Bisfenol A-BPA, por Ana Soto

Dra. Ana Soto, Tufts University, Boston/USA

 

 

 

Texto publicado pelo ramo do complexo midiático Thomson Reuters que trata de temas científicos, ScienceWatch, com a entrevista da Profa. argentina radicada nos EUA, Ana Soto. Relata os fatos históricos de sua descoberta dos que mudam a história.

Data da entrevista: Setembro de 2009
 

http://archive.sciencewatch.com/ana/st/bis/09sepBisSoto.pdf

 

 
Dra. Ana Soto encabeça seu próprio laboratório junto à Escola de Medicina da Universidade de Tufts, em Boston, EUA, onde é professora de Anatomia e Biologia Celular.

Segundo análise do nosso Tópicos Especiais, a pesquisa do Bisfenol A -BPA- durante a última década , coloca o trabalho da Dra. Ana Soto em segundo no total de citações, baseada em 27 trabalhos citados num total de 930 vezes. No item Essential Science IndicatorsSM da rede midática Thomson Reuters, o recorde da Dra. Ana Soto inclue 74 trabalhos citados num total de 1.820 vezes entre 1° de janeiro de 1999 e 30 de abril de 2009. Ela é também a pesquisadora mais vezes citada (Highly Cited Researcher) tanto em Ecologia/Meio Ambiente como em Farmacologia

Na entrevista abaixo, o correspondente da ScienceWatch.com, Gary Taubes fala com a Dra. Ana Soto sobre a alta frequência de sua pesquisa relativa ao Bisfenol A.

Quando a senhora começou a ficar interessada neste tema dos disruptores endócrinos e nele o que lhe mobilizou?

Tudo começou em 1989 quando trabalhava, como até hoje, com o rofessor Carlos Sonnenschein. Nós concluimos, contrariamente ao que até então era percebido, que o estrogênio não induz diretamente a proliferação das células, mas sim, bloqueia um inibidor gerador do plasma. Isto foi algo verdadeiramente iconoclástico, mas realmente importante.  Embora eu esteja sempre sendo entrevistada sobre meu trabalho com disruptores endócrinos, esta pesquisa sobre o controle da proliferação celular é, conceitualmente falando, muito mais importante. Nós, como todos os outros, achávamos que para as células se proliferarem, precisavam ser estimuladas e que fosse feito pelo estrogênio.  Descobrimos, para nossa total surpresa, que as células poderiam se proliferar sem o estrogênio, em condições de cultura, embora as mesmas células somente se proliferevam em animais quando o estogênio estava presente. Era um paradoxo e, fazendo uma longa história mais curta, o que detectamos foi que os estrogênios na verdade não induzem as células a se proliferar;  mas sim bloqueiam a ação acima mencionada do inibidor do gerador de plasma.

Foi muito interessante, mas isto nos levou a um outro quebra-cabeças: por que todos estavam pensando no sentido do controle positivo da proliferação celular e nos descobrimos exatamente o contrário? Ou seja, que a proliferação era sob controle negativo. Começamos a pesquisar na literatura e detectamos uma grande escasses de dados sobre este tema. No final, publicamos um livro sobre as implicações desta descoberta: The Society of Cells.

Agora retornando aos disruptores endócrinos, em 1989, estávamos tentando determinar o que havia no soro sanguíneo que inibia a ação do estrogênio em animais. Desenvolvemos um ensaio que funcionava assim:  na ausência do soro, as células podiam se proliferar, mas se agregássemos uma fração dele, elas não conseguiam. No entanto, se adicionássemos estradiol de volta, estas células se proliferavam novamente. Usamos então este ensaio por anos até que subtamente ele parou de funcionar. As células podiam se proliferar mesmo na presença do inibidor. Não importava se agregássemos ou não o estrogênio. Havia indícios de contaminação com este hormônio. Despendemos quatro meses tentando descobrir de onde o desconhecido estrogênio vinha até que verificamos que algo estava lixiviando dos tubos de ensaio que nós usávamos para estocar os componentes do soro.

Como conseguiram identificar qual era o componente ativo?

Neste momento, chamamos os fabricantes dos tubos e relatamos-lhes a respeito de nossa estranha experiência. Disseram que não sabiam de onde poderia ter vindo o estrogênio, mas que concordavam em nos enviar quatro a cinco lotes destes tubos plásticos. Duas semanas mais tarde chamamo-os de volta e comunicamos-lhes qual lote tinha a presença do estrogênio. Identificaram então estes lotes como aqueles que tiveram sua formulação alterada na fabricação para torná-los mais resistentes ao impacto. Perguntamos-lhes o que haviam agregado a formulação dos tubos, mas eles nos comunicaram de que isso era segredo industrial.

Gastamos outro ano purificando o “segredo industrial”. Acabamos descobrindo que era o nonilfenol, um antioxidante que também é empregado na sínteses de detergentes. Carlos e eu publicamos nossas descobertas e procuramos então ver onde o nonilfenol também era utilizado. Detectamos que também era empregado como espermicida e em pomada aplicadas aos diafragmas … exatamente onde nós sabíamos que poderia ser um imenso problema.

Foi a primeira vez que se constatava isso? Ninguém mais havia percebido isso até aquele momento?

Theo Colborn (nt.: bióloga norte-americana que escreveu com outros o livro “O futuro roubado”, editado no Brasil em 1997, pela L&PM) ficou a par de nosso trabalho e convidou-nos para uma conferência que estava organizando em 1991, em Wingspread, no Wisconsin. Neste tempo, ela estava preocupada com os problemas nos Grandes Lagos com os animais que pareciam estar se feminizando. A ideia era que o DDT também fosse estrogênico, como os PCBs (policlorados bifenilos). Estas duas substâncias já haviam sido banidas. No entanto, se eles eram o agente causal destas mudanças, não havia nada a se fazer, a não ser esperar que os níveis destes químicos caíssem, desejando que  indivíduos suficientes de cada espécie de animais pudessem ter sobrevivido as consequências desta exposição e tivessem se reproduzido.

Se, em vez disso, o problema nos Grandes Lagos fosse devido ao tipo de substâncias químicas que nós estávamos agora estudando, medidas reguladoras adicionais poderiam ser tomadas para proteger o ambiente. Colborn reuniu um painel de vinte cientistas e eu era uma deles. Levamos o termo “disruptores endócrinos” e compartilhado no texto que foi denominado como a Declaração de Wingspread.

Escrevemos então o primeiro trabalho sobre os disruptores endócrinos juntamente com Theo Colborn e Fred vom Saal e publicado em 1993.  Decidimos testar outros químicos usado no ambiente. Assim Carlos e eu testamos uma bateria destes químicos e detectamos que muitos deles eram estrogênicos. Eram mais fracos do que o hormônio ovariano natural, mas isso nos instigou a questionar o que poderia estar acontecer se os animais fossem expostos a eles.

Que outras evidâncias haviam de que estes compostos poderiam ser problemáticos?

Tinha a história do dietilestilbestrol. É o DES, estrogênio sintético dado a mulheres grávidas os anos 50 com a finalidade de prevenir abortos. Algumas das mulheres expostas ao DES durante a vida fetal, desenvolviam depois câncer vaginal. Esta descoberta levou ao banimento de seu uso durante a gravidez, em 1971. Esta consequência não intencional demonstrou que o sistema fetal é extremamente sensível e um alvo destes químicos hormonalmente ativos. Temos que nos ligarmos o que mais pode acontecer ao feto quando exposto a estrogênios químicos liberados dos plásticos.

Em lugar do nonilfenol, estamos usando o bisfenol A (BPA), outro grupo que foi identificado como estrogênico e também presente em plásticos. O uso do BPA é mais amplo do que o nonilfenol. Expusemos aninais de laboratório àquela que, para nós, parecia estar em doses ambientalmente relevantes durante a gravidez. Seguimos então o desenvolvimento da prole. A primeira coisa que observamos, foi que tínhamos muito mais do que imaginávamos previamente. Isto é, percebemos coisas que esperávamos que ocorressem com estrogênios – ou seja, efeitos sobre a reprodução – e também obesidade e mesmo problemas de comportamento. Da mesma forma produziu-se masculinização do hipotálamo feminino, alterações tanto no controle da ovulação como no desenvolvimento da glândula mamária além do aumento na propensão da glândula mamária em desenvolver câncer. Esta parte do nosso trabalho foi feita em colaboração com a Profª Beverly Rubin. Enquanto isso, pesquisas da Dra. Antonia Calafat e seus colegas do CDC (nt.: Centros de Controle de Doenças dos EUA) contataram altos níveis de BPA na urina humana num trabalho de cruzamento de dados na população norte-americana. Estes estudos confirmaram de que os níveis de BPA usado em nossos experimentos eram ambientalmente relevantes.

Quando este trabalho de acompanhamento foi publicado? 

Todos feram publicados entre 2001 e hoje. Os trabalhos sobre o câncer foram publicados em 2007.

Foram feitos com animais de laboratório, não em humanos, não é?

Exato, camundongos e ratos.

Qual era o contexto de seu trabalho de 1999, altamente citado, sobre os testes com os disruptores endócrinos e publicado no Environmental Health Perspectives (Anderson HR, et al., “Comparison of short-term estrogenicity tests for identification of hormone-disrupting chemicals,” 107:89-108, Suppl. 1, February 1999)?

Eu mencionei anteriormente, a contaminação com os tubos plásticos. Bem, foi quando percebemos que o ensaio que utilizávamos para purificar o inibidor do gerador do soro na proliferação das células sensíveis ao estrogênio, poderia também ser utilizado para detectar estrogênio. Como diz o dito popular, se a vida te dá um limão, faz dele uma limonada. Então, ainda pensamos: “Ótimo, se nos descobrimos nonilfenol com este ensaio, poderemos empregar este mesmo método para detectarmos todos os tipos de estrogênio; vamos fazer dele então, um ensaio.”

“Estas substâncias químicas estão por todos os lugares nos dias de hoje, sendo difícil evitá-los, mesmo com um esforço conscencioso.”

Desenvolvemos um ensaio chamado E-SCREEN, que descrevemos no  Environmental Health Perspectives em 1991, juntamente com a descoberta do nonilfenol em plásticos. O trabalho de 1999 de Anderson é uma comparação de todos os testes que então existiam sobre estrogenicidade. O E-SCREEN foi o mais antigo de todos estes ensaios in vitro e o mais amplamente utilizado. Era o ensaio “referência”. A maioria dos estrogênios ambientais descobertos nos anos noventa, foram identificados usando-se o ensaio E-SCREEN.

Por que pensa ser este trabalho o que vem sendo o mais influente e citado tão frequentemente?

Eu acho que talvez as pessoas considerem este ensaio como um dos mais sensíveis e confiáveis dos que temos disponíveis. O primeiro trabalho publicado no Environmental Health Perspectives sobre nonilfenol e o E-SCREEN foi citado mais de 1.000 vezes, assim como o trabalho de 1993 com Theo Colborn sobre os disruptores endócrinos.

Quanto de massa crítica sobre os disruptores endócrinos evoluiu na última década? O que sabemos agora que não conhecíamos em 1999?

Muita coisa mudou neste tempo. Em 1999, não dispúnhamos de tantas informações sobre nenhum destes químicos. Há agora evidências suficientes que levaram países como o Canadá, por exemplo, a regulamentar sobre a exposição ao BPA. Agora os neonatais não estão expostos. A Dinamarca está fazendo a mesma coisa. Mencionei anteriormente o DES que foi administrado durante a gravidez para se evitar abortos quando se descobriu que as meninas nascidas destas mães, uma em cada mil desenvolvia câncer vaginal. Era até então um raríssimo caso de câncer e só acontecia em mulheres as mais idosas. Em 2006, foi reportado que mulheres expostas ao DES in utero aumentavam seu risco de câncer de mama. O que o nosso trabalho mostrou é que o período fetal é extremamente importante e que exposições in utero aos estrogênios podem trazer implicações de longo prazo para as proles — estando entre elas, o aumento significativo do risco de câncer de mama. Esta é uma das mensagens de nosso trabalho para se guardar com carinho.

A outra mensagem é que substâncias químicas que não são mutagênicas, podem causar câncer. Esta descoberta aponta para um fato muito atual e importante, ou seja, de que houve uma mudança na maneira de estudarmos o câncer. Enquanto a visão dominante é ainda de que o câncer é um problema baseado na célula supostamente causado por mutações nos genes que controlam a prolioferação celular, nós propusemos uma teoria alternativa. Considera o câncer um problema de organização dos tecidos comparável à organogênese. Desta perspectiva, é esperado que a morfogênese anormal, devido a exposição aos disruptores enndócrinos, possa aumentar o risco de desenvolver câncer.

Que mensagem gostaria de dar ao público em geral sobre sua pesquisa e sobre os disruptores endócrinos como um todo?

Eu não acredito que o público em geral possa realizar muito de forma individual simplesmente tentando diminuir sua própria exposição a esses produtos químicos. Cada um de nós pode tentar fazê-lo não utilizando plásticos, comendo alimentos orgânicos etc, mas no final do dia não saberá quanto se diminuiu a exposição (95% ou 5%). Estes produtos químicos estão onipresentes em nossa vida moderna, tornando-se assim muito difícil evitá-los, mesmo com esforço conscenioso. Em vez disso, acreditamos que uma abordagem efetiva da comunidade como sendo muito mais desejável.

Tomemos a água, por exemplo. Nós, querendo parecer ecológicos, compramos água em garrafas de vidro e não em plástico. Água em vidro tem menos estrogênio, mas não teremos zero já que depende sobre a forma de como a água foi filtrada.  Normalmente o recipiente do filtro é feito de plástico e alguns ainda são de policarbonato que contem BPA. Assim o fato de comprarmos água que não venha em plástico para que não tenha BPA, não significa que não terá estrogênio nela.

Se quisermos baixar significativamente nossa exposição, isto deve ser por medidas da sociedade.  Estamos todos lidando aqui com um problema de saúde pública, e não individual. Os governos têm que se envolver. Podemos reduzir nossa exposição fazendo o que eu disse, mas podemos fazer muito melhor se finalmente nos conectarmos com nossos representantes, deputados ou senadores, dizendo: “eu quero que você vá regulamentar essas coisas. Quero diminuir esta contaminação. E esta ação irá beneficiar tanto a mim como a minha comunidade.” A tecnologia e os conhecimentos necessários para enfrentarmos os problemas relacionados a tudo isso vão muito além do que uma abordagem bem-intencionado, mas solitária. Este tipo de esforço só pode acontecer de forma confiável se o governo assumir sua responsabilidade natural de cuidar do bem-estar de seus cidadãos.

Ana M. Soto, M.D.
Professor
Department of Anatomy & Cellular Biology
School of Medicine
Tufts University
Boston, MA, USA.
 
Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2011