
Timo Lenzen para o The Washington Post
Shannon Osaka, Frank Hulley-Jones e Simão Ducroquet
04 set ago
[Nota do Website: Quantos anos? 34 anos! Sim, esse é o tempo que essa molécula é conhecida como um disruptor endócrino. Ou seja, os disruptores endócrinos desajustam, desregulam, interferem, bloqueiam, mimetizam e assim por diante, toda a higidez fisiológica e orgânica de todos os seres vivos, através de sua falsa ação hormonal, destacando aqui os seres humanos. E mesmo com todas as pesquisas científicas inquestionáveis desde os anos 80 em diante, quanto aos efeitos sobre a vida planetária, ainda existem ‘cientistas’ que questionam as respostas que as gerações que nasceram nos últimos 50 anos vem sofrendo. E tudo isso corre impunemente. Fica claro que o lucro imediato e direto de algumas corporações e seus asseclas, está acima da vida de todos nós. Esse é o capitalismo sonhado por aqueles que o geraram? Nós colocamos essa incógnita no coração e mente de todos!].
Os ftalatos, produtos químicos encontrados nos plásticos, estão associados a uma série de problemas, especialmente na gravidez.
Quando Marya Zlatnik se encontra com mulheres nos primeiros estágios da gravidez, ela lhes dá o conselho padrão: tome vitaminas pré-natais; evite álcool, fumo e peixe cru. Mas, para certas pacientes, a especialista em medicina materno-fetal da Universidade da Califórnia em São Francisco, especializada em gestações de alto risco, acrescenta outro alerta: evite plástico.
É mais fácil falar do que fazer. O plástico permeia a vida dos americanos — está em móveis, embalagens de alimentos, roupas, eletrônicos e até no ar. Zlatnik começa com o mais fácil: tente não comer ou beber em recipientes de plástico. Evite aquecer plástico no micro-ondas. Fique longe de alimentos altamente processados.
Algumas mulheres são receptivas; outras não, sobrecarregadas com tanta informação e falta de tempo. Mas para as mulheres que tiveram pelo menos um parto prematuro, Zlatnik disse: “Quero que elas tenham as informações necessárias”.
Ela é uma dos poucos médicos em todo o país que alertam os pacientes sobre o risco de uma série de substâncias químicas presentes em plásticos. Conhecidos como ftalatos, esses compostos são encontrados no sangue e na urina de praticamente todos os cidadãos dos Estados Unidos; nove deles são aprovados para uso em plásticos que entram em contato direto com alimentos. Nas últimas duas décadas, cientistas têm reunido evidências crescentes de que essas substâncias químicas estão ligadas a uma gama estonteante de problemas de saúde, incluindo parto prematuro, infertilidade e TDAH. E os maiores riscos — e os desfechos mais perigosos — são para gestantes e seus filhos.
Para entender como os produtos químicos plásticos estão afetando a saúde humana, o The Washington Post entrevistou mais de duas dúzias de cientistas, ex-reguladores e representantes da indústria, e revisou quase 50 estudos acadêmicos sobre os efeitos dos ftalatos na saúde, publicados nos últimos 20 anos. A investigação revelou fortes evidências de que esses produtos químicos têm efeitos nocivos para os bebês no útero, mesmo que continuem sendo usados em alimentos, suprimentos médicos e produtos de higiene pessoal (nt.: nunca esquecer que os filmes elásticos de pvc, consta que 60% dele é ftalato e só 40% é a resina plástica).
Os cientistas estão mais preocupados com a ligação entre a exposição a produtos químicos durante a gravidez e a infertilidade mais tarde na vida — principalmente em homens.
Os ftalatos fazem parte de um grupo de substâncias químicas conhecidas como “disruptores endócrinos” — substâncias químicas que podem interferir no funcionamento normal dos hormônios do corpo. Essas substâncias químicas são particularmente perigosas para fetos em desenvolvimento, que dependem dos hormônios para moldar seu crescimento e desenvolvimento (nt: essa expressão ‘disruptor endócrino’ foi criado em 1991, por um grupo de cientistas, liderado pela cientista norte americana Theo Colborn a quem honramos nosso website -NossoFuturoRoubado-, em razão de seu livro ‘Our Stolen Future‘, de 1996. Tivemos o privilégio de auxiliar na tradução e publicação em português pela L&PM, de Porto Alegre, e levou o título de “O Futuro Roubado”, em 1997. ISSO QUER DIZER QUE, NO MUNDO, ESSE TEMA É CONHECIDO DESDE MEADOS DOS ANOS 90, BEM COMO NO BRASIL. E o que o mundo e o Brasil fizeram até agora?? NADA! Tudo o que foi feito, foi irrelevante e nunca que afrontasse as corporações).
“Se qualquer um desses produtos químicos entrar em contato com uma mulher durante a gravidez, eles passarão direto para o bebê”, disse Philip Landrigan, pediatra e diretor do programa de Saúde Pública Global e Bem Comum do Boston College. “A placenta não oferece proteção alguma.”

O texto original informa:
- Até 10 semanas, o feto se desenvolve principalmente isolado da corrente sanguínea da mãe. Seus nutrientes vêm principalmente do saco vitelínico.
- Nesta fase, a placenta envolve o feto, mas ele é protegido do sangue da mãe por um conjunto de estruturas de tampão.
- Entre a 10ª e a 12ª semana, esses tampões se dissolvem, permitindo a passagem do sangue materno. Produtos químicos, incluindo ftalatos, podem então fluir da corrente sanguínea da mãe para o feto através da placenta e do cordão umbilical.

Produtos químicos também podem passar pela membrana que envolve o feto e infiltrar-se no líquido amniótico.
Bebês expostos a níveis mais altos de ftalatos no útero têm maior probabilidade de nascer prematuros, ter problemas reprodutivos e infertilidade mais tarde na vida e até mesmo serem diagnosticados com TDAH.
Algumas pessoas transformam suas vidas para evitar a exposição, mas a grande maioria permanece inconsciente do risco. Ao mesmo tempo, os cientistas têm dificuldade em dizer qual nível de ftalatos é muito alto — resultados ruins foram observados mesmo em doses baixas (nt.: quem quiser entender o que significa esse parágrafo leia os textos de nosso website, um de 2008, “Realmente é ‘a dose que faz o veneno’?“, bem como o de 2014, “Efeitos de Baixas Doses dos Disruptores Endócrinos“).
Representantes da indústria química e de plásticos argumentam que a Food and Drug Administration (FDA) ainda considera os ftalatos seguros. Uma minoria de cientistas, por sua vez, questiona se os ftalatos estão definitivamente ligados a esses problemas de saúde.
“Os produtos químicos disruptores endócrinos são uma das maiores ameaças globais à saúde da nossa época”, disse Leonardo Trasande, professor de pediatria e saúde populacional na Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova York. “E 2% de nós sabemos disso — mas 99% de nós somos afetados por isso.”
Os ftalatos às vezes são chamados de “produtos químicos onipresentes”. Isso ocorre porque — embora se dissipem rapidamente no corpo — quase todas as pessoas no planeta estão expostas a eles repetida e constantemente. Os ftalatos são plastificantes, ou produtos químicos adicionados a alguns plásticos para torná-los mais flexíveis e elásticos. Como resultado, podem ser encontrados em praticamente qualquer lugar onde plásticos são usados: cortinas de chuveiro, pisos vinílicos (nt.: para quem não sabe, o PVC é também chamado de ‘vinil’), mangueiras de jardim, dispositivos médicos (nt.: exemplos – bolsas de sangue, bolsa de soro e tubos usados em UTIs). Os ftalatos também são usados em loções, perfumes e quase tudo com fragrância.
Os ftalatos são adicionados à loção para atingir uma textura desejada
Mas as pessoas são expostas principalmente por meio de alimentos, especialmente alimentos altamente processados que passaram por inúmeras embalagens e esteiras rolantes de plástico. Um estudo da Consumer Reports no ano passado encontrou ftalatos em 84 de 85 alimentos de supermercado e fast food testados. Outro estudo, realizado por um grupo de pesquisa independente na Califórnia, encontrou-os em cerca de três quartos de 312 alimentos testados.
Durante décadas, ninguém se preocupou com o consumo de grandes quantidades de ftalatos pelos americanos. Então, na década de 1980, Earl Gray, toxicologista da Agência de Proteção Ambiental (EPA), começou a alimentar ratas prenhes com óleo de milho misturado aos produtos químicos. Havia rumores na comunidade científica de que os produtos químicos poderiam bloquear a produção de testosterona; a EPA foi encarregada de investigar essa questão.
O que Gray descobriu o chocou. Ratos machos expostos a ftalatos no útero, ele descobriu, eram mais propensos a apresentar defeitos congênitos, incluindo testículos não descidos e pênis malformados. Eles também apresentavam outro sinal claro de desenvolvimento prejudicado: uma distância menor entre o ânus e os genitais, conhecida pelos cientistas como “distância anogenital” ou DAG. Em muitas espécies, uma DAG menor está associada a contagens baixas de espermatozoides, infertilidade e baixos níveis de testosterona. Os cientistas chamaram a condição de “síndrome do ftalato”.
Então, no início dos anos 2000, um grupo de cientistas na Dinamarca começou a investigar uma série misteriosa de sintomas em humanos. A qualidade e a contagem de espermatozoides estavam diminuindo — segundo algumas pesquisas, em até 40% em apenas algumas décadas. Cânceres testiculares e defeitos congênitos estavam aumentando.
As mudanças estavam acontecendo tão rapidamente — em apenas uma ou duas gerações — que não podiam ser explicadas por alterações genéticas em larga escala. Tinham que ser uma mudança acentuada no estilo de vida ou exposições ambientais. Os pesquisadores chamaram a condição recém-descoberta de “síndrome da disgenesia testicular”. E ela se parecia assustadoramente com os sintomas apresentados pelos ratos de Gray.
Arica Nyamsi sempre se preocupou com a relação entre meio ambiente e saúde — sua mãe morreu de câncer quando ela tinha 4 anos, e ela passou parte da adolescência lutando contra enxaquecas crônicas e dores de estômago. Mas os medos da dançarina e coreógrafa de St. Louis aumentaram quando ela sofreu um aborto espontâneo em 2022. Ela começou a ler sobre como substâncias químicas — incluindo ftalatos — que alteram os níveis hormonais podem aumentar as chances de aborto espontâneo.
Ela e o marido, Wil, tinham acabado de se mudar para uma nova casa, e ela começou a trocar tudo que era de plástico: potes de plástico, cabides e roupas de poliéster. Os brinquedos do filho de 1 ano são feitos de madeira e silicone; ela evita qualquer alimento processado. Agora, grávida de quase sete meses do segundo filho, evitar o plástico se tornou uma urgência ainda maior.
“Acho que o plástico é o inimigo”, disse Nyamsi. “É a praga das pessoas e do planeta.”
Nyamsi é uma das milhares de mulheres em todo o país inscritas no programa ECHO, abreviação de Environmental influences on Child Health Outcomes (Influências Ambientais nos Resultados de Saúde Infantil), um estudo nacional lançado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH). Desde a 12ª semana de gravidez, os cientistas monitoraram os níveis de ftalatos e uma série de outras substâncias químicas ambientais de Nyamsi. O objetivo: relacionar a exposição a substâncias químicas no útero a problemas de saúde mais tarde na vida.
Nem todos estão tão preocupados quanto Nyamsi. Cassondra Perez, mãe de dois filhos em Mahwah, Nova Jersey, que também participa do estudo, disse que, se seu médico lhe desse instruções claras para evitar plástico, ela o faria — mas, por enquanto, seus filhos brincam com brinquedos de plástico e bebem fórmula feita com água engarrafada. “Não tenho informações sobre o que é bom dar a eles ou não”, disse ela. “Se tivesse, mudaria isso.”
Cientistas dizem que o período mais perigoso de exposição é no primeiro trimestre, antes mesmo de algumas mulheres perceberem que estão grávidas.
No início da gravidez, os hormônios fetais agem como o maestro de uma orquestra: eles comandam os tecidos a crescerem, os órgãos a se desenvolverem; dão sinais para ligar e desligar. Como resultado, a vida fetal é um dos poucos períodos-chave em que substâncias químicas desreguladoras endócrinas podem mudar o curso da saúde humana.
Na pior das hipóteses, eles podem criar condições que acompanham o bebê até a idade adulta.
“Os hormônios, durante o desenvolvimento, instruem tecidos e órgãos”, disse Terje Svingen, toxicologista reprodutivo da Universidade Técnica da Dinamarca. “É aí que seu futuro está definido e traçado.”
Quando os ftalatos entram na corrente sanguínea do bebê, um dos primeiros sistemas a ser afetado é o sistema reprodutor masculino.
Aqui estão as estruturas embrionárias de macho e fêmea e são indiferenciados

O texto original trata:
Até a 6ª semana, os embriões não se parecem com machos ou fêmeas. Seus genitais são um grupo indiferenciado de protuberâncias e ductos que, dependendo da exposição aos hormônios, podem se transformar em órgãos masculinos ou femininos.
A partir da 6ª semana, embriões com cromossomo Y começam a produzir testosterona. Entre oito e 14 semanas, essa testosterona sinaliza aos genitais para formar a anatomia masculina.
À esquerda o macho onde é indicado pela seta o desenvolvimento do pênis. E à direita a seta destaca o desenvolvimento do clitóris. E o círculo abaixo dos dois são os ânus de macho e fêmea.


Acima se observa, à esquerda o macho e à direita a fêmea. Os genitais se transformam em pênis, testículos e escroto. Nos fetos femininos, na ausência de testosterona, os genitais se transformam em clitóris e vulva.

No texto original demonstra: Nos machos, a distância entre o ânus e os genitais aumenta mais do que nas fêmeas, formando a distância anogenital.

No texto original:
Mas se um homem tem testosterona insuficiente durante esse período-chave, a distância anogenital é menor — um marcador para futuros problemas de fertilidade.
“Como homem, você precisa de uma certa quantidade de testosterona durante um período crítico de desenvolvimento”, disse Rod Mitchell, professor de endocrinologia pediátrica na Universidade de Edimburgo. “Se você a tiver, estará programando sua saúde reprodutiva normalmente.”
Mas os ftalatos atuam como antiandrogênios, o que significa que bloqueiam a produção de testosterona. Cientistas acreditam que os ftalatos interrompem as células, conhecidas como células de Leydig, que produzem a testosterona fetal; mas é difícil mensurar o que está acontecendo dentro do feto em desenvolvimento sem realizar procedimentos invasivos.
Sem testosterona suficiente, os testículos não descem completamente, uma condição conhecida como criptorquidia; às vezes, a uretra emerge na lateral do pênis em vez de na ponta, uma condição conhecida como hipospádia. Mais tarde na vida, homens com essas condições têm maior probabilidade de sofrer de infertilidade ou baixa contagem de espermatozoides.
E o marcador mais forte de baixa testosterona durante esse período crítico é a mesma medição que Gray estava rastreando com seus ratos: uma curta distância anogenital.
Em 2005, a cientista e estatística Shanna Swan publicou o primeiro estudo sobre a DAG e a exposição a ftalatos em humanos. Em um estudo com 136 gestações em todo o país, Swan descobriu que mulheres com níveis mais elevados de ftalatos durante a gravidez tinham maior probabilidade de dar à luz meninos com DAG encurtados, pênis menores e testículos não descidos.
Desde então, muitos estudos, analisando milhares de gestações, replicaram a conexão entre AGD e ftalatos.
Ao mesmo tempo, a contagem de espermatozoides está caindo em todo o mundo. De acordo com um estudo, a contagem de espermatozoides caiu 1,2% ao ano entre 1973 e 2018 — ou um declínio de cerca de 50% em 45 anos. A qualidade e a concentração dos espermatozoides também estão caindo.
É difícil relacionar a contagem de espermatozoides diretamente à exposição a ftalatos no útero — isso exigiria acompanhar os participantes desde a gravidez até o início da idade adulta —, mas pesquisadores encontraram evidências consistentes de que ter uma DAG menor está associado a contagens e qualidade de espermatozoides mais baixas. Homens com DAG abaixo da mediana — cerca de cinco centímetros — têm mais de sete vezes mais chances de ter contagens de espermatozoides tão baixas que correm o risco de infertilidade; eles também são mais propensos a ter defeitos congênitos masculinos.
Russ Hauser, professor de fisiologia reprodutiva na Universidade Harvard, disse acreditar que os ftalatos estão contribuindo para a queda geral da fertilidade masculina. Os homens estão sendo afetados, acrescentou, mesmo sem uma exposição particularmente drástica aos ftalatos. “Não estamos observando isso em exposições extremamente altas ou incomuns”, disse ele. “Ocorre no que chamamos de níveis de base ou da população em geral.”
E não se trata apenas do sistema reprodutivo. Os hormônios também controlam o desenvolvimento cerebral, e pesquisas crescentes nos últimos anos encontraram uma ligação entre a exposição a ftalatos durante a gravidez e o TDAH e o QI. Em um estudo com mães e filhos na Noruega, pesquisadores descobriram que filhos de mães com os níveis mais altos de um ftalato tinham três vezes mais chances de serem diagnosticados com TDAH do que aqueles com os níveis mais baixos. Outro estudo semelhante na cidade de Nova York descobriu que filhos de mães altamente expostas tinham, em média, 7 pontos de QI a menos do que filhos de mães apenas levemente expostas.Os ftalatos são usados em perfumes para fazer o aroma durar mais
Os ftalatos são usados em perfumes para fazer o aroma durar mais
“Descobrimos que uma maior exposição a ftalatos estava associada a comportamentos semelhantes aos do TDAH”, disse Stephanie Engel, professora de epidemiologia reprodutiva na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. “Comportamentos mais desatentos, mais hiperativos e mais perturbadores em casa e na escola.”
Nem todos os estudos sobre o desenvolvimento cerebral são consensuais; alguns mostram resultados diferentes para meninos e meninas. Mas Engel disse que os mesmos padrões se repetem em diferentes pesquisas. “Muitos deles encontram algo relacionado aos mesmos quatro ou cinco ftalatos”, explicou ela. “Eles aparecem repetidamente.”
Os produtos químicos também podem alterar o padrão do próprio parto. Em um estudo com mais de 6.000 participantes, a alta exposição a ftalatos no útero foi associada a um aumento de 12% a 16% na probabilidade de parto prematuro. Outro estudo, baseado nessas descobertas, constatou que os produtos químicos provavelmente causavam cerca de 56.000 partos prematuros todos os anos nos Estados Unidos. Esses partos prematuros, por sua vez, estão associados a desafios de longo prazo, incluindo danos neurológicos, asma e problemas comportamentais. Os pesquisadores acreditam que os produtos químicos causam estresse oxidativo que pode desencadear danos às membranas fetais, levando ao parto prematuro.
“Ter um aumento de 15% nos nascimentos prematuros é algo enorme para a população em geral”, disse Kelly Ferguson, pesquisadora sênior do NIH. “Há consequências para a saúde das crianças e das mães, além de custos financeiros.”
Uma das dificuldades que os cientistas enfrentam é identificar qual nível de ftalatos representa um perigo grave. Cada pessoa é diferente, e a saúde se baseia em uma equação complexa de suscetibilidade genética e exposição. “Estamos sempre comparando com a média da população em geral”, disse Sheela Sathyanarayana, professora de pediatria na Universidade de Washington. “Mas, para algumas pessoas, a média é potencialmente prejudicial, e para outras, não é prejudicial.”
O DEHP, ou di(2-etilhexil)ftalato, é um dos ftalatos mais estudados e perigosos. A maioria das pesquisas constatou que os piores danos ocorrem em níveis urinários de DEHP superiores a 300 nanogramas por mililitro. Mas o problema para os pacientes é que hospitais e médicos não realizam testes de ftalato de rotina, deixando muitas mulheres sem saber qual é a sua exposição.
Nem todos os pesquisadores acreditam que os ftalatos estejam causando problemas de saúde. A pesquisa é desafiadora, pois seria antiético expor diretamente uma mãe aos ftalatos e monitorar como isso afetou a saúde de seu filho. E é impossível encontrar um verdadeiro grupo de controle, já que quase todas as gestantes são expostas a algum nível de ftalatos. Os cientistas só conseguem reunir evidências de uma variedade de fontes: estudos com animais, estudos epidemiológicos e toxicologia.
Mitchell, da Universidade de Edimburgo, acredita que algo está alterando a saúde reprodutiva masculina e que pode ser uma substância química ambiental — mas não necessariamente os ftalatos. Camundongos, ele ressaltou, respondem aos ftalatos com menos intensidade do que ratos. E uma mãe exposta a altas quantidades de ftalatos, observou ele, provavelmente também estará exposta a outras substâncias químicas.
“Estamos constantemente expostos a uma sopa de produtos químicos”, disse ele.
Outros pesquisadores argumentam que as evidências só aumentaram nas últimas duas décadas — e que, com tantos efeitos documentados, é difícil acreditar que os ftalatos não causem danos à saúde. “É o peso das evidências combinadas”, disse Svingen, da Universidade Técnica da Dinamarca.
Representantes da indústria argumentam que os ftalatos ainda desempenham um papel fundamental nos plásticos. Kevin Ott, porta-voz da Flexible Vinyl Alliance, destacou que esses produtos químicos são componentes essenciais em bolsas de sangue e dispositivos médicos, salvando vidas. “Esses benefícios devem ser ponderados em relação às preocupações com os ftalatos”, disse ele em um e-mail.
O Painel de Altos Ftalatos do Conselho Americano de Química afirmou em um comunicado que alguns tipos mais recentes de ftalatos, incluindo DINP e DIDP, não foram associados a danos reprodutivos ou ao neurodesenvolvimento. Sob o governo Biden, o painel observou: “A EPA determinou que DINP e DIDP não representam risco irracional de danos à saúde humana para os consumidores, a população em geral ou o meio ambiente”.
Trasande, o professor da NYU/New York University, compara a crescente pesquisa sobre produtos químicos plásticos à compreensão inicial do câncer de pulmão e do tabagismo. Assim como um caso individual de câncer de pulmão não pode ser definitivamente associado ao tabagismo, nunca será possível afirmar que um bebê foi definitivamente prejudicado pelos ftalatos. Mas, em nível populacional, os cientistas podem ver sinais reveladores de que esses produtos químicos estão prejudicando a saúde humana, contribuindo para o aumento da infertilidade masculina ou dos casos de TDAH.
“E se houvesse apenas 50% de probabilidade de os ftalatos serem tóxicos para o desenvolvimento reprodutivo dos meninos?”, perguntou Trasande. “Se fosse seu neto ou filho, você permitiria que isso acontecesse?”
Nyamsi, por sua vez, sabe que sua abordagem em relação ao plástico não é para todos. Às vezes, ela se sente alienada de amigas e outros grupos de mães; ela e Wil têm discutido sobre o alto custo de substituir itens de plástico por madeira ou algodão. “Pode ser um pouco isolado ser a pessoa que insiste em tudo”, disse ela.
Mas, assim que descobriu os riscos do plástico, sentiu que não podia mais voltar atrás. No início deste ano, coreografou uma dança para sua companhia, focada nos riscos cotidianos dos disruptores endócrinos. “Sinto que, em algum momento da sua vida, algo acontece, e então a única coisa que importa é a sua saúde”, disse ela. “E é aí que estou agora.”
Médicos e pesquisadores continuam a debater como aconselhar gestantes a se protegerem. O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas agora aconselha ginecologistas e obstetras a considerarem perguntar a todos os seus pacientes sobre exposições ambientais, incluindo a triagem de pacientes para produtos de higiene pessoal ou fast food que possam conter ftalatos. Mas os produtos químicos estão por toda parte. Mesmo alguém que evita totalmente o plástico ainda pode estar exposto à poeira doméstica ou a laticínios e carnes processados em plástico.
“Prefiro não colocar o fardo sobre a gestante”, disse Ferguson, do NIH. “Precisamos de uma mudança de política.”
E, apesar de décadas de estudos sobre ftalatos, o governo federal impôs poucas restrições ao uso desses produtos químicos. Em 2017, a Comissão de Segurança de Produtos de Consumo proibiu o uso de cinco ftalatos em brinquedos infantis. Mas os produtos químicos ainda podem entrar em contato direto com alimentos que crianças e suas mães consomem todos os dias. A FDA negou repetidamente petições de grupos ambientais e de saúde para reavaliar a segurança dos produtos químicos.
Questionado sobre a segurança dos produtos químicos, o porta-voz da FDA, Andrew Nixon, disse em um comunicado: “A agência continua ciente das preocupações levantadas sobre possíveis efeitos à saúde da exposição a altos níveis de ftalatos e está trabalhando em uma avaliação de segurança atualizada dos nove usos autorizados restantes de ftalatos”.
Muitos cientistas criticaram duramente a falta de ação da agência em relação aos produtos químicos. Em uma análise, pesquisadores estimaram que os ftalatos contribuíram para 100.000 casos adicionais de infertilidade masculina em 2018.
“Acredito no princípio da precaução, que significa que você age diante de evidências preocupantes”, disse Linda Birnbaum, toxicologista e ex-diretora do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental. “Não preciso esperar para ver cadáveres para fazer alguma coisa.”
Sobre esta história
Design e desenvolvimento por Emily Wright. Editado por Juliet Eilperin, Dominique Hildebrand, Joe Moore, Virginia Singarayar e Feroze Dhanoa. Jennifer Adibi, cientista de saúde ambiental reprodutiva e pesquisadora americana na Universidade de Helsinque, forneceu feedback e expertise na representação gráfica da placenta.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, setembro de 2025