setor no país está ligada ao “lobby das empresas junto ao governo federal”, as quais o convenceram que este é um “setor com competitividade global, lugar onde o país ocupa a posição de líder mundial”.

E acrescenta: “Por esta razão o BNDES tem não somente emprestado recursos a ‘juros familiares’, assim como tem adquirido ações das empresas em momentos que estas não fecham as contas, buscando uma reparação no mercado de seus ativos. Dessa forma o setor tem no BNDES o grande provedor de sua atividade. Então essa história de ‘sucesso’ do setor não é bem assim”.

Roberto Martins de Souza é graduado em Engenheria Florestal e doutor em Sociologia. Leciona no Instituto Federal do Paraná.

Foto: http://bit.ly/158pcV3

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em pesquisa recente o senhor aponta que mais 300 mil hectares no Paraná são propriedade da Klabin, com plantação de pinus e eucalipto. O que esse dado representa considerando a expansão territorial do estado?

Roberto Martins de Souza – A empresa possui cerca de 300 mil há; pouco mais de 200 mil se refere a plantações industriais de árvores (pinus e eucaliptos), e a outra parte são áreas de proteção (reserva legal e Áreas de Preservação Permanente – APPs), instalações de fábricas, e demais usos. Quando analisados no conjunto dessas plantações destinadas a serrarias e, em especial, às empresas do ramo de papel e celulose, temos no Paraná, em 2012, aproximadamente 900 mil há, o que equivale a 4% da área do estado. Em termos comparativos, isso equivale a duas vezes as áreas dos assentamentos de reforma agrária conquistados através da luta dos movimentos sociais do campo entre 1980 e 2011 no estado do Paraná, onde vivem pouco mais de 18.000 famílias camponesas, produzindo alimentos, conservando os recursos naturais, gerando empregos e preservando a rica cultura dos povos do campo e suas formas de organização social. De outra forma, o “Deserto Verde” – expressão usada para indicar vastas extensões de monocultivos arbóreos – tem provocado mudanças significativas e impactantes em comunidades camponesas da região, como: substituição de áreas de produção de alimentos da agricultura camponesa por madeira, secagem de fontes e cursos d’água, diminuição da biodiversidade e acelerado o êxodo rural na medida em que gradualmente confina os camponeses em suas comunidades. Ainda assim, este modelo de desenvolvimento coordenado pelo setor de papel e celulose tem sido assegurado por volumosos investimentos e vantagens diversas obtidas junto a instituições estatais, financeiras e de certificação, o que permite há décadas o ordenamento do território pelos moldes industriais espoliativos, difundindo em seu caminho a injustiça ambiental e iniquidade social, especialmente no público da agricultura familiar e povos tradicionais, que em seus projetos para o território são colocados em posição inferior em relação ao agronegócio da celulose.

Ao contrário do que anuncia o setor de papel e celulose, sua presença não implica em melhoria nas formas de vida locais. Por quanto esse padrão de acumulação capitalista drena há décadas toda a potencialidade econômica e social local para permitir a construção de um modelo que segue as pegadas de nossa matriz colonial, ainda que se aproprie do discurso da modernidade e da sustentabilidade. Disso resulta um gigantesco atraso que pode ser aferido nos menores Índice de Desenvolvimento Humano – IDHs do estado presentes na região.

No plano estadual, as previsões dessa expansão estão diretamente vinculadas ao financiamento público, em especial do BNDES, o maior financiador desse setor, seja para implantação de fábricas de celulose e papel – caso do Município de Ortigueira, em que a Klabin agenciou recursos para uma nova fábrica que custará seis bilhões de reais – bem como, para expansão de novas áreas com plantações de pinus e eucaliptos. Segundo analistas econômicos, a meta é alcançar um milhão de hectares de plantações industriais de árvores até 2016 em todo Paraná. Por outro lado, em 2012 foram assentadas no Paraná

IHU On-Line – Como a plantação de eucalipto e pinus interfere na produção agrícola da região? Em seus estudos o senhor menciona que a expansão da plantação de pinus e eucalipto tem destruído as nascentes dos rios. Pode nos relatar alguns casos estudados?

Roberto Martins de Souza – No decorrer da pesquisa foram identificadas e registradas informações de 17 categorias de conflitos sociais provocados pelos monocultivos de árvores em comunidades camponesas. Tais situações conflitivas podem ser entendidas como recorrentes violações aos direitos humanos e atingem de modo ampliado a região de Telêmaco Borba.

O trabalho a campo permitiu aferir a realidade social pelo olhar dos “Atingidos” pelas plantações industriais de árvores. Trata-se de grupos sociais submetidos ao interdito da pluralidade social, visto que encontram cada vez mais limitações territoriais para reproduzir-se física e socialmente, dado o ritmo descontrolado de expansão das plantações industriais viabilizadas pela ausência de regulação pública, como licenciamentos ambientais para plantios, fiscalização de danos ambientais, zoneamento ecológico-econômico, isto é, não existe nenhuma forma de disciplinamento pelo poder público e sociedade dessas plantações, razão pela qual os monocultivos empresariais se alastram agressivamente, reordenando o território, segundo seus interesses, o que implica no aniquilamento da diversidade étnica e cultural e os recursos naturais.

Durante os trabalhos de campo, a equipe de pesquisa composta em grande medida pelos agricultores atingidos pelas plantações industriais de árvores foram treinadas no uso de tecnologias de mapeamento, como GPS, fotografia digital e gravador de voz. Esses mesmos agentes sociais conduziram a coleta de informações em suas comunidades. Foram visitadas 12 comunidades rurais de um total de 18 existentes no município, onde foram entrevistados 26 agricultores “Atingidos” pelos monocultivos arbóreos. À confirmação dos argumentos seguia-se o registro de imagens e coleta de dados georreferenciados sobre situações conflituosas mencionadas que indicavam a localização dos impactos socioambientais relacionados à redução dos espaços sociais na agricultura camponesa; desestruturação das alternativas locais tradicionais; degradação dos recursos naturais, em detrimento de outros projetos socioterritoriais pré-existentes na região. Nessas incursões às comunidades, foi possível verificar três tipos de conflitos relacionados diretamente aos recursos hídricos: diminuição de nascentes; secagem de nascentes e contaminação dos cursos d’água. Todas as comunidades visitadas relataram no mínimo uma dessas situações, informando de que modo isso afetava seu trabalho e sua vida, ao ponto de abandonarem suas atividades produtivas e deslocarem-se para cidade, dada a falta de condições de reprodução social e física. A narrativa de um agricultor atingido pelo deserto verde bem relata essa aguda situação:

“Cheguei morar no sitio em 1988, tinha bastante água. Naquele tempo tinha um córrego que passava mais ou menos um metro de água, e agora passa uns trinta centímetros apenas. É que quando cheguei neste lugar, não tinha nenhum pé de eucalipto plantado. Era tudo mata nativa, e agora já chega um total de 90% de plantações de eucaliptos. Antes eu via muitos bichos: cotia, tatu, capivara, lebre, muitas espécies de passarinhos antes eu ia pescar e pegava seis dúzias de lambari em pouco tempo que ficava no rio, e agora demora muito para pegar meia dúzia de peixe. Apenas por causa do veneno chamado “trazina tordo”. Esse veneno chega no lençol freático e contamina as águas e acabam morrendo os peixes dos rios. Também tinha uma mina, e tinha um pé de eucalipto plantado próximo da mina, e a mina secou.” (Boletim Informativo, 2013).

IHU On-Line – Na 12ª Jornada de Agroecologia do Paraná o senhor mencionou que no contexto internacional, as plantações industriais de árvores estão concentradas na África, América Latina e Ásia. Quais as razões da concentração nesses países?

Roberto Martins de Souza – O aumento significativo de plantações industriais de árvores no Sul Global é um fenômeno relativamente recente (a partir da década de 1960-1970). Isso se deve a “nova” divisão internacional do trabalho coordenada pelo capital no período de forte industrialização dos países do Sul. Como essa atividade é altamente poluidora e degradadora dos recursos naturais, as sociedades e governos do norte impuseram regras rígidas, o que resultou na transferência desse capital industrial, apoiado pelo capital financeiro e governos locais para o Sul. Esse movimento foi acentuado no início da década de 1990, momento em que as políticas econômicas baseadas no modelo neoliberal, adotaram os chamados programas de ajuste estrutural. Estes programas foram prescritos como uma “receita” pelo Fundo Monetário Internacional – FMI e endossados por bancos de desenvolvimento, como o Banco Mundial. Com isso os governos do Sul foram forçados à liberalização do comércio e à adoção de políticas de incentivos e subsídios para atividades voltadas a exportação, incluindo plantações industriais de árvores.

Em razão dessas políticas, as plantações industriais para celulose e papel têm sido ampliadas cada vez mais no Sul, simplesmente porque, de uma perspectiva empresarial, a terra e a mão de obra são mais baratas, as regras ambientais costumam ser menos rígidas e a produtividade da madeira por hectare, em geral, maior. No entanto, é difícil estimar o aumento das plantações industriais de árvores, incluindo eucalipto e pinus no Sul global ao longo das últimas duas décadas, pois poucos governos coletam informações, baseando seus dados em registros fornecidos por associações setoriais. Segundo a FAO (2010), a área de “florestas plantadas” – Desertos Verdes em sua maioria – no Sul global aumentou mais de 50% entre 1990 e 2010, passando de 95 milhões de hectares para 153 milhões de hectares, num total de 264 milhões de hectares no mundo todo. Quando falamos em celulose, por exemplo, se perguntarmos da onde vem a celulose que é usada para produzir papel, observamos o deslocamento do capital investido nas empresas de papel e celulose para o Sul Global, nos últimos 20 anos, onde a produtividade é maior e o custo de cultivar madeira, mais barato. Enquanto, em 1994, 20%, ou 34 milhões de toneladas da produção mundial de celulose de 172 milhões de toneladas estava localizada no Sul global, em 2007, 45%, ou 86 milhões de toneladas, de uma produção de 192 milhões, estavam sendo produzidas lá. Explicita-se assim essa nova configuração, após 20 anos de sua implantação, via políticas neoliberais, quando verifica-se que metade da celulose produzida no Sul global é exportada para o Norte. Nesse cenário, o Brasil ocupa a posição de maior exportador de celulose de eucalipto do mundo.

IHU On-Line – O senhor mencionou ainda que de 2003 a 2007 foram aplicados R$ 4,4 bilhões no setor. Por que há tanto investimento no Brasil?

Roberto Martins de Souza – O setor de papel e celulose historicamente dependeu de investimentos públicos para equilibrar suas contas. A implantação da estrutura de uma fábrica com condições de competir no mercado global não custa por menos de cinco bilhões de reais. A fábrica que a Klabin está instalando no município paranaense de Ortigueira custará cerca de R$ 6 bilhões. Outra questão é que o mercado mundial vê com bons olhos esse tipo de investimento do erário público aliado à segurança jurídica garantida pelo governo do Brasil a esse setor da economia. Todavia, a questão é que o lobby das empresas junto ao governo federal, o convenceu nas últimas décadas de que o setor de papel e celulose é um setor com competitividade global, lugar onde o país ocupa a posição de líder mundial. Por esta razão o BNDES tem não somente emprestado recursos a “juros familiares”, assim como tem adquirido ações das empresas em momentos que estas não fecham as contas, buscando uma reparação no mercado de seus ativos. Dessa forma o setor tem no BNDES o grande provedor de sua atividade. Então essa história de “sucesso” do setor não é bem assim.

IHU On-Line – Como avalia a criação do Plano Nacional de Florestas e do Conselho Nacional de Florestas? Em que medida eles contribuem para desenvolvimento do setor?

Roberto Martins de Souza – Quando Lula chegou ao governo em 2003, uma das primeiras delegações de indústrias que ele recebeu como novo presidente do Brasil foi das grandes empresas de plantações industriais de árvores, que solicitavam apoio do Estado brasileiro para expandir a área dessas monoculturas, de cinco para 11 milhões de hectares em um período de 10 anos. Lula respondeu positivamente. Uma das medidas adotadas foi a criação do Conselho Nacional de Florestas, que elaborou um Plano Nacional de Florestas, segundo o qual o governo subsidiaria, durante o período de 2003 a 2007, novas fábricas de celulose, bem como a expansão da área de plantações industriais de árvores do país em mais dois milhões de hectares. Cerca de 1,2 milhão de hectares seriam plantados pelas próprias empresas e 800.000 hectares, por agricultores terceirizados, com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. No período de 2003 a 2009, o BNDES investiu 4,3 bilhões de reais em novas fábricas de celulose, e 1,3 bilhão na expansão dessas plantações.