A cada ano, durante o verão, notícias sobre inundações catastróficas e deslizamentos de morros dominam os jornais, revistas e televisão. No ano passado, o estado de Rio de Janeiro sofreu dramáticas perdas de vidas e danos econômicos severos devido a esses eventos. Este ano, o estado de Minas Gerais chama novamente a atenção por causa de grandes inundações, em que cidadãos perderam a vida e a população sofreu graves danos econômicos.
http://www.ecodebate.com.br/2012/02/06/inundacoes-catastroficas-e-deslizamento-de-barrancos-em-minas-gerais-e-o-novo-codigo-florestal/
O desmatamento de encostas e a impermeabilização da superfície do solo pela expansão das cidades e da rede rodoviária resultam no aumento da descarga superficial da chuva, aumentando também a erosão, o que resulta em deslizamentos e formação de voçorocas. Os pântanos, que absorviam e estocavam a água da chuva como se fossem “esponjas”, foram transformados em terras para plantio. As áreas alagáveis ao longo dos riachos e rios, que serviam para reter as águas e para estocá-las temporariamente diminuindo os picos de enchentes, foram aterradas, sendo usadas nas cidades pela construção civil ou, pior, como depósitos de lixo. A retificação e a canalização dos riachos e rios aceleraram o transporte da água resultando em enchentes cada vez mais acentuadas, rápidas, e devastadoras, como estas observadas anualmente.
Lamentavelmente os danos não se restringem somente às áreas diretamente atingidas. Como o lençol freático da região afetada decresce, já que a água não infiltra mais no solo como anteriormente, é gerado um déficit de água para a vegetação e para o homem durante a época seca. A conseqüência mais direta desta situação é o aumento no índice de queimadas. Por outro lado, a grande quantidade de sedimentos erodidos e transportados pelas enchentes é depositada nas represas, assoreando-as muito mais rapidamente do que foi calculado antes da sua construção, diminuindo drasticamente o seu tempo de vida útil. Isso torna os cálculos de custo/benefício desses empreendimentos obsoletos, um fato que deveria ser alarmante para o governo federal e os governos estaduais, que pretendem aumentar o número de represas para a estocagem de água potável e para a produção de hidroenergia. Enquanto os gastos para prevenção de desastres naturais não atingem a marca de R$ 1 milhão, os gastos com as ações para conter os danos causados por esses desastres suplantam a marca de R$ 6 bilhões. (http://www.adjorisc.com.br/politica/governo-investiu-so-13-dos-gastos-em-prevenc-o-a-desastres-naturais-1.1014492)
Considerando este cenário, podemos constatar que a despeito da importância dos projetos de proteção e saneamento atualmente em planejamento, estes não passam de meros paliativos para os sintomas de um problema que é muito mais grave. A solução definitiva para o problema deveria incluir, dentre outros, planos de recuperação da vegetação natural em áreas críticas, além da preservação e restituição das áreas úmidas, para frear e mitigar os efeitos das enchentes, além da retirada da população das áreas críticas e a proibição da recolonização das mesmas por novos ocupantes. Em áreas densamente povoadas, essa é uma medida de difícil execução, politicamente sensível, muito onerosa, e de longa duração. Mas essa é a única solução, principalmente, se considerarmos as previsões do Conselho Internacional do Clima Global e do Inpe, que preveem para o futuro um aumento dos eventos climáticos extremos, ou seja, um maior número de chuvas torrenciais e secas mais severas com ondas de calor intenso. Outros países como os Estados Unidos e muitos países Europeus, entre eles a Holanda, campeã mundial em construção de diques, canais, “polders” e canalização de rios, já perceberam há anos que em longo prazo não é possível conter os rios e, por essa razão, foram elaborados amplos programas para a recuperação de pelo menos parte das áreas alagáveis, aumentando, desta forma, sua capacidade tampão de retenção da água, o que leva à diminuição dos picos das enchentes.
Nesse contexto, a proposta do novo código florestal se mostra completamente anacrônica, já que sua potencial aprovação levará à redução da proteção das áreas úmidas ao longo dos rios e igarapés, e facilitará a destruição da vegetação natural ripária. Enquanto, por um lado, a sociedade convive com as conseqüências econômicas e sociais desastrosas da má ocupação do espaço nas regiões já ocupadas há séculos, o Congresso Nacional arrisca-se a facilitar os mesmos processos deletérios em todo o País, por meio da legalização do texto do novo código florestal.
Nesse sentido, lançamos um apelo aos Senhores Membros do Congresso Nacional para que levem em consideração estas relações entre o clima, o ciclo hidrológico, as áreas úmidas e a ocupação do espaço pelo homem. Proteger e manter as áreas úmidas intactas é muito mais barato de que propiciar sua destruição para depois recuperá-las. A perda de vidas humanas com os desastres naturais não tem reparo. Quando a causa é conhecida quem é o responsável pela tragédia?
O texto é de autoria dos pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas (Inau), Wolfgang Junk, Paulo Teixeira de Sousa e Catia Nunes da Cunha; de Maria Teresa Fernandez Piedade, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa); e de Ennio Candotti, do Museu do Amazonas.
Artigo socializado pelo Jornal da Ciência,/SBPC.