A captura corporativa da COP19, artigo de Amyra El Khalili.

A campanha contra a financeirização e mercantilização da natureza empreendida por centenas de Ongs, movimentos sociais, redes, coletivos e associações de todo o mundo, tem origem nas sucessivas crises do capitalismo pós-moderno enraizado no modelo neoliberal. Neo, significa novo; liberal, liberar. O neoliberalismo defende o livre mercado sem a mão pesada das políticas de comando e de controle dos governos nacionais e internacionais ou de regras que promovam o “travamento” dos mercados financeiros.

 

http://www.ecodebate.com.br/2013/11/11/a-captura-corporativa-da-cop19-artigo-de-amyra-el-khalili/

 

e, pasmem, tanto fascinou o intelectual francês Michel Foucault no final de sua vida, vai mais longe ainda. Quanto mais profunda for a crise ambiental provocada pela sociedade industrial, mais oportunidades de negócio se abrem. “Não vamos combater as para retornarmos às condições que o Holoceno naturalmente nos proporcionou, se fizermos isso, vamos perder dinheiro”. Se não é este o discurso dos negociantes, é este seu pensamento.”

 

 

COP19

A captura corporativa da COP19

Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, Varsóvia, Polônia

Por Amyra El Khalili*

Adeptos das teorias de que as forças dos mercados se autorregulam, os neoliberais adotaram políticas de substituição do papel dos Estados por corporações da iniciativa privada. Onde o Estado deveria agir como os setores de educação, saúde, prestação de serviços (distribuição e tratamento de água, esgoto, energia, comunicação, mineração), são tais setores entregues às corporações privadas em muitos países para fazerem a gestão financeira e administrativa. Assim sendo, privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos. Se o Estado promovia, em muitos momentos, a redução do “crescimento econômico” por não poder exercer também o papel que caberia ao mercado, a entrega do patrimônio e dos serviços públicos criou distorções e conflitos entre o verdadeiro papel do Estado, colocando em dúvida os motivos que levaram a sua relação tendenciosa com os interesses dos mercados, particularmente, o mercado financeiro.

A ação de tornar financeiro tudo aquilo que é eminentemente econômico, a financeirização e, a mercantilização, ação de tornar mercadoria aquilo que não deveria ser, por questões éticas, mercadoria, está propiciando uma nova modalidade de instrumentos e contratos  através dos mercados financeiros, que pretendem tornar bens , antes considerados fora da rota dos estudos de bens e serviços econômicos, em mercadorias. Esses bens são denominados  “bens difuso” – bens de uso público ou “bens comuns”.

O bem ambiental, conforme explica o art. 225 da Constituição, é “de uso comum do povo”, ou seja, não é bem de propriedade pública, mas sim de natureza difusa, razão pela qual ninguém pode adotar medidas que impliquem gozar, dispor, fruir do bem ambiental, destruí-lo ou fazer com ele de forma absolutamente livre tudo aquilo que é da vontade, do desejo da pessoa humana no plano individual ou metaindividual.

Ao bem ambiental é somente conferido o direito de usá-lo, garantido o direito das presentes e futuras gerações.

A declaração “Não a compensação da biodiversidade!” (1), denuncia essa apropriação indevida do bem ambiental pelas corporações com a conivência e aval dos Estados –  a biodiversidade e dos serviços que a natureza produz gratuitamente.

O ecohistoriador e ambientalista, Prof. Dr. Arthur Soffiati, nos alerta para os perigos desta nova tendência do capitalismo neoliberal:

Esta nova tendência é a de transformar toda a natureza potencial e utilitariamente em mercadoria. Assim, abre-se caminho para o capitalismo explorar o trabalho gratuito que a natureza exerce com ou sem sociedades humanas dependentes dele. “Você quer oxigênio? Pague pela fotossíntese aqui, à empresa que ganhou do estado a licitação para explorá-la”.

Mas o neoliberalismo, que, pasmem, tanto fascinou o intelectual francês Michel Foucault no final de sua vida, vai mais longe ainda. Quanto mais profunda for a crise ambiental provocada pela sociedade industrial, mais oportunidades de negócio se abrem. “Não vamos combater as mudanças climáticas para retornarmos às condições que o Holoceno naturalmente nos proporcionou, se fizermos isso, vamos perder dinheiro”. Se não é este o discurso dos negociantes, é este seu pensamento.”

A declaração “Parem com a aquisição corporativa e expansão dos mercados de carbono na COP19 agora! “ (2) assinada por mais de 135 grupos, movimentos e redes de todo o mundo, denuncia a captura corporativa da COP19 pelas mesmas empresas que lucraram com a crise climática e foram também os responsáveis por ela.   A União Européia e os grandes poluidores estão ignorando efetivas ações climáticas para promover a expansão dos mercados de carbono na COP19.

Esse movimento internacional denuncia também que os players (jogadores) do mercado de carbono que realizaram lucros com as falhas da desregulamentação do Comércio de Emissões da União Européia,  o maior sistema em atividade no mundo, estão pressionando para se salvarem da redução drástica das cotações dos créditos de carbono que vem apresentando baixas após sucessivas quedas de preços. Desta forma, prenunciam a formação de um mercado global que interligariam os sistemas de comercialização entre países, ainda que o mercado de carbono tenha se mostrado, por mais de 15 anos, ser ineficiente e se prestado a atrair todo tipo de irregularidades e fraudes. Há quem diga que as fraudes estão desconectadas do Comércio de Emissões da União Européia – EU ETs, como se uma coisa nada tivesse a ver com a outra. Tal afirmação ou é  ingenuidade ou as pressões para defender os interesses dos players estão provocando um discurso dúbio e pretensiosamente confuso para iludir  investidores entre outros possíveis atores deste mercado.

É flagrante a relação duvidosa entre governos e corporações com negociações paralelas em reuniões previamente agendadas na COP19. Já se vão 20 anos sem ações efetivas para combater as mudanças climáticas.

É chegada a hora de acabar com o Comércio de Emissões da União Européia que só tem causado problemas e conflitos com comunidades tradicionais, povos das florestas, campesinos entre outros com políticas desastrosas e que somente alimentaram a especulação financeira em plena crise econômica na Europa e nos EUA. Esta crise do capitalismo mundial que tem quebrado países, vem adotando também políticas de austeridade, afetando diretamente a qualidade dos serviços públicos com desemprego e desesperanças. (3)

As declarações “Parem com a aquisição corporativa e expansão dos mercados de carbono na COP19 agora! e “ Não a compensação da biodiversidade!”  estão abertas para receberem assinaturas de organizações, grupos, redes, associações e coletivos.

Nossa posição é a de endossar as declarações com conhecimento de causa,  sobretudo com  histórico e trajetória comprobada desta autora que vos escreve, nos mercados futuros e de capitais.

Nota:

(1)   Declaração “ Não a compensação da biodiversidade”. Em espanhol: http://no-biodiversity-offsets.makenoise.org/espanol/; Em inglês: : http://no-biodiversity-offsets.makenoise.org/

(2)   Declaração “Parem com a aquisição corporativa e expansão dos mercados de carbono na COP19 agora! “. Em espanhol: http://scrap-the-euets.makenoise.org/wp content/uploads/2013/11/COP19_Statement_Español.pdf; Em inglês: http://scrap-the-euets.makenoise.org/

(3)   Declaração É hora de desmontar o ETS! http://scrap-the-euets.makenoise.org/portugues/

Amyra El Khalili* é economista, autora do e-book “Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe”. São Paulo: Nova Consciência, 2009. 271 p. Acesse gratuitamente www.amyra.lachatre.org.br