
https://www.scientificamerican.com/article/plastic-not-so-fantastic/
Jessica A. Knoblauch e Environmental Health News
DESTAQUE: 02 DE JULHO DE 2029
[Nota do Website: Para quem acompanha esse tema dos plásticos e dos disruptores endócrinos desde o início dos anos 90, essa matéria é no mínimo irônica ou mesmo cínica. Publicamos junto com outra matéria da SciAm, para se saber que ciência é essa. Vê-se que esta é de 2009, ou seja, 16 anos de hoje e ainda estamos falando a mesma coisa com as mesmas propostas alternativas. E enquanto isso crianças nascem, bebês se desenvolvem e crianças tornam-se adolescentes. E no entanto os efeitos sobre todas as gerações desde os anos 90 continuam a apresentar, muito além das pesquisas, todos os efeitos daquilo que ‘ainda’ precisa ser mais estudado. Crime conta a humanidade? No nosso entender: sem dúvida!].
Os componentes químicos que tornam os plásticos tão versáteis são os mesmos que podem prejudicar as pessoas e o meio ambiente. Soluções mais ecológicas, no entanto, estão se tornando disponíveis.
De celulares e computadores a capacetes de bicicleta e bolsas de soro hospitalares, o plástico moldou a sociedade de muitas maneiras que tornam a vida mais fácil e segura. Mas o material sintético também deixou marcas prejudiciais ao meio ambiente e, possivelmente, à saúde humana, de acordo com uma nova compilação de artigos escritos por cientistas do mundo todo.
Mais de 60 cientistas contribuíram para o novo relatório, que visa apresentar a primeira revisão abrangente do impacto dos plásticos no meio ambiente e na saúde humana, além de oferecer possíveis soluções.
“Uma das mudanças recentes mais onipresentes e duradouras na superfície do nosso planeta é o acúmulo e a fragmentação de plásticos”, escreveu David Barnes, principal autor e pesquisador do British Antarctic Survey. O relatório foi publicado este mês em uma edição temática da Philosophical Transactions of The Royal Society B, um periódico científico.
À medida que aumenta a análise do impacto ambiental do plástico, também aumenta seu uso, relataram os cientistas.
Desde o início da sua produção em massa, na década de 1940, a ampla gama de propriedades únicas do plástico o impulsionou a um status essencial na sociedade. No próximo ano, mais de 300 milhões de toneladas serão produzidas em todo o mundo. A quantidade de plástico fabricada nos primeiros dez anos deste século se aproximará do total produzido em todo o século passado, de acordo com o relatório.
“Os plásticos são produtos de vida útil muito longa que podem potencialmente durar décadas, e ainda assim nosso principal uso desses materiais leves e baratos é como itens de uso único que irão para o lixão dentro de um ano, onde persistirão por séculos”, disse Richard Thompson, editor-chefe do relatório, em uma entrevista.
Há cada vez mais evidências de que os componentes químicos que tornam os plásticos tão versáteis são os mesmos que podem prejudicar as pessoas e o meio ambiente. E sua produção e descarte também contribuem para uma série de problemas ambientais. Por exemplo:
• Os produtos químicos adicionados aos plásticos são absorvidos pelo corpo humano. Descobriu-se que alguns desses compostos alteram os hormônios ou têm outros efeitos potenciais à saúde humana.
• Resíduos plásticos, contaminados com produtos químicos e frequentemente ingeridos por animais marinhos, podem ferir ou envenenar a vida selvagem.
• Resíduos plásticos flutuantes, que podem sobreviver por milhares de anos na água, servem como mini dispositivos de transporte para espécies invasoras, destruindo habitats.
• Plástico enterrado profundamente em aterros sanitários pode liberar substâncias químicas nocivas que se espalham para as águas subterrâneas.
• Cerca de 4% da produção mundial de petróleo é usada como matéria-prima para fazer plásticos, e uma quantidade semelhante é consumida como energia no processo.
As pessoas são expostas a produtos químicos do plástico várias vezes ao dia por meio do ar, poeira, água, alimentos e uso de produtos de consumo.
Por exemplo, os ftalatos são usados como plastificantes na fabricação de pisos e revestimentos de parede vinílicos, embalagens de alimentos e dispositivos médicos. Oito em cada dez bebês, e quase todos os adultos, apresentam níveis mensuráveis de ftalatos em seus corpos.
Além disso, o bisfenol A (BPA), encontrado em garrafas de policarbonato e no revestimento de latas de alimentos e bebidas, pode contaminar alimentos e bebidas. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA relataram que 93% das pessoas apresentaram níveis detectáveis de BPA na urina. O relatório observou que a alta exposição de bebês prematuros em unidades de terapia intensiva neonatal tanto ao BPA quanto aos ftalatos é motivo de “grande preocupação”.
Éteres difenílicos polibromados ou PBDEs, retardantes de chamas adicionados a almofadas de espuma de poliuretano para móveis, colchões, carpetes e assentos de automóveis, também são amplamente utilizados. A indústria de plásticos afirma que seus produtos são seguros após décadas de testes. “Cada aditivo que usamos é avaliado com muito cuidado, não apenas pela indústria, mas também de forma independente por agências governamentais, que analisam todos os materiais que usamos nos plásticos”, disse Mike Neal, especialista em questões ambientais e de consumo da PlasticsEurope, uma associação comercial do setor, e coautor do relatório.
Mas, de acordo com o relatório, alguns desses produtos químicos demonstraram afetar a reprodução e o desenvolvimento em estudos com animais. Alguns estudos também associaram esses produtos químicos a efeitos adversos em humanos, incluindo anormalidades reprodutivas.
“Temos literatura sobre animais, que mostra ligações diretas entre exposição e resultados adversos à saúde, os estudos limitados em humanos e o fato de que 90% a 100% da população apresenta níveis mensuráveis desses compostos em seus corpos”, disse John Meeker, professor assistente de ciências da saúde ambiental na Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan e um dos principais autores. “Se analisarmos o panorama geral, isso levanta preocupações, mas mais pesquisas são necessárias.”
Shanna Swan , diretora do Centro de Epidemiologia Reprodutiva da Universidade de Rochester, conduziu estudos que encontraram uma associação entre a exposição de mulheres grávidas a ftalatos e o desenvolvimento genital alterado em seus bebês meninos.
Além disso, pessoas com maior exposição ao BPA apresentam maior incidência de doenças cardíacas e diabetes, de acordo com um estudo recente. Estudos com PBDEs em animais revelaram o potencial de causar danos ao cérebro em desenvolvimento e ao sistema reprodutivo. No entanto, os efeitos na saúde humana permanecem em grande parte desconhecidos. Para ajudar a esclarecer a questão, o relatório recomenda estudos mais sofisticados em humanos.
“É difícil ter uma prova cabal de um único estudo com animais ou um estudo observacional em humanos”, disse Meeker. “Precisamos de diferentes tipos de estudos que indiquem um padrão consistente para determinar de forma mais definitiva os efeitos na saúde resultantes desses produtos químicos.”
Mas testar humanos para disruptores endócrinos pode ser complicado, pois os ftalatos e o BPA passam pelo corpo muito rapidamente. Além disso, os testes para cada produto químico custam cerca de US$ 100 cada. Decidir quais produtos químicos testar e em que dosagem também é um problema. Até o momento, a maioria dos estudos abordou produtos químicos isolados, e há dados limitados sobre as interações entre eles. Para agravar o problema, há a descoberta de que produtos químicos disruptores endócrinos podem ter efeitos em doses menores do que as usadas nos testes de toxicidade padrão da Agência de Proteção Ambiental (EPA).
Swan disse que o antigo modelo de testes deveria ser descartado e que o novo objetivo deveria ser testes que imitassem a exposição humana real.
“É um cenário muito complicado, e o modelo de laboratório que consiste em pegar apenas uma substância química isolada e administrá-la a uma linhagem geneticamente pura de ratos em gaiolas limpas, com ar limpo e água limpa, para observar o que acontece, não chega nem perto de imitar a situação humana”, disse ela.
Muitos pesquisadores recomendam estudos que testem gestantes e seus filhos. O Estudo Nacional da Criança fará exatamente isso, examinando as influências ambientais em mais de 100.000 crianças nos Estados Unidos, acompanhando-as desde antes do nascimento até os 21 anos.
“Há muitas perguntas agora sobre esses produtos químicos em relação a doenças cardiovasculares, idade e puberdade, obesidade e distúrbios do desenvolvimento”, disse Swan. “Não sabemos o que está causando isso, apenas pistas, então a beleza do Estudo Nacional da Criança é que podemos analisar todos esses desfechos e ele deve revelar muitas respostas.” (nt.: não esquecer que a Dra. Swan lança, em 2020, um livro, sem tradução para o português, em que trata desta análises, chamado “Count Down-how our modern world is threatening sperm counts, altering male and female reproductive development, and imperiling the future of human race” – “Contagem regressiva-como nosso mundo moderno está ameaçando a contagem de espermatozoides, alterando o desenvolvimento reprodutivo masculino e feminino e colocando em risco a raça humana”. SEM COMENTÁRIOS SOBRE A REALIDADE EM 2025).
Os problemas do plástico vão além do corpo humano, de acordo com o relatório. Mais de um terço de todo o plástico são embalagens descartáveis, como garrafas e sacolas, muitas das quais acabam contaminando o meio ambiente.
Embora a imagem de um pássaro preso em um colar de plástico já esteja gravada na memória do público, a ingestão de fragmentos de plástico é muito mais comum. Uma vez os plastificantes do plástico dentro do animal, o fragmento pode causar um efeito duplo, obstruindo o estômago do animal e envenenando-o com substâncias químicas concentradas no plástico. Algumas substâncias químicas são então transferidas para a cadeia alimentar quando os animais as comem.
De acordo com o relatório, mais de 180 espécies de animais foram documentadas ingerindo detritos plásticos, incluindo pássaros, peixes, tartarugas e mamíferos marinhos.
Infelizmente, coletar dados sobre os impactos dos plastificantes na vida selvagem sofre as mesmas armadilhas que estudar a saúde humana. Ainda assim, já existem evidências de que os plásticos associados a produtos químicos podem prejudicar a vida selvagem.
Por exemplo, estudos laboratoriais mostraram que os ftalatos e o BPA afetam a reprodução em todos os grupos de animais estudados e prejudicam o desenvolvimento de crustáceos e anfíbios.
“Embora haja evidências claras de que esses produtos químicos têm efeitos adversos em concentrações ambientalmente relevantes em estudos de laboratório, há necessidade de mais pesquisas para estabelecer efeitos em nível populacional no ambiente natural”, de acordo com o relatório.
Charles Tyler, professor da Escola de Biociências da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e autor sênior do relatório, disse que os cientistas mostraram que “alguns desses compostos químicos estão entrando no meio ambiente e estão em alguns ambientes em concentrações onde podem produzir efeitos biológicos em uma variedade de espécies de vida selvagem”. Viajando de costa a costa, o plástico pode durar milhares de anos devido à exposição reduzida aos raios UV e às temperaturas mais baixas dos habitats aquáticos.
Barnes demonstra a mobilidade do plástico com seu relato de um avistamento de plástico durante uma expedição ao Mar de Amundsen, onde coletou amostras biológicas, a primeira já registrada. O Amundsen, localizado no Setor Pacífico da Antártida, é o único mar da Antártida sem estação de pesquisa em sua costa e o centro urbano mais próximo fica a milhares de quilômetros de distância.
“Mesmo para nós, entrar foi um desafio, porque há muito gelo e é muito difícil chegar lá”, disse Barnes. “Mas mesmo naquele ambiente mais remoto, havia plástico flutuando na superfície do mar.
O plástico também serve como um dispositivo de transporte flutuante que permite que espécies exóticas viajem de carona para partes desconhecidas do mundo, ameaçando a biodiversidade. O aquecimento global contribui ainda mais para o processo, tornando áreas antes inóspitas, como o Ártico, habitáveis para espécies invasoras, o que pode ser prejudicial às espécies locais.
Por exemplo, itens de plástico são comumente colonizados por cracas, vermes tubulares e algas. Ao longo da costa da Ilha Adelaide, a oeste da Península Antártica, dez espécies de invertebrados foram encontradas presas a cintas plásticas que cobriam o gelo.
“Aumentar a temperatura apenas um grau pode fazer a diferença entre chegar a algum lugar e realmente sobreviver quando chegar lá”, disse Barnes.
O plástico é tão resiliente que mesmo enterrá-lo profundamente na terra não o impede de impactar o meio ambiente. Atualmente, ele representa aproximadamente 10% dos resíduos gerados, a maior parte dos quais é destinada a aterros sanitários. Mas, como observa o relatório, colocar plásticos em aterros sanitários pode ser simplesmente um problema de armazenamento para o futuro, já que os produtos químicos do plástico frequentemente afundam em terras próximas, contaminando as águas subterrâneas.
Além disso, a produção de plásticos é uma grande consumidora de combustíveis fósseis. Oito por cento da produção mundial de petróleo é destinada à fabricação de plásticos.
Como o volume de plásticos cresce a uma taxa de cerca de nove por cento ao ano, os autores enfatizam que resolver seus problemas significa abordar sua sustentabilidade.
Uma solução é tratar o plástico como um material reutilizável, em vez de uma mercadoria descartável que é rapidamente descartada. Isso significa tornar o plástico mais facilmente reciclável desde o início, utilizando menos materiais no processo de fabricação e aumentando a disponibilidade de instalações de reciclagem. “A mensagem da reciclagem é simples: tanto a indústria quanto a sociedade precisam considerar os itens em fim de vida, incluindo plásticos, como matérias-primas e não como resíduos”, afirma o relatório.
Aumentar a disponibilidade de plástico biodegradável, que pode ser feito de materiais renováveis de plantas como milho e soja, é outra opção.
“Os plásticos biodegradáveis têm o potencial de resolver uma série de problemas de gerenciamento de resíduos, especialmente para embalagens descartáveis que não podem ser facilmente separadas de resíduos orgânicos em serviços de alimentação ou aplicações agrícolas”, de acordo com o relatório.
No entanto, a capacidade de produção mundial de plásticos biodegradáveis gira em torno de apenas 350.000 toneladas, o que representa menos de 0,2% do plástico de origem petroquímica. Além disso, “a maioria desses materiais dificilmente se degradará rapidamente em habitats naturais, e existe a preocupação de que polímeros degradáveis à base de petróleo possam simplesmente se desintegrar em pequenos pedaços que, por si só, não são mais degradáveis do que o plástico convencional”, afirma o relatório.
Para ajudar a mitigar os produtos químicos potencialmente nocivos presentes nos plásticos, os autores recomendam que mais estudos sejam conduzidos sobre os mecanismos biológicos que podem ser afetados por aditivos plásticos e, em particular, exposições crônicas de baixas doses.
Enquanto isso, o relatório recomenda reduzir o uso desses produtos químicos e desenvolver alternativas mais seguras, uma estratégia conhecida como química verde.
“Se essa abordagem tivesse sido adotada há 50 anos, provavelmente teria impedido o desenvolvimento de produtos químicos que são reconhecidos como prováveis disruptores endócrinos”, afirma o relatório.
O relatório também sugere que o desperdício de plástico pode ser reduzido com o uso de rótulos que permitam aos consumidores escolher a embalagem com base em uma análise do ciclo de vida que inclua todos os componentes do processo de fabricação. Por exemplo, se o produto fosse feito principalmente de materiais reciclados, usasse o mínimo de embalagem e pudesse ser facilmente reciclado, receberia um ponto verde. Se o produto fosse feito com excesso de embalagem, utilizando muitos materiais virgens, receberia um ponto vermelho.
“Pessoalmente, acredito que essa é a maneira de fazer as coisas, em vez de uma reação impulsiva, em que a legislação diz que não podemos usar certos tipos de plástico”, disse Thompson. “Ter essa informação ajudará a impulsionar o sistema, porque acredito que os consumidores estão ansiosos para fazer a escolha certa quando recebem todas as informações.”
Neal, da PlasticsEurope, disse que os consumidores, e não a indústria, são responsáveis por garantir que os plásticos não acabem contaminando o meio ambiente.
“Na minha opinião, a responsabilidade é justa e direta do consumidor”, disse ele. “As pessoas tendem a escolher o plástico porque talvez seja a forma mais visível de lixo e porque é leve, podendo se movimentar um pouco, mas, na verdade, é apenas uma pequena parte do problema do lixo.”
Os autores disseram que se os plásticos forem produzidos e usados de forma responsável, eles podem ajudar a resolver alguns problemas ambientais.
Por exemplo, um estudo constatou que embalar bebidas em PET (um tipo de plástico) em comparação com vidro ou metal reduz o consumo de energia em 52% e as emissões de gases de efeito estufa em 55%. Além disso, aquecedores solares de água contendo plástico podem fornecer até dois terços da demanda anual de água quente de uma residência, reduzindo o consumo de energia.
Os plásticos, se usados com sabedoria, “têm o potencial de reduzir a pegada da humanidade na Terra”, disse Thompson.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, setembro de 2025