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17/01/2022
Entre 2002 e 2019, estados com maior peso industrial (SP, MG, RJ e BA) estagnaram. PIB cresceu nas regiões marcadas por devastação, agronegócio e extrativismo. Nesta reprimarização, mercado interno e empregos são demolidos
A perda de importância relativa da indústria no total da produção interna seria menos traumática, não fosse acompanhada pela desintegração do sistema econômico nacional. Isso parece ficar evidente ao se analisar a evolução econômica dos estados brasileiros nas primeiras duas décadas do século XXI, conforme o Sistema de Contas Regionais do IBGE.
As regiões do país com maior dinamismo estiveram vinculadas ao comércio externo, especialmente à produção e exportação de commodities (minérios e agropecuária). Os quatro estados com maior vigor econômico, entre 2002 e 2019, foram: Mato Grosso (5,0% a.a.), Tocantins (4,9% a.a.), Roraima (4,2% a.a.) e Rondônia (3,8% a.a.), representando uma espécie de desempenho chinês no interior do Brasil.
Para o Brasil como um todo, a economia apresentou, entre 2002 e 2019, a variação média anual de apenas 2,3%. Das 27 unidades da federação, oito estados registraram desempenho econômico ainda pior que média nacional no mesmo período de tempo.
A maior parte dos estados com estagnação econômica foram justamente aqueles com maior peso industrial, cuja produção, em geral, direciona-se para o mercado interno. Dos estados com pior desempenho econômico no período, destacam-se: Paraná (2,2% a.a.), São Paulo (2,2% a.a.), Bahia (2,1% a.a.), Minas Gerais (1,9% a.a.), Rio Grande do Sul (1,7% a.a.) e Rio de Janeiro (1,3% a.a.).
A perda de vigor nas regiões produtoras para o mercado interno seguem a trajetória da desindustrialização e, por consequência, da desintegração sistêmica da dinâmica nacional. O Brasil cada vez mais conectado com o mercado externo, pouco contribui positivamente para o mercado interno, portanto somando pouco para o nível da produção nacional, para o aumento do emprego e para arrecadação tributária.
Depois de longo tempo convergindo para a integração nacional, a economia nacional aponta para a desintegração, recolocando o problema que foi central no passado. Há cem anos, o diagnóstico crítico da economia brasileira centrava na dinâmica diferenciada estabelecida entre as “duas economias” que resultava de sua formação social de passado colonial.
Mesmo depois de um século da Independência nacional, tanto o Império (1822-1889) como a República Velha (1889-1930), não conseguiram desfazer um arquipélago de enclaves regionais que conformavam o país de dimensão continental. As economias mais dinâmicas concentravam-se próximas ao litoral, cuja produção de matérias-primas e produtos semi-processados eram voltados para exportação. Ademais de suas ligações com o mercado mundial, tinham bancadas parlamentares suficientemente fortes para pressionar internamente por uma condução da política econômica mais favorável aos seus interesses (isenção tributária, juros subsidiados, postergação de dívidas entre outros).
A outra economia, no restante do território nacional, voltava-se fundamentalmente ao abastecimento do pobre mercado interno, quando não somente às áreas de subsistência, pois social e tecnicamente atrasado. A fraqueza econômica se expressava no sistema político, cuja representação no Congresso Nacional, ademais de minoritária, ficava, em geral excluída da política econômica e social.
A constituição do Estado moderno, a partir da Revolução de 1930, enfrentou as forças do passado com um projeto nacional de industrialização que produziu as bases da integração da economia. A proposição da substituição dos produtos importados pela produção nacional, trouxe expansão das empresas, do emprego, da arrecadação tributária e desenvolveu o mercado interno.
Para, além dos problemas de gestão macroeconômica que atualmente aprisionam e empobrecem o debate nacional, tem fundamental importância o diagnóstico crítico acerca da desintegração que avança sobre o sistema produtivo nacional. Para isso, as luzes das ideias inovadoras de futuro precisariam estar conectadas, pois do contrário, o conservadorismo seguirá predominando no pensamento econômico do país, senão o reacionarismo.
MARCIO POCHMANN
Economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004. Concorreu duas vezes a prefeitura de Campinas-SP (2012 e 2016). Publicou dezenas de livros sobre Economia, sendo agraciado três vezes com o Prêmio Jabuti.