Delas também fala a nova encíclica do Papa Francisco, a Laudato Si’, dedicada ao meio ambiente e ao destino da humanidade. Porque elas são uma parte fundamental do meio ambiente, embora não se saiba por quanto tempo, caso as coisas continuarem como até agora. Lamentavelmente, em torno delas seu habitat vai se estreitando como uma armadilha à medida que é contaminado irremediavelmente, deixando-as desamparadas. Estamos falando de comunidades inteiras de indígenas da Amazônia, dizimadas por doenças e um processo de desmatamento que as leis dos governos não são capazes de controlar. A consequência é que há tribos que estão prestes a desaparecer, do Peru ao Brasil, como denuncia, baseando-se em dados concretos, a revista Science.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/543629-a-nova-enciclica-tambem-fala-das-tribos-indigenas-isoladas-da-amazonia
A reportagem é de Alver Metalli e publicada por Tierras de America, 16-06-2015. A tradução é de André Langer.
A prestigiosa publicação científica da American Association for the Advancement of Science faz o alerta às vésperas da divulgação do documento papal. “Estamos no umbral de uma grande extinção de culturas”, denuncia Francisco Estremadoyro, diretor da ONG ProPurus, com sede em Lima, Peru. “Não há dúvida de que é um momento histórico”, acrescenta, e certamente não para o bem das populações autóctones.
É difícil saber com exatidão o que acontece dentro de tribos que vivem isoladas ou com pouco contato com pessoas de outras proveniências, mas mesmo assim a Science recolhe testemunhos e evidências suficientes para afirmar que a introdução de doenças é responsável por até 90% das vítimas dentro de grupos humanos cuja principal defesa contra a agressão dos “inimigos” foi o isolamento, inimigos que nem sempre têm o rosto odioso dos caçadores de riquezas naturais. Como prova, a revista ilustra o caso de três grupos que entraram em contato com populações “vizinhas” nos últimos 18 meses: os xiname, os korubo e os awá-guajá, e relata as baixas que imediatamente houve entre eles, tanto em termos de natalidade como de mortalidade.
No Brasil, os especialistas consideram que entre 50% e 90% das tribos desapareceram devido a doenças introduzidas do mundo exterior entre 1970 e 1989. O governo faz tudo o que está ao seu alcance para impedir o contato quando este pode ser fatal, mas não consegue frear uma dinâmica já bem conhecida e relacionada com as atividades de extração e mineração, das represas hidroelétricas que são extremamente necessárias no país, dos oleodutos e das estradas. As consequências são inexoráveis: reduz-se o habitat para as populações indígenas, diminui o território útil com recursos primários e medicinais com os quais sempre contaram e, junto com o habitat, reduz-se a distância necessária com os assentamentos modernos e suas ameaças objetivas.
Grupos étnicos isolados ou com poucos contatos ainda persistem nas montanhas da Nova Guiné e das ilhas Andamane, no Oceano Índico. Mas é na Amazônia, explica a Science – com seus cinco milhões de quilômetros quadrados (61% do território nacional brasileiro), uma população de 24 milhões de pessoas, segundo o último censo, distribuída em 775 municípios principalmente indígenas, e em um habitat que inclui um terço das florestas e um quinto da água potável do planeta, com uma imensa rede de rios que cruzam a reserva verde mais extensa sobre a face da Terra –, onde a situação humana de tribos inteiras se tornou dramática.
A Funai contabiliza 26 grupos indígenas que ainda se encontram isolados no Brasil, e considera que pode haver outros 78 desconhecidos na floresta que em outros tempos era considerada impenetrável. Mas na Amazônia peruana “a situação é ainda mais grave”. Os especialistas consultados pela Science estimam que há cerca de 8.000 núcleos indígenas dispersos em pequenos grupos na floresta tropical. E as tribos isoladas “são uma das populações mais ameaçadas do mundo”, assegura Beatriz Huertas, antropóloga que mora em Lima.
Elas sofrem na própria carne as distorções de um desenvolvimento que produz marginalização e pobreza e que ameaça sua própria sobrevivência. Estes são precisamente os capítulos aos quais a encíclica papal dedicará mais que poucas palavras, e é do conhecimento de todos que na preparação da mesma participou o cardeal brasileiro Claudio Hummes, presidente da Comissão Episcopal para a Região Amazônica. O vizinho de cadeira de Bergoglio no momento da eleição papal e irmão que lhe “inspirou” o nome que tomou como pontífice.