Brasil: Em grave perigo, estas 1.105 páginas provam isso.

Palácio do Planalto em 9 de janeiro de 2023, um dia após ter sido atacado por apoiadores de Jair Bolsonaro. Crédito: Victor Moriyama para o The New York Times

https://www.nytimes.com/2025/01/08/opinion/bolsonaro-brazil-coup.html

Vanessa Bárbara, cobre política, cultura e vida cotidiana brasileira. Ela escreveu de São Paulo, Brasil

08 de janeiro de 2025

[NOTA DO WEBSITE: Sempre é importante estarmos a par do que a mídia internacional torna público na opinião de seus articulistas, o que acontece entre nós, quando é o futuro de toda a humanidade que está em jogo. Principalmente neste fac-símile do 06 de janeiro dos EUA com os 08 de janeiro brasileiro, agora que o Sr. Trump assumiu a presidência com todo o apoio da população norte americana. Mas nestes primeiros dias de sua gestão, já podemos sentir o que o mundo irá enfrentar nos próximos quatros].

Há dois anos, houve uma tentativa de golpe no Brasil.

Não acredite apenas na minha palavra: veja os relatórios de 221 e 884 páginas da polícia federal divulgados em novembro. Fruto de dois anos de investigação, esses relatos muito esperados descrevem em detalhes surpreendentes um plano para derrubar o novo governo.

O caos de 8 de janeiro de 2023 — quando apoiadores de Jair Bolsonaro, muitos vestidos com camisas de futebol amarelas, atacaram prédios do governo na capital — chamou a atenção internacional. Mas os tumultos marcaram o fim, não o começo, de uma tentativa de golpe. Como os relatórios deixam claro, a turbulência ocorreu após um plano cuidadosamente coordenado para garantir que o Sr. Bolsonaro, que foi destituído em outubro de 2022, permanecesse no poder.

O mais chocante é que o plano envolveu assassinatos. De acordo com os relatos, uma unidade de elite do exército foi designada para matar o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu vice-presidente, Geraldo Alckmin. Também havia planos para sequestrar e provavelmente matar um juiz da Suprema Corte, Alexandre de Moraes , que lidera muitas das investigações sobre o movimento de extrema direita do país.

Os cinco membros da unidade foram presos. Mas a conspiração vai muito além deles. Trinta e sete homens, incluindo o Sr. Bolsonaro e uma série de seus aliados, foram acusados ​​de planejar o golpe. Se as acusações forem confirmadas pelo procurador-geral do Brasil, um julgamento ocorrerá este ano.

Para os brasileiros, o mais assustador não é o quão perto chegamos de ter nossa democracia destruída em 2023, mas que isso pode acontecer novamente — e dar certo. Os relatórios deixam claro que dentro da democracia brasileira há uma força capaz de derrubá-la: os militares. É o punhal pendurado sobre o país.

Talvez o melhor lugar para começar seja com os assassinatos planejados. Não precisamos usar nossa imaginação porque, para ajudar, os conspiradores escreveram tudo. O secretário executivo do presidente, um general aposentado, Mario Fernandes, imprimiu um rascunho do documento — no palácio presidencial, nada menos. Em uma referência às cores nacionais do Brasil e sem dúvida para endurecer a determinação patriótica dos conspiradores, ele foi chamado de “Adaga Verde e Amarela”.

O plano era extenso. Ele descreve o armamento necessário para completar a missão — uma metralhadora, um lançador de granadas, um lançador de foguetes antiblindagem — e aceita a possibilidade de “100 por cento de fatalidades” para os envolvidos. Ele também considera uma abordagem alternativa de envenenar o Sr. Lula, “levando em consideração seus problemas de saúde e visitas frequentes ao hospital”. No caso do assassinato do Sr. Alckmin, ele declara duramente que “uma comoção nacional não é prevista”.

O Sr. de Moraes foi aparentemente escolhido como o primeiro alvo. Em 15 de dezembro de 2022, os assassinos — que haviam negociado um preço de cerca de US$ 16.500 pela operação com o assessor pessoal do Sr. Bolsonaro — se mudaram para locais próximos à casa do juiz. Uma vez que os membros da unidade estavam em posição, de acordo com mensagens coletadas nos relatórios, eles esperaram pela divulgação de um decreto presidencial. Quando ele não chegou, um deles ordenou que os outros abortassem a missão e iniciassem o processo de exfiltração. A operação estava encerrada.

O decreto, que os relatórios dizem que o Sr. Bolsonaro editou, foi crucial para o golpe. Ele teria suspendido os poderes do Tribunal Eleitoral Brasileiro e detido o Sr. Moraes, permitindo que o Sr. Bolsonaro permanecesse no poder. Duas vezes em dezembro, ele foi apresentado aos chefes das forças armadas — o que alguns dos oficiais confirmaram. (Curiosidade: um padre compareceu a uma dessas reuniões.)

O chefe da Marinha estava pronto para ir junto, dizem os relatórios, mas os comandantes do exército e da força aérea se recusaram a participar. A falta de apoio internacional pode ter sido uma das razões: o governo dos EUA supostamente conduziu uma campanha secreta ao longo do ano, instando os líderes políticos e militares do Brasil a manter os resultados da eleição. Parece ter funcionado.

Os relatórios policiais são claros sobre quem foi o responsável pelo plano. Entre os indiciados estão vários dos principais aliados do Sr. Bolsonaro, incluindo membros do gabinete, seu candidato a vice-presidente, seu ministro da defesa e um ex-chefe da Marinha. De acordo com os relatórios, o Sr. Bolsonaro “planejou, agiu e estava direta e efetivamente ciente das ações da organização criminosa com o objetivo de lançar um golpe de Estado e eliminar o estado democrático de direito”. (O Sr. Bolsonaro nega todas as acusações.)

Comparado com os planos de sequestro e assassinato, o resto dos planos eram relativamente monótonos, embora ainda insidiosos. A estratégia do grupo cobria uma variedade de áreas-chave. Antes da eleição, por exemplo, o Sr. Bolsonaro e seus aliados repetidamente alegaram que o sistema de votação eletrônica do país era suscetível a fraudes, visando agitar os conservadores e garantir apoio para um golpe.

No entanto, os conspiradores sabiam que suas afirmações eram falsas. “Não há evidências de fraude”, disse o assessor pessoal do Sr. Bolsonaro, Tenente-Coronel Mauro Cid, a um coronel. Um momento importante nos relatórios é a observação feita por um oficial da agência de inteligência brasileira a um colega: “Tem um cara que postou um tuíte sobre as invasões de urnas. Precisamos qualificá-lo com um currículo.”

O governo também teria supervisionado os acampamentos dos apoiadores do Sr. Bolsonaro em frente ao quartel-general militar e em todo o país, que duraram mais de dois meses até o final de 2022. “Quanto tempo você quer que a gente fique aqui?”, perguntou um líder do protesto ao general Fernandes. Em 8 de janeiro de 2023, milhares desses manifestantes invadiram prédios do governo em Brasília, incluindo o palácio presidencial, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Mas, a essa altura, o golpe estava efetivamente encerrado.

Podemos ser gratos pelo fracasso. No entanto, mesmo que o Sr. Bolsonaro e seus aliados acabem atrás das grades, o fato é que os militares parecem lutar com a ideia de que a república pertence aos seus cidadãos. Seu envolvimento é evidente nestes relatórios: Quatro dos cinco membros da unidade de assassinato presos são oficiais do exército. O general Walter Braga Netto, um general de quatro estrelas e ministro da defesa do Sr. Bolsonaro, também foi preso. Dos 37 homens acusados ​​de planejar o golpe, 25 são membros das forças armadas. Quase todos ocupam ou ocuparam cargos de alto escalão.

Isso é preocupante. Embora alguns comandantes tenham decidido não apoiar um golpe desta vez, a estabilidade da nossa democracia ainda depende em grande parte do humor dos militares. De certa forma, sempre foi assim. Desde a fundação da república em 1889, os militares fizeram nove tentativas de assumir o poder, cinco das quais foram bem-sucedidas. Após o fim da ditadura militar de 20 anos em 1985 — que viu abusos generalizados de direitos humanos, censura da imprensa e perseguição de oponentes políticos — as forças permaneceram fortemente envolvidas na política. Sob o Sr. Bolsonaro, elas se tornaram ainda mais poderosas.

Não consigo me livrar da sensação de que há muitos generais, almirantes e marechais que seriam rápidos em apoiar um golpe se seus interesses, e os de suas organizações, não fossem totalmente satisfeitos. Ao olharmos para a eleição de 2026, há motivos para preocupação. Com uma nova administração dos EUA mais propensa a apoiar os militares e o descontrole perpétuo entre as fileiras militares no governo do Sr. Lula, não podemos ter certeza de que um golpe não acontecerá novamente.

E quem sabe? Talvez da próxima vez funcione.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2025


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