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Garimpeiros

Wajãpi, guardiões de terra cobiçada por garimpeiros ilegais e mineradoras

30 de julho de 2019 por Luiz Jacques

Os wajãpi são considerados um povo festivo e amistoso, mas que coleciona experiências traumáticas com garimpeiros e mineradoras. FIONA WATSON/SURVIVAL INTERNATIONAL

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49152403

Fernanda Odilla*

Da BBC News Brasil em Londres

29 julho 2019

O povo wajãpi é guardião de uma terra rica em ouro e ferro de cerca de 607 mil hectares, uma área equivalente a quatro cidades de São Paulo delimitada pelos rios Oiapoque, Jari e Araguari, no oeste do Amapá.

Wajãpi Ancião
Povo indígena, que ocupa território no Amapá e na Guiana Francesa e quase foi dizimado nos anos 1970 após contato com não-índios, é reconhecido por conseguir manter o equilíbrio entre o passado e presente. FIONA WATSON/SURVIVAL INTERNATIONAL

Chegaram ao local depois de uma travessia épica pelo rio Amazonas. Descendentes dos Guaiapi, falantes da língua da família Tupi, os wajãpi saíram do baixo rio Xingu, no norte do Pará, no século 18 rumo ao território hoje ocupado pelo Amapá e pela Guiana Francesa.

Sempre mantiveram o estilo de vida, tradições, rituais e autonomia. Vivem da caça e da agricultura e tentam defender sua terra como podem – com arcos, flechas, lanças e até armas de fogo, estas devidamente registradas e autorizadas pela Polícia Federal, segundo eles, e com a ajuda de organizações governamentais e não governamentais.

Homologada e registrada em 1996, a terra indígena wajãpi, localizada entre os municípios amapaenses de Pedra Branca do Amapari e Laranjal do Jari, é cobiçada por garimpeiros e caçadores de peles de animais e tem sido alvo de invasões frequentes.

Desde os anos 1970, os wajãpi têm uma relação conturbada e traumática com garimpeiros e mineradores. No início dos anos 1970, uma epidemia de sarampo, disseminada após contato com homens brancos, causou a morte de quase cem indivíduos wajãpi, incluindo adultos e crianças.

Na semana passada, a morte do cacique Emyra Waiãpi e duas invasões relatadas pelo Conselho das Aldeias Wajãpi colocaram em evidência o alto nível de tensão na região no momento.

Em nota divulgada no domingo, 28 de julho, o Conselho das Aldeias Wajãpi disse que um grupo de invasores armados entrou na sexta-feira (26) na aldeia Yvytotõ, ocupou uma casa e ameaçou os moradores, que fugiram no dia seguinte do local.

povo wajãpi dança
Os wajãpi tinham o costume de amarrar invasores e entregá-los à Polícia Federal, hoje estão organizados num conselho com diretoria e site

No sábado, moradores de outra aldeia, a Karapijuty, teriam avistado um possível invasor nos arredores.

O cacique Emyra Waiãpi havia sido encontrado morto no dia 22 – a Polícia Federal, que foi ao local com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do batalhão de operações especiais da polícia do Amapá, abriu inquérito para investigar a morte dele.

Bolsonaro põe em dúvida assassinato de líder indígena

Ao comentar a morte do cacique no Amapá, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse não haver indício forte de que ele tenha sido assassinado.

Foi a primeira vez que o presidente se manifestou sobre o incidente. “Não tem nenhum indício forte que esse índio foi assassinado lá. Chegaram várias possibilidades, a PF está lá, quem nós pudermos mandar nós já mandamos. Buscarei desvendar o caso e mostrar a verdade sobre isso aí”, afirmou o presidente, ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã desta segunda-feira (29).

De acordo com a nota do conselho wajãpi, não houve testemunhas, mas parentes examinaram o local e “encontraram rastros e outros sinais de que a morte teria sido causada por pessoas não indígenas”.

Além de colocar em dúvida o assassinato, Bolsonaro também reiterou que sua intenção é regulamentar o garimpo e autorizar a exploração de minérios dentro de território indígena.

“É intenção minha regulamentar garimpo, legalizar o garimpo. Inclusive para índio, que tem que ter o direito de explorar o garimpo na sua propriedade. Terra indígena é como se fosse propriedade dele. Lógico, ONGs de outros países não querem, querem que o índio continue preso num zoológico animal, como se fosse um ser humano pré-histórico”, afirmou o presidente.

Para Bolsonaro, as demarcações indígenas estão “inviabilizando o negócio” no Brasil.

História de resistência

Segundo Fiona Watson, pesquisadora da ONG Survival International, a história dos wajãpi é de resistência, resiliência e sobrevivência. “Eles são os guardiões da floresta. Dependem da floresta e mantêm uma relação espiritual com ela. Por isso, resistem a tudo que pode destruí-la”, diz.

Watson declara não se opor à mineração em terras indígenas desde que seja uma escolha dos guardiões da terra, que pertence à União. “Tem que ter o consentimento dos índios, a decisão tem que ser deles porque a terra é deles”, afirma, argumentando que o governo deveria se empenhar mais em proteger as terras indígenas uma vez que a legislação atualmente proíbe mineração em terras ocupadas por indígenas.

Os wajãpi, por exemplo, são contra a exploração mineral em seu território. Apesar de serem considerados um povo festivo e amistoso, eles declararam guerra aos garimpeiros e às mineradoras depois de colecionarem experiências traumáticas.

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Os wajãpi contabilizam 57 celebrações

Primeiro contato

Hoje, são aproximadamente 900 wajãpi vivendo em 49 aldeias. Na Guiana Francesa, no alto rio Oiapoque, vivem outros 1.100.

“Mas esse povo quase desapareceu nos anos 1970”, conta Watson, lembrando que os wajãpi foram vítimas de malária e sarampo contraídos depois do contato com não-índios.

O primeiro contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi em 1973, quando a rodovia Perimetral Norte BR-210 começou a ser construída na região onde estavam os wajãpi.

No ano seguinte à chegada da Funai, eram apenas sete dezenas deles, segundo relatou um ex-chefe do posto local da Fundação ao Jornal do Brasil em 1993.

A estrada facilitou o acesso às terras protegidas pelos wajãpi. Chegaram caçadores, garimpeiros e, mais recentemente, empresas de mineração demonstraram interesse em explorar na região jazidas de ouro, cassiterita, manganês e tântalo.

Mas a antropóloga da Universidade de São Paulo (USP), Dominique Gallois, estudiosa do povo wajãpi, relatou no Facebook que “experiências trágicas” dos wajãpi com garimpeiros são anteriores à chegada da Funai.

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O primeiro contato dos wajãpi com a Funai foi em 1973

Entre 1971 e 1973, escreveu Gallois, levas de garimpeiros invadiram a bacia do rio Karapanaty, explorando ouro nas proximidades da aldeia Karavõvõ.

“Prometiam trazer mercadorias e conseguiram apoio dos índios, que os abasteciam com caça, lenha e alimentos. Na verdade, depois de cerca de um ano de convivência conturbada, fugiram e deixaram a população de cinco aldeias da região infectadas com sarampo”, relatou a professora.

Segundo ela, mais de 80 adultos e crianças morreram, “abandonados pelos que se diziam seus amigos”.

Gallois diz que a Funai chegou mais tarde, em 1973, “para afastar os índios do trajeto da estrada Perimetral Norte, construída na época e abandonada em 1976”, depois de ter avançado cerca de 30 quilômetros para dentro da área indígena.

Estratégia de defesa

“Pouco a pouco, os wajãpi encontraram estratégias para se defender e logo que sabiam da presença de invasores, os procuravam, amarravam e levavam à Funai para que fossem entregues à Polícia Federal”, escreveu a professora, dizendo que esses episódios aconteceram várias vezes entre 1985 e 1992.

Em 1994, eles criaram o Conselho das Aldeias Apina para reivindicar direitos e passaram a denunciar de forma mais organizada e sistemática as sucessivas tentativas de ingresso. O Conselho, que tem site e diretoria com mandato, tem também um documento com detalhes sobre as tradições do povo wajãpi.

Eles são reconhecidos por manter o equilíbrio entre o passado e o presente, vivem dos recursos da floresta e mantêm rituais e tradições curiosas – como, na hora do casamento, dar a própria irmã para se casar com o irmão da noiva ou se casar também com a irmã solteira da noiva.

Reprodução de material do Conselho das Aldeias Wajãpi
Material produzido pelos wajãpi com apoio da Funai explica rituais e tradições mantidas pelo povo que vive no Amapá e na Guiana Francesa

Quem escolhe o nome da criança wajãpi são os avós e os pais. “Nós usamos os nomes de nossos antepassados para colocar nome nas crianças”, explicam. Crianças podem se chamar pelo nome, mas quando se é jovem ou adulto, não. “É impossível chamar a pessoa pelo nome próprio, senão ela fica brava”, explicam – os wajãpi se chamam pelo grau de parentesco.

Há palavras que só as mulheres falam e outras que apenas os homens pronunciam.

‘Não fazemos festa sem beber’

Os wajãpi são festeiros. Celebram a pesca, a colheita, têm 57 celebrações diferentes. “Não fazemos festa sem beber. A festa é uma troca, de quem dá caxiri e quem vem cantar e dançar”. O caxiri, bebida fermentada à base de mandioca, é preparado pelas mulheres da aldeia.

Ele é usado também em rituais mais doloridos. As meninas, depois da primeira menstruação, recebem picadas de formigas “para ficar forte”. A mãe dá à filha o caxiri para não sentir dor e o pai – ou alguém que trabalha, é caçador e fala bem – busca e aplica a formiga.

“Eles mantêm o estilo de vida e os rituais. Mas também interagem, em especial os mais jovens”, diz Fiona Watson, da ONG Survival International, dizendo que eles são conscientes de que precisam se defender como podem.

Os wajãpi também têm escolas, postos de saúde e salas de reuniões.

Muitos falam português e, os que têm direito a usar armas de fogo fizeram em 2018 testes de tiro, avaliação psicológica e comportamental, sob a supervisão da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Uma wajãpi no governo Bolsonaro

Há também wajãpi no Exército e no governo Bolsonaro.

Silvia Nobre Wajãpi, de 42 anos, fez parte da equipe de transição do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e, em abril, foi nomeada secretária de Saúde Indígena.

Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, ela já foi moradora de rua, vendedora de livros, atriz, atleta, fisioterapeuta e primeira índia militar – entrou para o Exército em 2010.

O Ministério da Saúde informa, em seu site, que ela nasceu numa tribo wajãpi, no interior do Amapá. Aos quatro anos, sofreu um acidente e foi levada para a cidade a fim de ser operada.

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Ninguém esperava que, tantos anos depois, surgisse novamente o pesadelo das invasões de garimpeiros, disse professora da USP

Como não podia voltar para a aldeia, devido aos graves problemas de saúde, foi criada, inicialmente, por um professor que iniciou a alfabetização de Silvia. “Silvia sempre manteve os laços com o seu pai, cacique Seremete, na aldeia para onde volta uma vez por ano nas férias”, diz o Ministério da Saúde.

Apesar de terem conseguido manter o estilo de vida, tradições e rituais mesmo depois do contato com não-índios e, ao mesmo tempo, interagir com não-índios, Fiona Watson, da Survival International, alerta que episódios como as invasões recentes mostram que o povo wajãpi está em situação vulnerável.

“Ninguém esperava que, tantos anos depois, surgisse novamente o pesadelo das invasões de garimpeiros. Voltou à tona o medo das violências e da contaminação por doenças”, escreveu Dominique Gallois, da USP.

*Colaborou Nathália Passarinho

Arquivado em: Relações Humanas, Tradições Marcados com as tags: Amapá, Garimpeiros, Mineradoras, Povos amazônicos, Povos Originários, Wapãji

“Eles são contra nossa vida porque protegemos a terra que o avô deles queria roubar”

23 de julho de 2019 por Luiz Jacques

Coleção da fotógrafa Cláudia Andujar.

Davi Kopenawa: “Eles são contra nossa vida porque protegemos a terra que o avô deles queria roubar”

Por: Amazônia Real | 22/07/2019 às 19:42

Victoria Franco, especial para a Amazônia Real

Brasília (DF) – Na semana passada, o líder indígena Davi Kopenawa esteve em Brasília, junto a uma comitiva de lideranças da Terra Indígena Yanomami, para levar a mensagem de seu povo aos órgãos do governo federal. Com o Protocolo de Consulta Yanomami e Ye’kwana em mãos, os indígenas trazem as regras gerais que devem ser seguidas por qualquer empreendimento que pretenda se instalar em sua terra e afete as comunidades situadas no território, localizado entre os estados do Amazonas e de Roraima. 

O documento, que Davi Kopenawa definiu como “uma mãe para seu povo” — porque é à figura materna que se recorre para saber o que é necessário à manutenção da vida —, detalha as diretrizes do direito à consulta livre, prévia e informada, assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência da Organização das Nações Unidas (ONU), da qual o Brasil é signatário.

Junto com esse papel-mãe, os Yanomami e Ye’kwana também divulgam seu Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), construído coletivamente entre os indígenas ao longo de três anos. Ele representa o filho, a quem se explica tudo o que é importante à cultura yanomami: a forma de tomar decisões, o jeito de proteger a terra e de gerar renda, os conhecimentos tradicionais, a saúde e a educação. A existência de mãe e filho é o que garante que haja futuro para todos.

Nos documentos, os Yanomami e Ye’kwana contam sobre os imensuráveis custos humanos e ambientais que a invasão garimpeira historicamente causou na região entre 1987 e 1990. “Nosso território foi invadido por mais de 40.000 garimpeiros. Eles não nos consultaram previamente, fizeram as coisas sem nos perguntar”, diz um trecho do documento.

Mas, infelizmente, as ameaças e as graves violações de direitos que os povos da TI Yanomami sofreram não podem ser conjugadas no passado. E diante do contexto político atual, em que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) pretende desfazer as restrições vigentes à exploração minerária em Terras Indígenas, o cenário tende a piorar.

Davi Kopenawa, em entrevista exclusiva à agência Amazônia Real, fala sobre os impactos da maior invasão garimpeira já registrada, desde a demarcação da Terra Indígena Yanomami, à saúde do meio ambiente e de seu povo. O território foi homologado em 1992, com uma área de 9,4 milhões de hectares entre os estados do Amazonas e Roraima. Davi Kopenawa estima que atualmente existam de 10 a 15 mil garimpeiros ilegais dentro da Terra Indígena.

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Danos ambientais pela extração ilegal de ouro na TI Yanomami 
(Foto: Bruno Kelly)

Amazônia Real –A incidência de garimpo na Terra Indígena Yanomami é um fato histórico. Há muitos anos você luta contra a invasão do território e a contaminação dos rios e da população por mercúrio. Qual é o principal desafio para seguir nessa luta, neste momento em que temos um presidente da República apoiando a mineração em Terras Indígenas?

Davi Kopenawa – Eu falo sobre a ameaça ao nosso povo Yanomami e Ye’kwana. O garimpo, para mim, representa uma doença ao nosso povo. Uma doença que se chama leishmaniose — ela entra no corpo da pessoa e, se não cuidar, vai comer tudo. Há muito tempo já estou lutando contra o garimpo, estou atrás da exploração. Mas eu não vou falar do histórico, esse você já sabe. Quero falar de hoje — e hoje a luta continua. Lutar é uma ferramenta para defender o direito do povo Yanomami e Ye’kwana, para defender o direito da terra-mãe, da água que corre, do rio que passa na Terra Yanomami — o Uraricoera, Mucajaí, Catrimani e, no Amazonas,  o rio Paturi e Cauaburis. Eu olho para todos eles e tenho preocupação. O garimpo está sempre deixando a nossa vida triste. Vem deixando briga contra o empresário. Os garimpeiros começaram a aumentar em 2013. E eles não estão sozinhos; têm o empresário e o político por trás.

Amazônia Real – Quantos garimpeiros estima-se que estejam dentro da Terra Indígena hoje?

Davi Kopenawa – Eu calculo 10 ou 15 mil. Cada rio, cada calha, cada lugar tem garimpeiro — de Roraima ao Yaripo [Pico da Neblina, no Amazonas].

O povo Yanomami quer a expulsão dos garimpeiros (Foto: Bruno Kelly)

Amazônia Real – Como o garimpo afeta a saúde do povo Yanomami e Ye’kwana?

Davi Kopenawa – Primeiro, os garimpeiros colocaram as balsas. Em três calhas de rio, eles fizeram uma casa, como se fosse a aldeia deles. Fizeram uma casa de lona para dormir e começaram a encher de máquina. Máquina manual e até pequena, mas que consegue abrir muito buraco na terra. Com elas, eles cavam buraco de tatu — só que mais fundo —, derrubam barraco, põem as árvores no chão e usam mercúrio. O mercúrio envenena a grande alma do rio que passa na Terra Yanomami. Os invasores do garimpo voltaram para Boa Vista [capital de Roraima]. E a liderança não indígena acha bom que eles estejam extraindo a riqueza da terra. Isso é muito preocupante, é muita ruindade… Estraga lugar bonito, sadio, estraga água limpa. O peixe está andando bem agora, mas passa um ano e vem a doença. O mal vem: malária e todas as doenças que o napë [não indígena] carrega no corpo. É DST [doença sexualmente transmissível], HIV, o caminho da AIDS. Isso vai acontecer. E precisa da Polícia Federal, da Funai, do Ministério Público e aqui de Brasília, para ver se a autoridade vai entender e apoiar a luta para defender o direito do povo Yanomami e Ye’kwana. E o direito da terra. A cada ano, o número de garimpeiros está aumentando, isso é perigoso…

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Davi Kopenawa denuncia os crimes ambientais em evento em Manaus, em 2017
(Foto: Alberto César Araujo/Amazônia Real)

Amazônia Real – E com esse aumento, além das doenças que o napë traz no corpo, tem essas doenças que ficam na terra, como a contaminação do solo e do rio com mercúrio. Você percebe uma relação entre o aumento do garimpo desde 2013 e a incidência de problemas de saúde?

Davi Kopenawa – Estou preocupado porque as crianças que estão nascendo e crescendo perto de garimpo usam água do rio para tomar banho, para beber. Está acontecendo: a doença logo aparece na pele, que fica como se estivesse queimada de fogo. Com a contaminação dos rios, por mercúrio, a pessoa que toma banho fica com o cabelo fraco, caindo. Cabelo fica doente e o mercúrio entra na pele da pessoa. É assim que acontece na maloca Papiu e em outros lugares, acima da comunidade Waikás. Está crescendo a doença, e ela está atacando tudo. Não é só Yanomami; o peixe também está morrendo. Em 1986, com a construção da hidrelétrica de Balbina [Amazonas], aconteceu a morte dos peixes. Agora está se repetindo, o que para nós é muito ruim. Ruim para a saúde, para convivência do povo Yanomami que mora na beira do rio. Também estou pensando e falando: essa contaminação vai chegar na cidade. Porque o rio que passa na Terra Yanomami vai para Boa Vista, Caracaraí, Manaus, Belém… E vai engrossando, engrossando, até chegar no mar. A doença uma hora chega, napë vai ver. O Yanomami não vai morrer sozinho não. Vai morrer Yanomami, contaminado pelo garimpo, e peixe também. Vai aparecer a doença na cidade e a alma do rio vai ser contaminada. A água que o napëtoma parece limpa porque eles colocam remédio, mas na verdade não está boa para tomar. Eu não vejo isso, mas eu sonho. Sonhei e vi que a ruindade está se aproximando para atingir a nossa comunidade, e a cidade também. Bolsonaro, nosso chefe que o homem da cidade escolheu, eu nunca conversei com ele. Chefe do governo federal é nome bonito, no papel. Para escutar parece forte, mas ele só é forte se protege o país, que está em cima da terra. Quando a pessoa sabe administrar a nossa terra-mãe, a gente acha inteligente, honesto. Mas Bolsonaro é neto daqueles que há 500 anos vieram fazer sofrer os povos indígenas. A gente passou por tudo isso, e agora voltou.

Amazônia Real – Neste governo, qual a importância de vir a Brasília para comunicar o que querem para o futuro de vocês?

Davi Kopenawa – É importante a comissão Yanomami que está aqui em Brasília. Nós somos um povo, mas cada um tem uma língua — muito rica a cultura yanomami. Eu sou Yanomami, mas ainda tem Ye’kwana, Xirixana, Xamatari e outros estão incluídos nesse nome [Yanomami] também. Nós elaboramos um protocolo de consulta. É para o povo da cidade esse papel. Com ele, tem que fazer reunião, discutir, ouvir outra opinião, escutar o pensamento do povo Yanomami antes de sair derrubando tudo. Por eles, fazem sem nos escutar. A arma deles são esses projetos de construção, projetos de lei. Mas tem que ser planejado o que ele vai plantar, o que ele vai usar na terra — ou embaixo dela. Fazer um projeto de mineração, de barragem, de estrada, de criação de gado, tudo isso ele quer. Mas nos consultar, ele não quer. É por isso que não respeita, porque a vida do povo Yanomami atrapalha a destruição do planeta. O governo brasileiro pensa em destruir a natureza, em fazer projeto para ameaçar a floresta. Então decidimos fazer um protocolo de consulta para escrever o que a gente pensa, o que estamos vendo e sonhando. Para deixar claro como queremos a terra protegida, a água limpa, a saúde boa, a língua viva para continuar a criar nossos filhos. Eu conversei com a comunidade Watori-ki, Catrimani, com o pessoal da Surucucu, com parceiro Ye’kwana, Ajarani, do Xamatari e outros. Todos nós pensamos juntos para escrever. Primeiro fizemos o PGTA [Plano de Gestão Territorial e Ambiental]. PGTA é uma urihi [terra-floresta]. Urihi é uma floresta amazônica — Brasil inteiro já foi um dia também. PGTA é como a urihi porque traz a saúde, sabedoria, o sonho bom, ar limpo, a chuva para molhar a Amazônia e fazer viver o planeta Terra. Viver sem consultar, sem conversar, sem ouvir outra opinião é a arma do governo para matar a floresta e colocar a grande mineração, a barragem e o desmatamento no Brasil. Arma para criar boi e fazer plantação de soja, de cana e de outras coisas que já se tem plantado.

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Povos yanomami estão em risco com a invasão de garimpeiros
(Foto: Hutukara)

Amazônia Real – E além dessa arma do governo, que é a caneta, que é fazer projeto de lei e de exploração, o governo Bolsonaro está querendo ampliar as permissões para o armamento da população. Como o você acha que isso afeta o povo Yanomami e os outros parentes no Brasil?

Davi Kopenawa – A filosofia do governo parece uma bússola. Conhece bússola? É como se fosse um relógio, mas que vai apontando para uma direção — nesse caso, a direção do dinheiro. Pensamento deles é assim. Para nós, arma de fogo não é bom. 

Amazônia Real – Por que o pensamento deles é como uma bússola? Por que vai se norteando pelo interesse econômico?

Davi Kopenawa – O pensamento dele, para matar a terra, vai apontando para a riqueza. “Ah, eu quero isso, eu quero madeira”, eles pensam. E a bússola dele é a destruição. Porque tudo bem derrubar a floresta se for por dinheiro, esse é pensamento dele. Eles querem o que está embaixo da terra. Estão de olho nas pedras valiosas do subsolo. É por isso que Bolsonaro está falando muito; quer que os outros pensem como ele pensa. Mas arma de fogo não é proteção, é guerra. É para fazer guerra contra a floresta, e fazer guerra contra os povos indígenas. Não é para caçar, para comer, que eles querem arma. Querem chumbo forte para conquistar a cidade, para explodir nossos corpos. Estou achando que a guerra do passado vai acontecer de novo. Isso que eles querem: que a gente brigue entre nós para não sobrar ninguém para proteger a terra. É uma armadilha. Eles só querem que tenha napë [não indígena] vivo. Nós, indígenas, atrapalhamos o pensamento dele. A gente luta, proíbe garimpo, proíbe desmatamento e denuncia, pedindo apoio para quem gosta de proteger a terra também. Vamos reagir sem medo porque temos direito de defender a vida da terra, das águas, a vida da floresta. A gente faz isso, mas não é só para a vida do povo Yanomami não. É pela vida do povo da cidade também. 

Amazônia Real – E os indígenas, os parentes que apoiam o Bolsonaro, que se convencem com o discurso da mineração? O que você, como um importante xamã e liderança política Yanomami, diria para eles?

Davi Kopenawa – O jovem pode não saber direito o que é ruim para ele. Isso porque ele nunca viu a grande destruição, a grande poluição, a grande fome. Então os políticos tentam manipular os novos Yanomami. Tentam fazer acreditar que é mais fácil viver como napë, cheio de matohipë [mercadoria]. Mas a comida da cidade acaba, porque precisa de dinheiro para ela. A luz da cidade acaba. A televisão, o celular, a festa, a bebida também. 

Amazônia Real – É mercadoria a curto prazo e destruição do território, num caminho sem volta, a longo prazo.

Davi Kopenawa –  Mercadoria você pega na loja e depois acaba, ou vira lixo. A vida na floresta é livre. Aqui, na cidade, é presa pelo dinheiro. Se o jovem pensa que vai ter muita matohipë, pensa que o governo vai dar dinheiro para ele, está enganado. E a maioria do meu povo Yanomami não acredita mesmo nisso, tem conhecimento que o governo sabe enganar. Que eles querem o indígena caindo na rede deles, como se cai o peixe. E peixe que cai na rede, morre — não tem comida, não tem lugar para andar. Eles são contra nossa vida porque protegemos o pedaço da terra que o avô deles já queria roubar. O avô deles matou índio, destruiu a terra, mas eu consegui buscar a terra dos Yanomami de volta — esse é o meu papel. O governo não está respeitando a Constituição Federal. Não está lendo o que foi escrito. Ele esqueceu e agora está enganando milhares de pessoas. É mentira que está preocupado com o povo da cidade. Na verdade, só se preocupa em pegar nióbio, um mineral mais caro que ouro e diamante. Eles são muito mohote[ignorantes].

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Operação contra o garimpeiro na TI Yanomami são recorrentes (Foto: Bruno Kelly)

Amazônia Real – Tem mais algo que você queria completar nessa fala, Davi?

Davi Kopenawa – Eu vou completar um pouquinho a palavra, porque quero esclarecer o que é Protocolo de Consulta e PGTA. Protocolo de Consulta é mãe — assim que eu sonho e penso. Você consulta ele sobre tudo: terra, água, montanha, vida. Agora PGTA é o filho, que você faz e ensina a caçar. Precisa circular, andar muito, para pegar chuva, alegria, riqueza e trazer para nós, para fazer com que a gente viva bem no futuro. Nós escrevemos, discutimos, amarramos bem amarrado; está pronto. O nosso filho, PGTA, está cobrando do governo o erro que fizeram há 500 anos. O erro que matou a floresta, os indígenas, a caça… Que destruiu a água. Agora, índio Yanomami escreveu, para mostrar pra ele. Para ele relembrar os erros do passado e saber o que está devendo ao meu povo e à terra.


Victoria Franco é jornalista, formada pela Faculdade Cásper Líbero (FCL). Trabalhou para o Instituto Socioambiental (ISA), com pesquisa, produção de conteúdo e publicações sobre o tema povos indígenas no Brasil. Hoje, no Centro de Trabalho Indigenista (CTI), atua nas Terras Indígenas Jaraguá e Tenondé Porã, em São Paulo, pelo fortalecimento das atividades culturais guarani, como plantio, alimentação tradicional, gestão ambiental e territorial, autonomia política e circulação de saberes.

Arquivado em: Ecologia, Relações Humanas, Saúde, Sustentabilidade, Tradições Marcados com as tags: Destruição ambiental, Destruição cultural, Ética, Garimpeiros, Yanomami

Comunidades denunciam ameaças e ações violentas por parte de fazendeiros e madeireiros na região do Tapajós, no Pará.

3 de setembro de 2014 por Luiz Jacques

Descumprimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT   foi duramente criticado por representante dos Munduruku e da comunidade quilombola do Maicá, localizada em Santarém, que podem ser afetados por grandes obras portuárias e hidrelétricas.

 

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/534785-comunidades-denunciam-ameacas-e-acoes-violentas-por-parte-de-fazendeiros-e-madeireiros-na-regiao-do-tapajos-no-para

 

 

A reportagem é publicada por Terra de Direitos, 28-08-2014.

As denúncias de violência sofrida por lideranças comunitárias, ameaçadas por fazendeiros e madeireiros, foram a tônica do primeiro dia da Audiência Pública sobre a regularização fundiária e ambiental no Oeste do Pará, realizada nos dias 26 e 27 de agosto, em Santarém. Este é um dos principais problemas enfrentados pelas comunidades rurais, agravado pela insegurança do território, já que a regularização fundiária está estagnada na região.

O cacique Dadá Borari, representante do povo da Terra Indígena (TI) Maró, denunciou o intenso avanço da monocultura de soja às margens das terras. Além disso, alertou para a liberação de projeto de manejo de empresas dentro da área, com base no Cadastro Ambiental Rural – CAR, concedido pela Secretaria Estadual de Meio ambiente – SEMA, órgão que não compareceu à Audiência.

Por conta do enfrentamento feito pelo povo indígena à exploração ilegal de madeira, Dadá Borari passou a ser ameaçado de morte e atualmente recebe escolta policial – política prevista no Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH). Apesar da regularidade na proteção policial, Dadá aponta falhas na segurança por não considerar a proteção da família.

A ampla participação de representantes de órgãos responsáveis pela regularização fundiária e ambiental possibilitou que as comunidades reclamassem diretamente da inoperância e a lentidão dos governos federal e estadual. A espera pela titulação de territórios tradicionais quilombolas, por exemplo, chega a durar uma década.

Ione Nakamura, promotora de justiça agrária do Ministério Público Estadual do Pará, afirma que a apresentação das denúncias e demandas das diversas comunidades servirá para a elaboração de um levantamento das prioridades e definição da melhor estratégia do órgão, para atuação em parceria com o Ministério Público Federal e órgãos fundiários.

Para a promotora, a Audiência Pública atende o objetivo de divulgar as demandas da região. “Nós tivemos a oportunidade de ouvir várias lideranças aqui da região, relatando problemas de projetos de assentamento interditados, conflitos com madeiras, com a mineração, com o processo do agronegócio da soja na região, com os grandes projetos, como hidrelétricas, portos, projetos do governo federal aqui na região”.

A Audiência é promovida pelo Ministério Público Estadual, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – STTR de Santarém, Terra de Direitos e FASE.

Consulta prévia

O descumprindo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT foi duramente criticado por representante dos Munduruku e da comunidade quilombola do Maicá, localizada em Santarém, que podem ser afetados por grandes obras portuárias e hidrelétricas. A Convenção obriga que os governos estadual e federal realizem consultas prévias e leve em consideração a opinião dos povos afetados.

Quadro de violência no campo

De acordo com o Relatório de Conflitos no Campo da Comissão Pastoral da Terra – CPT de 2013, o Pará é vice-líder do ranking de assassinatos em situações de conflitos no campo em 2013, com seis mortes, ficando atrás apenas deRondônia, com oito assassinatos no mesmo período; 46 defensores de direitos humanos e lideranças comunitárias vivem sob ameaça no estado.

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Violência de garimpeiros contra os índios Yanomami se intensifica na Amazônia.

9 de agosto de 2014 por Luiz Jacques

A violência dos garimpeiros clandestinos contra os índios Yanomami tem se intensificado no norte da Amazônia brasileira. Na terça-feira (29), o porta-voz deles, o xamã Davi Kopenawa, foi obrigado a pedir proteção policial depois de ter recebido repetidas ameaças de morte.

 

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/533833-violencia-de-garimpeiros-contra-os-indios-yanomami-se-intensifica-na-amazonia

 

 

A reportagem é de Laurence Caramel, publicada pelo jornal Le Monde, e reproduzida pelo portal Uol, 01-08-2014.

(Nota do site – link da Folha onde se observa as imagens sobre os garimpos com sua destruição nas áreas indígenas: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/22638-garimpo-em-areas-ianomami#foto-360499)

Os garimpeiros voltaram a atacar há alguns meses as terras indígenas da região de Roraima, fronteiriça com a Venezuela e a Guiana. O governo brasileiro, em conjunto com os Yanomami, lançou uma vasta operação de repressão para expulsar as centenas de mineradores que estão destruindo a floresta e poluindo solo e água ao utilizarem mercúrio para extrair o precioso minério.

“Eles querem me matar, mas continuarei lutando porque minha missão é defender o povo Yanomami e sua terra”, afirma o líder indígena em uma declaração divulgada na Europa através da associação Survival, engajada na defesa dos povos indígenas.

A história das últimas décadas está repleta de conflitos entre os garimpeiros e as populações indígenas nessa parte da Amazônia. A demarcação do território dos Yanomami em 1992, após uma longa luta divulgada por campanhas internacionais, não garantiu a proteção à qual os indígenas poderiam aspirar. Os 96 mil quilômetros quadrados da reserva, que é considerada santuário ecológico, são alvo de incursões frequentes dos traficantes pelo ouro do subsolo, mas também pela madeira.

Davi Kopenawa é a figura emblemática da luta dos Yanomami e sua ação pela proteção da Amazônia é reconhecida pela comunidade internacional. Em 1991, ele foi indicado como uma das 500 personalidades recompensadas a cada ano pelo Programa das Nações Unidas pelo Meio Ambiente, através de seu prêmio “Global 500”.

Conquista dos recursos naturais

O destino dos Yanomami ilustra a situação preocupante de muitos dos povos indígenas da América do Sul que precisam enfrentar a cobiça provocada pelos recursos naturais contidos debaixo de seu solo. Seja por parte de grandes empresas mineradoras ou de operações clandestinas, ela coloca em risco a sobrevivência de populações, sendo que algumas delas até hoje nunca tiveram contato com as sociedades modernas. O Peru também tem enfrentado um fenômeno de garimpagem ilegal em grande escala na região de Madre de Dios.

A Comissão Interamericana dos Direitos Humanos lembrou, em um relatório publicado na terça-feira em Washington, que a exploração dos recursos naturais representa “a maior ameaça” para os povos isolados do subcontinente.

A demanda por madeira, petróleo e minérios tem gerado investidas crescentes nesses territórios indígenas, adverte o órgão independente criado em 1959 dentro da Organização dos Estados Americanos (OEA). Os Estados da região colocaram sob proteção 9 milhões de hectares onde vivem povos indígenas em situação de isolamento voluntário ou de contatos esporádicos.

Apesar dessa proteção, autorizações de acesso são concedidas pelos governos, violando os direitos dos povos indígenas, lamenta o relatório, que em nome da defesa da diversidade cultural lembra que contatos involuntários podem levar à extinção desses povos, em razão de sua grande vulnerabilidade a doenças contra as quais eles não são imunizados. Cerca de 10 mil indivíduos e 200 povos seriam afetados, segundo a OEA, que ressalta a dificuldade de se obter números precisos.

O estudo publica um mapeamento das concessões petroleiras feitas na região, mostrando frequentes sobreposições com as reservas indígenas. Outros exemplos incriminam frentes agrícolas ou atividades mineradoras no Paraguai, no Equador, no Peru e, é claro, no Brasil.

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No Pará, indígenas apreendem máquinas e expulsam garimpeiros.

4 de fevereiro de 2014 por Luiz Jacques

A noite mal havia chegado quando índios da etnia Munduruku atracaram na ribanceira de um garimpo localizado no Rio da Tropas, afluente do Rio Tapajós, na região oeste do Pará. Das cinco voadeiras, todas lotadas, saíram guerreiros, guerreiras e crianças, todos com um objetivo: expulsar garimpeiros ilegais da terra dos Munduruku.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/527881-no-para-indigenas-apreendem-maquinas-e-expulsam-garimpeiros

 

A reportagem é de Larissa Saud e publicada pelo blog Amazônia, 03-02-2014.

Logo na entrada do barracão, os indígenas depararam-se com dois dos 12 garimpeiros presentes no local. Pintados para guerra, os Munduruku foram firmes.

– Vocês tem dez minutos para ir embora. Pega as coisas de vocês, vão embora e não voltem mais. Isso aqui é terra dos Munduruku – ordenou Paigomuyatpu, chefe dos guerreiros, enquanto os garimpeiros arrumavam as mochilas e se preparavam para abandonar a área. Segundo os trabalhadores presentes no garimpo, os quatro pares de dragas, modelos MWM de 3 e 4 cilindros, utilizados para extração de ouro, pertencem a Alexandre Martins.

Conhecido como Tubaína, Martins também é dono de pelo menos mais dois garimpos na região, e deixara o local três dias antes da operação, exatamente quando os Munduruku iniciaram a vistoria na bacia do Tapajós.

– Ele [Tubaína] disse que ia lá pro outro barraco dele. Ele não tá lá, não tá aqui. Ninguém sabe – afirmou Mara Almeida, que cozinhava nos barracos para os garimpeiros de Tubaína. A ação se deu após inúmeras denúncias protocoladas em órgãos governamentais. Ozimar Dace, Munduruku membro do movimento e relator da operação, contou que os indígenas já haviam tentado retirar os pariwat (não indígenas) do território por meio do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional do Índio (Funai).

– A gente decidiu que essas autoridades nunca ia dar resultado pra gente. Eles nunca iam fazer isso pra gente poder viver sossegado. Eles davam o prazo de que eles iam dar resultado, mas isso nunca saiu. Então, por esses motivos, a gente decidiu resolver por conta própria.

A exploração ilegal de garimpo dentro da terra indígena Munduruku é antiga. Relatos remontam o início dessas atividades à década 1980. Uma história de ameaças, acordos com um pequeno grupo de lideranças e exploração da mão de obra indígena tecem uma teia que não beneficia a maioria do povo.

Segundo as comunidades locais, os garimpeiros têm causado vários problemas nas terras indígenas devido à exploração descontrolada. Poluição do rio, falta de peixes, desentendimentos e ameaças são os principais motivos apontados como estopim. Por essas razões, os indígenas estariam “tirando garimpeiros e tomando os seus maquinários”, explica Paigomuyatpu, chefe dos guerreiros Munduruku.

– Os garimpeiros já fizeram prejuízos demais no nosso território. Estamos evitando problemas, doenças e muitas coisas que estão acontecendo. A gente tá evitando isso aí pra nossa futura geração – acrescentou.

A fiscalização começou no dia 15 deste mês, durou quase vinte dias, e passou por vários afluentes da bacia do rio Tapajós, como Rio das Tropas, Kaburuá, Kadiriri e Kabitutu. No total, os Munduruku confiscaram doze dragas, que ficarão paradas por um mês nas aldeias, quando os indígenas decidirão o que fazer.

– Em relação aos garimpos, vai ficar parado. Depois vai passar um mês e a gente vai decidir o que vai fazer com o maquinário: se fazemos projetos para beneficiar a comunidade nas áreas onde já estão as máquinas. Mas nós precisamos de projetos alternativos de geração de renda para a comunidade, como criação de peixe, produção de farinha, extração de castanha, copaíba e mel. Precisamos do apoio da Funai – afirmou Paigomuyatpu.

Pressionada pelos Munduruku, a Funai apoiou a ação autônoma dos indígenas, financiando o combustível para as embarcações.

– Foi uma demanda deles, veio de uma pressão. Eles queriam de qualquer forma que isso acontecesse. A gente acha que tendo uma iniciativa que parta deles é até melhor, para que eles se entendam com os parentes e decidim que não vão mais permitir a entrada de garimpeiros – comentou Juliana Araújo, da coordenação da Funai de Itaituba.

De acordo com Juliana, desde quando chegou à região, em 2010, a Funai recebe denúncias dos munduruku sobre o garimpo ilegal na terra indígena. Em outubro do ano passado as denúncias foram reiteradas e encaminhadas para o ICMBio e Polícia Federal. Em 2012, uma operação na região teve efeito provisório porque depois houve o retorno dos garimpeiros. Por causa disso, foi sugerido à Funai trabalhar a conscientização dentro do plano de gestão.

– Não adianta só fazer a operação e depois alguns índigenas autorizam a entrada dos garimpeiros. A gente resolveu tomar um pouco mais de cuidado com isso. Tanto nós quanto o ICMBio, estamos com dificuldade pessoal. Tem só uma pessoa que é responsável por uma série de unidades Quando a gente vai fazer uma operação de monitoramento, tentamos chamar servidores de outros lugares, porque os servidores locais acabam sendo alvo dos garimpeiros.

O clima é tenso na região. Comunicando-se através de rádios, as lideranças descobriram que estão sendo perseguidas. Há uma lista com pelo menos cinco nomes de líderes indígenas marcados para morrer. O autor das ameaças seria Tubaína. Segundo um guerreiro Munduruku, ele comanda um grupo de pistoleiros com armas automáticas 765.

– Tubaína é temido na região e anda com rifle na mão direto dentro da aldeia, ninguém fala nada. Eu falei: ó, dentro da terra indígena, somente a Polícia Federal e a Funai e se for autorizado ainda pra andar armado – relatou Valmar Kaba. Além das lideranças, Tubaína também teria ameaçado o cacique da aldeia Posto de Vigilância (PV), Oswaldo Waro, e seu filho, João Waro. No último dia 19, os dois fecharam a pista de pouso da aldeia com galhos, paus e pedras para evitar que o garimpeiro retirasse as máquinas apreendidas.

– O Tubaína passou o rádio pro cacique e disse que quando o Oswaldo fosse pro trabalho dele, lá no Bananal, o Tubaina ia pegar ele e o filho dele – contou a indígena Leuza Kaba. Um dos trabalhadores expulsos pelos Munduruku, conhecido como Baixinho, informou que os garimpeiros de Humaitá e do km 180 da Transamazônica estariam planejando ir ao Tapajós para “se acertar” com os indígenas. Baixinho não revela seu nome verdadeiro. É franquizino e tem a fala mansa. Em uma mesa de bar, conta que há 14 anos, desde quando foi abandonado pela mulher, vive do garimpo.

– Só aqui na região trabalho há seis anos. O povo conta muita mentira sobre os garimpeiros. Falam muito do Tubaína, mas ele é uma pessoa boa e ajuda todo mundo- disse.

Ele se despediu dizendo que ainda vai voltar para tirar ouro dentro da área indígena. Alguns conhecidos contaram que Baixinho saiu do presídio há dois meses, que esteve preso por ter matado um homem a facadas em um garimpo próximo à aldeia Catõn, dentro da área indígena.

– E matou outro com um tiro de .20 bem aqui, nessa rua – diz um dos conhecidos dele. A reportagem não conseguiu fazer contato com Tubaína. Na sexta-feira (31), lideranças indígenas registraram na delegacia de Jacareacanga um boletim de ocorrência denunciando as ameaças do dono de garimpo e informaram a situação ao Ministério Público Federal.

Carta

Em carta, os indígenas dizem que não temem as ameaças de morte e que continuarão lutando por seus direitos.

“Carta VI – Carta do Movimento Munduruku Iperêg Ayû Nós, caciques, lideranças e os guerreiros (as), viemos através desta cumprimentar os senhores e as senhoras. Aqueles e as aquelas que apoiam o nosso Movimento Munduruku Iperêg Ayû.

Nós, guerreiros (as), fizemos a nossa fiscalização do nosso território. Tiramos e expulsamos os garimpeiros invasores do nosso território e apreendemos os seus maquinários. Agora eles estão nos ameaçando de morte, mas nós não nos intimidamos.

Esse é o primeiro passo. Vamos defender até o fim o nosso território, nosso rio, a nossa floresta, nossas riquezas e nosso povo. Essa é a nossa palavra. Finalizamos esta carta com muita paz e amizade. Sawe! Sawe! Sawe! Atenciosamente, Movimento Munduruku Aperêg Ayû. Aldeia Caroçal, Rio das Tropas, no Município de Jacareacanga, Oeste do Pará.

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