Uma vida dedicada à luta contra a gordura trans – Fred Kummerow.

No momento em que Nova York, em junho de 2015, decide proibir a gordura trans, é importante saber o que aconteceu antes disso. Em 1957, um pesquisador de nutrição da Universidade de Illinois, ainda jovem, convenceu um hospital a lhe fornecer amostras de artérias de pacientes que morreram de ataque cardíaco. Ao analisá-las, fez uma descoberta surpreendente. Não se espantou quando viu que as artérias doentes estavam cheias de gordura – porém, era um tipo específico de gordura. Os ácidos graxos artificiais conhecidos como gorduras trans, que vêm dos óleos tratados com hidrogênio, utilizados em alimentos processados como margarina, estavam tomando o espaço de outros tipos de ácidos graxos.

 

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Melanie Warner, The New York Times, 

 

Fred Kummerow

O cientistas Fred Kummerow, na Universidade de Illinois, em dezembro de 2013, aos 99 anos; ele é o pioneiro mundial nas pesquisas sobre gordura trans – Sally Ryan/The New York Times

 

O cientista, Fred Kummerow, deu prosseguimento a sua pesquisa com um estudo que revelou que havia quantidades preocupantes de placas que entupiam as artérias de suínos submetidos a uma dieta rica em gorduras artificiais. Kummerow se tornou pioneiro da pesquisa sobre a gordura trans, um dos primeiros cientistas a afirmar que existe uma ligação entre as doenças cardíacas e os alimentos industrializados.

Passaram-se mais de três décadas para que esses resultados fossem amplamente aceitos – e cinco décadas para que a Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos, a FDA, determinasse a eliminação das gorduras trans da oferta de alimentos, conforme proposto em um regulamento promulgado no mês passado.

Hoje, Kummerow ainda está em atividade; aos 99 anos, vive a poucos quarteirões da universidade, onde funciona um pequeno laboratório. Ele continua a chegar a conclusões polêmicas quanto às gorduras e doenças cardíacas.

Nos últimos dois anos, ele publicou quatro artigos em revistas científicas com revisão por pares, dois deles dedicados a pesquisa de outro vilão que ele apontou como responsável pela aterosclerose, ou o endurecimento das artérias: o excesso de óleos vegetais poli-insaturados como a soja, o milho e o girassol – exatamente os tipos de gorduras que os americanos foram instigados a consumir durante as últimas décadas.

O problema, diz ele, não é o LDL, o “mau colesterol” amplamente considerado como a principal causa de doença cardíaca. O que importa é saber se o colesterol e gordura que residem nessas partículas de LDL foram oxidados. (Tecnicamente, o LDL não é o colesterol, mas as suas partículas contêm colesterol, juntamente com ácidos graxos e proteínas).

“O colesterol não tem relação com a doença cardíaca, a menos que ele esteja oxidado”, disse Kummerow. A oxidação é um processo químico que ocorre amplamente no organismo, contribuindo para o envelhecimento e o desenvolvimento de doenças degenerativas e crônicas. Ele alega que as altas temperaturas usadas nos processos comerciais de fritura fazem com que óleos poli-insaturados inerentemente instáveis se oxidem, e com que estes ácidos graxos oxidados se tornem uma parte nociva das partículas de LDL. Mesmo quando não são oxidados pelo processo de fritura, os óleos de soja e milho podem oxidar no interior do corpo.

Se essa hipótese for verdadeira, poderá explicar por que diversos estudos concluíram que metade de todos os pacientes com doença cardíaca têm níveis normais ou baixos de LDL.

“Mesmo com níveis de baixos de LDL, podemos estar em apuros se boa parte deste LDL for oxidado”, disse Kummerow.

Isso o leva a uma conclusão controversa: a de que a gordura saturada na manteiga, queijos e carnes não contribui para o entupimento das artérias – e na verdade é benéfica se for consumida em quantidades moderadas, no contexto de uma dieta saudável (muitas frutas, legumes, todos os grãos e outros alimentos frescos, não industrializados).

A própria alimentação de Kummerow atesta isso. Junto com frutas, legumes e grãos integrais, ele come carne vermelha várias vezes por semana e bebe leite todo dia.

Ele não consegue se lembrar da última vez que comeu algo frito. Ele nunca usou margarina e, em vez de disso, come ovos mexidos na manteiga todas as manhãs. Para ele, o ovo é um dos alimentos mais perfeitos da natureza, algo que ele vem argumentando desde os anos 1970, quando o consumo de ovos carregados de colesterol era considerado como fator decisivo para a incidência de problemas cardíacos.

“O ovo tem todos os nove aminoácidos necessários para a constituição das células, além de ser uma fonte importante de vitaminas e minerais. É uma loucura comer apenas a clara dos ovos. Trata-se de uma prática que nem um pouco positiva”, afirmou ele.

Robert H. Eckel, endocrinologista e ex-presidente da Associação Americana do Coração, concordou que o LDL oxidado é muito pior do que o LDL não oxidado em termos de formação de placa.

Contudo, ele discorda de Kummerow quanto às gorduras saturadas serem benignas e quanto aos óleos vegetais poli-insaturados estimularem a doença cardíaca. “Há estudos que mostram claramente que a substituição de gorduras saturadas pelas poli-insaturadas leva a uma redução na doença cardiovascular”, disse Eckel, que é professor da Universidade de Colorado.

Robert L. Collette, presidente do Instituto de Gordura e Óleos Comestíveis, uma associação comercial, diz que os fabricantes de óleos vegetais trabalham com os seus clientes para tomar precauções contra a oxidação.

 “A oxidação é algo que os consumidores podem detectar. Portanto, controlá-la é interesse de todos”, informou ele.

O longo arco da carreira e da vida de Fred Kummerow ilustra o ritmo lento e frustrante da ciência e as formas pelas quais a conformidade científica pode dificultar a busca por respostas. Nascido na Alemanha logo após o começo da Primeira Guerra Mundial, ele se mudou para Milwaukee, nos Estados Unidos, com a família quando tinha nove anos.

Seu pai, que trabalhava em uma fábrica de blocos de cimento, não tinha dinheiro para mandá-lo para a faculdade, então Kummerow trabalhou em tempo integral em uma empresa de distribuição de medicamentos enquanto frequentava a Universidade de Wisconsin à noite. Depois de concluir doutorado em Bioquímica, seu primeiro trabalho foi na Universidade de Clemson, na Carolina do Sul, onde ajudou a evitar milhares de mortes no Sul em decorrência de pelagra, uma doença resultante de uma deficiência de vitamina B3.

Desde o início, sua pesquisa sobre gorduras trans foi “estrondosamente criticada e rejeitada”, disse Walter Willett, presidente do departamento de nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard, que creditou a Kummerow a inclusão das gorduras trans no “Estudo de Saúde das Enfermeiras”. Uma descoberta feita em 1993, proveniente deste estudo, mostrou uma ligação direta entre o consumo de alimentos que continham gorduras trans e as doenças cardíacas em mulheres, tendo ficado marcada como um ponto de virada no pensamento científico e médico sobre as gorduras trans.

“Ele tinha muita dificuldade de obter financiamento, porque o mundo da prevenção das doenças cardíacas resistiu fortemente à ideia de que as gorduras trans eram o problema”, continuou o Dr. Willett. “Na opinião do mundo, as gorduras saturadas eram o grande vilão da doença cardíaca. Qualquer outra coisa era uma distração desse fato”.

Estando com uma idade em que a própria vida é uma vitória, Kummerow disse não ter intenção de se afastar do trabalho que o consome há seis décadas. Ele continua a trabalhar em casa e conversa diariamente com os dois cientistas que trabalham em seu laboratório, que recebe financiamento da Fundação Weston A. Price.

Sua esposa, com quem foi casado por 70 anos, Amy, morreu no ano passado aos 94 anos de mal de Parkinson; ele tem três filhos, três netos e um bisneto.

Kummerow não toma medicamentos e sua mente não mostra sinais de envelhecimento: ele grava nomes, datas e – o que é mais impressionante – conceitos científicos complexos como se fosse uma enciclopédia. Ele parou de tomar remédios de pressão arterial, pois causavam inflamações nos seus músculos. Desde então, começou a usar uma cadeira de rodas e um andador.

O problema de saúde mais significativo que teve, apropriadamente, foi uma obstrução da artéria aos 89 anos – provavelmente um resultado dos efeitos inevitáveis do envelhecimento, e não de sua alimentação.

Uma cirurgia de bypass tratou do bloqueio, e o fato de que Kummerow hoje tem uma artéria do braço correndo até seu coração fez com que ele se ficasse ainda mais determinado a continuar trabalhando. A doença cardíaca continua a ser a principal causa de morte entre os americanos, e Kummerow gostaria de viver por mais tempo para continuar a financiar pesquisas que vão ajudar a mudar esse quadro.

“O que eu realmente quero é presenciar o desaparecimento das gorduras trans e que as pessoas comam melhor e tenham uma compreensão mais precisa do que realmente causa as doença de coração”.