Financiada pelo BNDES, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, tem recebido tratamento privilegiado do banco. Embora o contrato determine a suspensão dos desembolsos em caso de descumprimento das exigências ambientais ou atrasos na adoção de medidas para minimizar o impacto da obra no meio ambiente, na prática, essa determinação não está sendo seguida. Mesmo descumprindo exigências ambientais, o que já resultou na aplicação de multa pelo Ibama, a obra segue recebendo regularmente os recursos do financiamento de R$ 22,4 bilhões, o maior crédito da história do banco.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519856-bndes-nao-cumpre-exigencia-ambiental-no-credito-a-belo-monte
A reportagem é de Danielo Fariello e publicada pelo jornal O Globo, 05-05-2013.
O jornal teve acesso ao contrato de financiamento principal assinado em 18 de dezembro entre BNDES e a Norte Energia, empresa responsável pela construção da gigantesca hidrelétrica no Pará, com orçamento de R$ 25,9 bilhões. A liberação de recursos exige a regularidade ambiental do empreendimento e “cumprimento tempestivo (dentro do prazo previsto) das condicionantes”, conforme escrito na letra C, inciso III da cláusula 20ª. As condicionantes são as exigências ambientais.
Enquanto a construção segue com condicionantes em atraso, 24 ações estão na Justiça tentando, em sua maioria, suspender a licença ambiental dessa obra, que é a mais polêmica do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e deve balizar a relação de outros grandes empreendedores da infraestrutura com o meio ambiente no futuro.
No mês passado, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará entrou na Justiça para suspender a licença e cobrar o cumprimento de condicionantes pela Norte Energia, entre as quais destacam-se as instalações de saneamento básico, que já deveriam ter sido feitas na região do Xingu, conforme o cronograma oficial.
BNDES vê ‘situação de regularidade’
Entidades não governamentais também têm reclamado do atraso no cumprimento de condicionantes. No mês passado, o Instituto Socioambiental (ISA) denunciou que, concluídos 30% do empreendimento e 16 meses após o início, não havia, até o dia 8 de abril, obras significativas e com impacto na vida dos cidadãos afetados da região.
“Não vai dar tempo para cumprir tudo (as condicionantes) até fechar a barragem, em dezembro de 2014. Será que vão fazer depois de tudo pronto?”, pergunta Biviany Rojas, advogada do ISA.
Perguntada sobre aspectos específicos do cumprimento das condicionantes, a Norte Energia limitou-se a responder “que as ações previstas no Projeto Básico Ambiental (PBA) estão sendo cumpridas, estando já contratadas ou em fase de contratação.” A empresa informou, ainda, que foi investido até o momento nessas atividades cerca de R$ 1 bilhão. Segundo o BNDES, apenas os investimentos em ações socioambientais financiados pelo banco para os arredores de Belo Monte somam R$ 3,2 bilhões.
No primeiro relatório de andamento do Projeto Básico Ambiental enviado pela Norte Energia, em fevereiro do ano passado, houve cobrança de multa de R$ 7 milhões pelo Ibama pelo descumprimento de condicionantes (a multa máxima era de R$ 10 milhões). Em janeiro deste ano, segundo o ISA, a Norte Energia tinha cumprido apenas 19% das condicionantes, mas não houve nova multa.
Para ONG, falta transparência nas análises de risco
Segundo Brent Millikan, diretor do Programa Amazônia da ONG International Rivers, com sede nos EUA, falta transparência no modo como o BNDES faz as análises de risco sobre o projeto.
“Cada dia que Belo Monte para por conta de ocupações, há um impacto financeiro, mas não se sabe qual é esse impacto”, disse Millikian, lembrando que, na quinta-feira, parte da obra voltou a ser invadida por grupos indígenas.
O BNDES reconhece que “podem ocorrer eventuais atrasos na execução das ações previstas, por conta de condicionantes”, mas informa que, com base nas informações recebidas da Norte Energia, “não se caracterizou a descontinuidade da situação de regularidade do projeto perante os órgãos ambientais”. E destaca, ainda, “que as licenças ambientais emitidas continuam válidas”.
O risco de o próprio BNDES ser responsabilizado por eventuais danos socioambientais provocados pela obra é real. A cláusula 13ª diz que a Norte Energia deverá “ressarcir o BNDES, seus diretores, administradores, empregados, assessores e controladas de qualquer quantia que estes sejam compelidos a pagar por conta de dano socioambiental que, de qualquer forma, a autoridade entenda estar relacionado ao projeto”.