Pesquisadora encontra plástico no estômago de peixes em Salvador.

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Um estudo realizado pela bióloga Daniele Miranda analisou os conteúdos estomacais de peixes capturados nas praias de Salvador, Bahia, e revelou que 22% deles continham micropartículas de plástico no estômago. Os pellets, como são chamados, são a matéria-prima de diversos tipos de produtos, como garrafas, canetas e computadores.

 

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27/10/2011

 

por Clara Corrêa, da Redação EcoD

 

418 Pesquisadora encontra plástico no estômago de peixes em Salvador
Peixes contaminados foram encontrados em duas colônias de pesca de Salvador.Foto: Daniele Miranda

 

No estudo, realizado nas colônias de pesca da Pituba e Itapuã, localizadas na orla de Salvador, foram examinados 32 peixes pertencentes a 11 espécies. Deste total, sete animais traziam junto aos seus conteúdos estomacais pellets plásticos, sendo cinco deles cavalas (Scomberomorus cavalla) e dois caçonetes (Rhizoprionodon lalandii). O trabalho de Daniele foi apresentado à Universidade Católica da Bahia, em de junho de 2011.

Essa não é a primeira vez que um estudo encontra no organismo de animais marinhos na região. Entre 2006 e 2007, uma pesquisa feita pelo médico veterinário Gustavo Rodamilans, na região do Litoral Norte do estado, mostrou que 60% das tartarugas marinhas estudadas continham algum tipo de resíduo antropogênico de origem humana no trato digestivo, como de supermercado.

Rodamilans explica que, por se alimentar prioritariamente de algas marinhas, águas-vivas e caravelas, é comum as tartarugas confundirem sacos plásticos com esses alimentos. No estômago dos animais, ainda foi encontrado linha de náilon utilizada para pescar, filtros de cigarro, palitos de picolé e pirulito, tampinhas de garrafa PET, rótulo de garrafas de refrigerante, anilhas de lata de alumínio e até rodinha de carrinho de plástico.

“Aquela cadeira plástica que compramos no mercado não nasceu ali. Ela já foi um amontoado de pellet, gerou gases que agravam o na produção e no transporte e, futuramente, vai ser um lixo caso não seja descartada corretamente. Ela pode chegar ao mar, se fragmentar e ser encontrada no estômago de um peixe, ou qualquer outro animal, do outro lado do mundo” – Daniele Miranda.

De acordo com os pesquisadores, estudos têm sido realizados nas demais regiões do país para avaliar a relação do lixo com outros animais marinhos, como tubarões, baleias, golfinhos, aves, peixes ósseos e lobos marinhos.

Ponta do iceberg

Para Daniele, o que mais chamou a atenção na pesquisa foi o fato de não saber de onde vem o pellet. A bióloga conta que as duas espécies de peixe contaminadas têm hábitos de vida diferentes. “Analisando estes dados isoladamente, poderia dizer que a contaminação estaria nas regiões próximas a costa, mas na ciência não dá para analisar fatos isolados. Uma vez no mar, o pellet vai sofrer influência das correntes e podem se distanciar por milhares de quilômetros de seu local de origem”, explica.

Além de estar próxima a muitos rios, que trazem os resíduos de diversos locais para o litoral baiano, a região ainda pode ser alvo de descarte intencional dos resíduos da pesca e das perdas acidentais, “evidenciando um completo descuido por parte da população que frequenta, trabalha e habita estas localidades”, opina o biólogo e orientador da pesquisa, Gustavo Souza, que, assim como Daniele, é membro da Comissão Científica da Global Garbage.
“A gente fala em lixo marinho, mas, na verdade, é lixo terrestre. Tudo isso é produzido na terra, pelos homens, que depois jogam fora de forma errada” – Gustavo Rodamilans.

Apostando no Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) como uma iniciativa capaz de controlar o problema, o biólogo lembra que não existe um único vilão. “Os diferentes atores direta ou indiretamente responsáveis (poder público e privado, frequentadores, banhistas, barraqueiros e trabalhadores em geral, donos de embarcação, empresas ligadas ao setor, esportistas e afins) têm sua parcela de culpa pela atual situação destes impactos por omissão, descaso e até falta de percepção que o problema lhe causa prejuízos”, diz.

Para Daniele, as pessoas ainda dão pouca importância para o real impacto da presença do plástico nos e mantêm o conceito de que o mar é infinito e estará sempre intacto para a humanidade. “Como se o mar fosse um desintegrador mágico de lixo. Se um copo plástico é jogado no mar e some do campo de visão, pra quem jogou o copo acabou o problema. Mas não é bem assim. Essa atitude vai desencadear uma série de desequilíbrios físicos, químicos e biológicos”, lembra.

Contaminação

A bióloga Daniele Miranda explica que o pellet pode ser misturado ao plâncton por ser muito pequeno, facilitando a ingestão. Os animais que ingerem essa substância podem sofrer diversos danos, como o emagrecimento acentuado, já que o acúmulo desse material no estômago dos animais dá a falsa impressão de saciedade, levando-os a morte por inanição.

Outro problema é a flutuabilidade do organismo. “Uma vez ingerido, o plástico vai funcionar como uma bóia no estômago dos animais, impedido que eles possam voltar a zonas profundas”, conta a pesquisadora. Ainda existem riscos de obstruções intestinais e contaminação devido à estrutura do plástico, “que é um excelente carreador de substâncias químicas como os POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes)”, diz.

Segundo Daniele, esses compostos estão presentes em fertilizantes e outras substâncias que foram proibidas em vários países, inclusive no , por representar grandes riscos à saúde, já tendo sido relacionadas, inclusive, a doenças como , doenças da tireóide, cardiovasculares, hepáticas, diabetes e alteração hormonal.

“Não estamos falando apenas de um micro pedaço de plástico que foi encontrado dentro do peixe. Estamos falando de que podem adsorver substâncias químicas e transferir para o animal que o ingere e provavelmente para quem ingere este animal. Estamos falando de uma cadeia trófica onde o topo da cadeia é o próprio agente que contaminou todo o ciclo” – Daniele Miranda.

De acordo com Souza, ainda é cedo para qualquer conclusão. No entanto, estudos científicos já estão empenhados em conhecer as propriedades e possibilidades de contaminação dos pellets descartados em ambiente natural. Segundo o biólogo, já é reconhecido que o plástico é capaz de liberar diversas substâncias tóxicas no ambiente.

Devido à formação química dos animais estudados, algumas dessas substâncias não são absorvidas pelo organismo e se acumulam ao longo da cadeia alimentar. Rodamilans, que atualmente se dedica a um mestrado sobre a presença de metais pesados em tartarugas marinhas, afirma que esse acúmulo irá refletir diretamente no organismo do homem.

“Temos encontrado nas tartarugas presença muito alta de , cádmio, zinco e outros metais pesados. Esses elementos são acumulativos, então, quem está no topo da cadeia, como a tartaruga marinha, os golfinhos e o homem, vai acumular todas essas substâncias que os animais ingerem no meio marinho”, alerta.

Outro agravante é o processo conhecido como biomagnificação. Por não serem biodegradáveis, os resíduos plásticos são degradados pelo sol e outros fatores, e acabam multiplicando-se em partículas cada vez menores, o que aumenta a possibilidade de ingestão e, consequentemente, a contaminação de espécies marinhas. “Se já estamos assustados com o que estamos vendo (o pellet), imagina a magnitude do que não é possível enxergar a olho nu”, alerta a bióloga.

Medidas e estratégias sugeridas por especialistas para o combate a marinha:

• Ações de monitoramento existentes dos padrões e processos do lixo na zona costeira e marinha, e intensificar e fortalecer as ações já existentes quando estas se considerarem insuficientes;
• Propor novas ações imediatas, ações preventivas e corretivas com base no conhecimento existente, recursos e planejamento;
• Promover a inclusão das comunidades litorâneas e da sociedade civil para a discussão das problemáticas atuais causadas pela poluição marinha;
• Atribuir condicionantes aos fabricantes e distribuidores dos materiais, principalmente de composição plástica, a serem legalmente responsáveis pelo gerenciamento dos seus resíduos;
• Reduzir as perdas de artefatos de pesca, descarte de grandes objetos e fundeio de barcos sem diagnóstico anterior e monitoramento do local;
• Planos que incluam o ambiente e sua nos zoneamentos econômicos exclusivos da região costeira e marinha.

* publicado originalmente no site EcoD.

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