Os reflexos do Projeto Grande Carajás, implementado na Amazônia oriental nos anos 1980, podem ser verificados ainda hoje, 30 anos depois, diante do crescimento econômico proporcionado em estados como o Maranhão, que é a 16ª economia entre os estados brasileiros. Contudo, a aparente expansão econômica “não significa melhoria da qualidade de vida” da população que vive no entorno da região onde se desenvolveu o projeto de exploração mineral, avalia Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/530910-a-exploracao-ambiental-na-amazonia-e-a-promessa-de-desenvolvimento-entrevista-especial-com-horacio-antunes-de-santana-junior
“O ‘atraso’ da região amazônica não é devido à falta de ‘desenvolvimento’, mas sim uma consequência do próprio desenvolvimento”, diz o sociólogo.
“A grande expansão econômica tem provocado uma situação que leva a péssimos Índices de Desenvolvimento Humano – IDH, alto grau de exportação de trabalhadores para trabalho escravo, péssima assistência à saúde e à educação, altos índices de violência urbana e rural, somente para citar alguns indicadores”, relata. Ao invés do desenvolvimento, o Projeto Grande Carajás gerou “concentração de terras, a violência e a miséria no campo, o inchaço urbano e maior concentração de renda”.
De acordo com o pesquisador e professor da Universidade Federal da Amazônia, “qualquer estudo sério da realidade da região pode constatar que os efeitos negativos suplantam enormemente os efeitos positivos” de projetos como o do Grande Carajás. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior explica que as empresas envolvidas na extração de minério na região amazônica “promovem ações pontuais de assistência e de compensação dos graves prejuízos causados a grupos locais pelas práticas produtivas e obras de infraestrutura”.
Entretanto, ressalta, tais ações não acontecem por meio de um “diálogo no qual os vários agentes têm as mesmas possibilidades de manifestar suas perspectivas e interesses. O que temos ao longo das últimas três décadas são ações de cooptação de lideranças locais, manipulação de informações e pessoas, imposição de ações apresentadas como irreversíveis”. E acrescenta: “Os grupos sociais locais e povos tradicionais são, em grande medida, percebidos por planejadores estatais e privados como grupos arcaicos, ultrapassados, destinados à inexorável extinção. Dessa forma, sua fala, quando existe, é desqualificada, desconsiderada ou tomada como folclórica.”
Na entrevista a seguir, o pesquisador também comenta as possíveis implicações da aprovação do Plano Nacional de Mineração. Para ele, trata-se de uma proposta concebida “na perspectiva de garantir um extraordinário aumento da exploração de minérios, dando continuidade a um projeto de manutenção de um modelo econômico que tem como uma de suas principais bases a extração e exportação de riquezas naturais, repetindo ciclos de exploração que se iniciaram com a colonização”.
As implicações do Projeto Grande Carajás serão discutidas no Seminário Internacional “Carajás 30 anos: resistências e mobilizações frente a grandes projetos na Amazônia Oriental”, na Universidade Federal do Maranhão, em São Luís, entre os dias 5 e 9 de maio.
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior é graduado em Ciências Sociais, mestre em Educação Escolar Brasileira pela Universidade Federal de Goiás – UFG e doutor em Ciências Humanas – Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Atualmente leciona no Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão – UFMA e no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais – PPGCSoc e em Políticas Públicas – PGPP. É líder do Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente – GEDMMA, registrado do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a atual situação da região amazônica por causa da atuação da Vale e de outras mineradoras na região? Quantas empresas de mineração atuam na região?
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – A Vale atua na Amazônia oriental desde a década de 1970, quando, então, era estatal e se apresentava pelo nome Vale do Rio do Doce. Sua atuação na região se deu, inicialmente, a partir do Projeto Ferro Carajás, que tinha como principal objetivo a criação das condições de exploração das gigantescas reservas de minério de ferro do sudeste do Pará, o que levou à concepção de um gigantesco sistema de infraestrutura que pode ser traduzido na fórmula mina-ferrovia-porto. Esse sistema foi fundamental para o escoamento e exportação do minério de ferro da Serra de Carajás através de uma extensa ferrovia, a Estrada de Ferro Carajás, com quase 900 Km e que liga as minas à região portuária de São Luís, capital do Maranhão. Nessa região, além do Porto de Itaqui, administrado pelo governo estadual, foi construído o Porto da Ponta da Madeira, administrado pela própria Vale. A partir do Projeto Ferro Carajás, o governo ditatorial concebeu e implantou o Programa Grande Carajás – PGC, que era conduzido por um conselho interministerial, envolvendo diversos órgãos do Governo Federal e governos locais e que operou como um dinamizador e integrador da Amazônia oriental à dinâmica econômica capitalista do Brasil, estimulando e promovendo uma grande diversidade de atividades econômicas (agronegócio, mineração, siderurgia, exploração florestal, etc.) e uma extensa rede de infraestrutura (hidrelétricas, termelétricas, estradas de rodagem, ferrovia, portos).
O PGC, enquanto política governamental, funcionou entre os anos 1980 e 1992, com consequências em uma grande área de influência e vários ramos de atividade econômica, constituindo-se numa das expressões mais visíveis do modelo de desenvolvimento implementado pelos governos da ditadura civil/militar que se instalou a partir de 1964. O PGC foi oficialmente extinto em 1992, dentro do processo de enxugamento da máquina pública realizado pelo governo Fernando Collor, a partir da orientação neoliberal que se implantava no país. Mesmo após sua extinção, como instância oficial, o PGC continuou exercendo forte influência na sua região de abrangência, alterando fortemente as paisagens e os modos de vida dos grupos sociais locais.
A partir da atuação do PGC e de pesquisas exploratórias de iniciativas estatais e privadas, inúmeras outras possibilidades de exploração minerária foram se descortinando na Amazônia. Fontes de ouro, ferro, bauxita, níquel, caulim e de inúmeros outros minérios são cotidianamente descobertas, e a atividade mineradora tem se expandido em uma velocidade alucinante. Essas atividades atraem uma grande quantidade de mineradoras cujo capital tem origem nacional e estrangeira. Dentre outros objetivos, o Seminário Internacional Carajás 30 Anos pretende despertar o interesse de estudiosos das universidades da região amazônica e de outras regiões do país para a necessidade de que sejam feitos e divulgados levantamentos mais precisos sobre a atuação dessas mineradoras, considerando a quantidade de mineradoras, os locais de atuação, a quantidade de minério extraído e considerando, também, as consequências ambientais e sociais das atividades vinculadas à mineração.
“Em toda a região, pessoas continuam a sair do campo em busca de trabalho fora de seus estados de origem, pois têm o acesso à terra impedido pelo latifúndio” |
IHU On-Line – Pontualmente, quais são os impactos ambientais gerados pelo Programa Grande Carajás na região amazônica nos últimos 30 anos?
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – Os desdobramentos do PGC e de outras iniciativas desenvolvimentistas têm levado a acentuada exploração ambiental na Amazônia. Dentre essas iniciativas podemos destacar: a construção de obras de infraestrutura para funcionamento dos projetos, com destaque para hidrelétricas, portos, ferrovias e uma extensa rede de rodovias cortando boa parte da Amazônia. Essas obras exigiram do Governo brasileiro financiamento público por parte dos “bancos de desenvolvimento” e foram associadas a investimentos em expansão da mineração, atividades florestais, expansão do agronegócio, atividades industriais. Como principais consequências socioambientais, podemos destacar:
– desmatamento de grandes áreas para implantação de fazendas de gado bovino e de monocultura (soja, milho, eucalipto), para extração madeireira e para produção de carvão vegetal, principalmente visando atender às fábricas de ferro gusa instaladas ao longo do corredor constituído pela Estrada de Ferro Carajás, causando a destruição da floresta amazônica e de áreas de cerrado;
– perambulação de trabalhadores ao longo da ferrovia e concentração de trabalhadores sem emprego e sem terras nas periferias de cidades como Parauapebas, Curionópolis, Eldorado de Carajás, Marabá, Belém, Açailândia, Imperatriz, Buriticupu, São Luís, levando ao inchaço urbano, com destruição de fontes de água e desmatamentos, violência urbana e vulnerabilização dos trabalhadores à superexploração do trabalho e ao trabalho escravo;
– especulação imobiliária, tanto urbana como rural, e aquecimento do mercado de terras devido às atividades madeireiras e agropecuárias levando ao aumento dos casos de conflitos fundiários e territoriais, nas cidades e no campo;
– impactos ambientais com consequente comprometimento da reprodução e sobrevivência de ecossistemas e grupos sociais, associados à exploração das minas, construção de hidrelétricas e demais obras de infraestrutura, expansão da monocultura (principalmente a soja e o eucalipto, que deixam solos em processo de desertificação, além da contaminação dos arredores por agrotóxicos, corretores de solo e outros poluentes);
– desorganização da economia local (extrativismo vegetal, pesca artesanal, agricultura familiar tradicional, garimpagem), na medida em que as atividades econômicas tradicionais vão sendo substituídas por atividades de dimensão empresarial que exigem a imobilização de grande quantidade de terras, pessoas e ambientes;
– mudanças nos hábitos e costumes das populações tradicionais e indígenas, que alteram seus modos de vida, pois passam a sofrer a influência de novos valores culturais, econômicos, religiosos, sociais.
IHU On-Line – Esses problemas ambientais foram evidenciados e discutidos de alguma maneira com a Vale e as empresas que exploraram minério na região ao longo desses 30 anos? Se sim, como aconteceu esse processo?
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – As grandes empresas e planejadores estatais envolvidos no Programa promovem ações pontuais de assistência e de compensação dos graves prejuízos causados a grupos locais pelas práticas produtivas e obras de infraestrutura. Assim, o que acontece, às vezes, não é um diálogo no qual os vários agentes têm as mesmas possibilidades de manifestar suas perspectivas e interesses. O que temos ao longo das últimas três décadas são ações de cooptação de lideranças locais, manipulação de informações e pessoas, imposição de ações apresentadas como irreversíveis. Os grupos sociais locais e povos tradicionais são, em grande medida, percebidos por planejadores estatais e privados como grupos arcaicos, ultrapassados, destinados à inexorável extinção.
Dessa forma, sua fala, quando existe, é desqualificada, desconsiderada ou tomada como folclórica. Seus interesses são percebidos como reflexos de um tempo pretérito. Dessa forma, o diálogo se inviabiliza e é substituído pela imposição, direta ou sutil, dos interesses dos empreendedores. A análise criteriosa de audiências públicas (normalmente exigidas legalmente para licenciamento de grandes empreendimentos de infraestrutura ou produtivos) e outras formas de oitiva das populações locais demonstram que esses mecanismos são cada vez mais formais, dominados por eficientes mecanismos de controle e manipulação dos atingidos pelos empreendimentos e precedidos de intensos trabalhos realizados a partir de estudadas tecnologias sociais. Essas tecnologias visam contornar conflitos, obter consensos, neutralizar possíveis opositores, de tal forma que os resultados dos processos de oitiva sejam sempre na direção do atendimento dos interesses daqueles que assumem o empreendimento.
“Há uma clara relação entre a pobreza e a implantação dos grandes projetos, visto que, em grande medida, são isentados de tributos governamentais” |
IHU On-Line – Recentemente o senhor fez uma pesquisa comparativa para compreender como ocorreram as relações dos processos nos projetos de desenvolvimento, modernização econômica e grupos sociais atingidos na região amazônica durante os anos 80 e como ocorrem nos dias de hoje. O que evidenciou a partir desses quadros comparativos?
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – Como já apontamos anteriormente, são inúmeras as consequências negativas do Programa Grande Carajás para grupos sociais locais. Na Amazônia oriental, podemos verificar que efetivamente, nos últimos 30 anos, houve um grande crescimento econômico. Hoje, por exemplo, o Maranhão é a 16ª economia entre os estados brasileiros. No entanto, isso não significa melhoria da qualidade de vida. A grande expansão econômica tem provocado uma situação que leva a péssimos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), alto grau de exportação de trabalhadores para trabalho escravo, péssima assistência à saúde e à educação, altos índices de violência urbana e rural, somente para citar alguns indicadores. Ainda tomando o Maranhão como exemplo, podemos destacar que, em relação ao IDH, dos dez municípios com os piores índices do país, seis se encontram no estado. Em toda a região, pessoas continuam a sair do campo em busca de trabalho fora de seus estados de origem, pois têm o acesso à terra impedido pelo latifúndio com grandes extensões de terras e pelo agronegócio que não gera emprego nem renda.
Para muitos, a chegada de grandes projetos representava a perspectiva de encontrar trabalho, o que motivou a saída do campo. Nesse sentido, há uma clara relação entre a pobreza e a implantação dos grandes projetos, visto que, em grande medida, são isentados de tributos governamentais. Os grandes projetos prometiam trazer o desenvolvimento, mas sua implantação promoveu a concentração de terras, a violência e a miséria no campo, o inchaço urbano, além gerar maior concentração de renda.
IHU On-Line – Quais são os conflitos socioambientais gerados na região amazônica por conta dos projetos de desenvolvimento, a exemplo do Programa Grande Carajás desde a década de 1980?
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – Podemos destacar que naquelas áreas em que há determinados projetos econômicos (por exemplo, agronegócio, obras de infraestrutura, indústrias, mineração, exploração de gás natural e petróleo, exploração florestal), um dos efeitos mais imediatos é a grande circulação de riquezas, acompanhada, quase sempre, por tentativas e consecução de deslocamentos compulsórios de grupos sociais e povos tradicionais para apropriação de seus territórios, o que tem gerado uma grande quantidade de conflitos territoriais, fundiários e ambientais. Apesar das grandes mudanças sociais e paisagísticas, em toda a Amazônia existem importantes iniciativas de resistência e proposição de alternativas ao modelo econômico dominante. Vários movimentos sociais, organizações religiosas, organizações de povos indígenas têm buscado fazer ouvir sua voz, expressado veementemente suas insatisfações e denunciado as injustiças que sofrem. Os impactos de projetos de desenvolvimento provocam o confronto de lógicas diferenciadas de apropriação do ambiente, seja dos grupos sociais atingidos, seja dos grupos que gerenciam os grandes projetos de desenvolvimento ou daqueles que se aliam aos mesmos, conduzindo esse cenário de disputas para “conflitos ambientais”, que envolvem diferentes formas de significação do modo de vida, a partir das diferentes categorias, representações e atores sociais que neles buscam legitimidade. Os anos 1980, na região, foram marcados por conflitos por terra, redundando em altos índices de assassinatos e perseguições no campo, expulsões de camponeses e impedimentos de acesso a recursos naturais tradicionalmente utilizados. Podem ser destacados os conflitos nos quais se confrontam, de um lado, agentes do agronegócio e da pecuária extensiva (inclusive para criação de búfalos), especuladores imobiliários no campo e na cidade, madeireiros, grandes projetos industriais, projetos estatais e privados de infraestrutura (hidrelétricas, termelétricas, estradas de ferro e de rodagem, portos, aeroportos), mineradoras; e de outro, posseiros, povos indígenas, quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, quebradeiras de coco, agricultores, pescadores, moradores de periferias urbanas.
“Os impactos de projetos de desenvolvimento provocam o confronto de lógicas diferenciadas de apropriação do ambiente” |
IHU On-Line – Hoje, quais o senhor aponta como sendo os novos conflitos socioambientais na região e por que motivos?
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – Nos dias de hoje, revestidos com a capa de “modernidade” e utilizando um discurso que, às vezes ou em um primeiro momento, busca amenizar os impactos de suas ações, prometendo empregos, desenvolvimento, educação, melhoria de vida, velhos e novos empreendimentos continuam a ameaçar modos de vida locais e a provocar o confronto com grupos sociais e povos mais vulneráveis. A expansão da monocultura e do eucalipto e a afirmação da pecuária extensiva ameaçam camponeses e quilombolas; a extração, industrialização e comercialização ilegal de madeira e tráfico de drogas invadem terras indígenas e destroem florestas que ainda restam; a produção irregular de carvão vegetal para a indústria siderúrgica promove a sobre-exploração das florestas e das pessoas, com inúmeros casos de trabalho escravo; a expansão das atividades minerárias destrói ambientes e compromete modos de vida de grupos sociais tradicionais e povos indígenas, novos projetos industriais disputam territórios com populações tradicionais; a expansão de rodovias, ferrovia e do Centro de Lançamento (de foguetes espaciais) de Alcântara (no Maranhão) promovem novos deslocamentos populacionais e ameaçam comprometer o acesso a recursos naturais. Assim, conflitos socioambientais se configuram desde o início dos anos 1980 e continuam a surgir novos, na medida em que as características impactantes do modelo de desenvolvimento dominante permanecem, mesmo que discursivamente amenizadas, por exemplo, através da incorporação de noções como desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental.
IHU On-Line – Que situações vislumbra na região amazônica com a implantação do Plano Nacional de Mineração 2030?
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – O Plano Nacional de Mineração foi concebido na perspectiva de garantir um extraordinário aumento da exploração de minérios, dando continuidade a um projeto de manutenção de um modelo econômico que tem como uma de suas principais bases a extração e exportação de riquezas naturais, repetindo ciclos de exploração que se iniciaram com a colonização. Esse plano contribui para perpetuar a dependência do país aos interesses do grande capital e o saque de nossas riquezas. A reforma do Marco Legal da Mineração, se levada a cabo, irá flexibilizar, diminuir a burocracia e facilitar o incremento da exploração minerária. Essa Reforma está sendo debatida entre o Estado e empresas, sem transparência e com forte exclusão de quase todos os setores sociais que serão atingidos por suas consequências e dos grupos organizados que debatem o tema.
Ainda no modelo atual, são enormes impactos da mineração. Como exemplo, podemos lembrar que, em 2012, segundo estimativas oficiais, esse setor consumiu mais de cinco quatrilhões de litros de água, ocasionando a poluição de uma série de rios e de águas subterrâneas. Grupos sociais e povos tradicionais sofrem as consequências da mineração e de sua logística e, quando reagem, enfrentam sérios conflitos para garantir a manutenção de seus modos de vida e seus territórios. No projeto do novo Código de Mineração não são mencionadas medidas com relação ao uso da água e, muito menos, os grupos sociais e povos possivelmente atingidos pela expansão da atividade minerária. Com vagas e pouco efetivas menções à questão ambiental, a atual proposta representa um retrocesso com relação ao Código vigente.
O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente aos Impactos da Mineração, formado por mais de 50 entidades, apresenta sete pontos de alteração no projeto de lei: democracia e transparência na formulação e aplicação da política mineral brasileira; direito de consulta, consentimento e veto das comunidades locais afetadas pelas atividades mineradoras; respeito a taxas e ritmos de extração; delimitação e respeito a áreas livres de mineração; controle dos danos ambientais e garantia de Planos de Fechamento de Minas com contingenciamento de recursos; respeito e proteção aos direitos dos trabalhadores; e, ainda, que a Mineração em Terras Indígenas respeite a Convenção 169 da OIT e esteja subordinada à aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas.
“Velhos e novos empreendimentos continuam a ameaçar modos de vida locais e a provocar o confronto com grupos sociais e povos mais vulneráveis” |
IHU On-Line – Quais são as maiores contradições do Estado brasileiro em relação à mineração e à exploração dos recursos minerais?
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – Com relação à Amazônia, a principal contradição consiste em atuar na região como uma economia de enclave. Isto é, muita riqueza é produzida ou passa pelo Maranhão, no entanto, a parte mais significativa dessa riqueza é apropriada por forças econômicas externas à região (multinacionais, grandes empresas nacionais e seus acionistas), uma pequena parte fica para a elite política e econômica local (que funciona como entrepostos dos grandes agentes econômicos), e para a população sobram migalhas, quando tanto. Assim, a produção de muita riqueza gera também muita miséria.
Na maior parte da população, ainda há uma grande ilusão com projetos de desenvolvimento, em especial com relação àqueles vinculados à mineração. A promessa de geração de empregos e de renda é sempre o principal instrumento de convencimento da qualidade positiva desses empreendimentos. No entanto, a quantidade de empregos somente cresce nos processos de instalação dos empreendimentos, pois demandam grande quantidade de trabalhadores braçais. Porém, em função das novas tecnologias cada vez mais presentes, na fase de execução, a quantidade de empregos reduz drasticamente, redundando em dispensa da maior parte das pessoas envolvidas e levando à ampliação do inchaço urbano. Assim, as marcas da violência urbana e da falta de regularização de propriedade da maior parte das moradias do município são indicadores importantes da grande insatisfação que aumenta na população da cidade.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior – Na Amazônia brasileira, os grandes projetos são sempre apresentados como a grande solução para o “atraso” da região e como a fonte de “desenvolvimento”. Essa é uma grande falácia que vem sendo repetida insistentemente nos últimos 40 anos. Qualquer estudo mais sério da realidade da região pode constatar que seus efeitos negativos suplantam enormemente os efeitos positivos. A geração de empregos, normalmente, não repõe os postos de trabalho e formas de geração de riqueza e renda que são desarticulados para sua implantação. Os efeitos nas vidas cotidianas dos grupos sociais locais geralmente são desestabilizadores de relações e costumes. A alteração das formas de acesso à terra tem gerado inúmeras situações de insegurança alimentar, pois desestrutura a agricultura familiar, as práticas extrativistas e compromete as formas de acesso a alimentos de grupos sociais tradicionais e povos indígenas. Além disso, anteriormente destacamos grande parte das consequências ambientais.
A professora Sônia Magalhães, da Universidade Federal do Pará, avaliando os efeitos dos grandes projetos naquele estado, chama a atenção para o fato de que a instalação de um grande projeto altera tão fortemente a configuração regional que gera uma situação semelhante àquela de um período pós-guerra. Para piorar a situação, quando esses projetos são desativados, seja pelo esgotamento de determinado recurso natural (minério, solo, madeira de lei, etc.), seja pela falta de interesse empresarial em manter alguma atividade industrial ou agropecuária, nenhuma riqueza fica na região, somente as consequências ambientais negativas e desestruturação social. Assim, podemos dizer que o “atraso” da região não é devido à falta de “desenvolvimento”, mas sim uma consequência do próprio desenvolvimento.
(Por Patricia Fachin)
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