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Economia internacional

Canonizando Margaret.

15 de abril de 2013 por Luiz Jacques

“”Não existe esse negócio de sociedade. Existem apenas homens e mulheres individuais, e há famílias.” Foi com essa filosofia bizarra que Margaret Thatcher conseguiu transformar o Reino Unido em um dos mais brutais laboratórios do neoliberalismo”, escreve Vladimir Safatle, professor de Filosofia, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 09-04-2013.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519133-canonizando-margaret

 

Eis o artigo.

“Não existe esse negócio de sociedade. Existem apenas homens e mulheres individuais, e há famílias.” Foi com essa filosofia bizarra que Margaret Thatcher conseguiu transformar o Reino Unido em um dos mais brutais laboratórios do neoliberalismo.

Com uma visão que transformara em inimigo toda instituição de luta por direitos sociais globais, como sindicatos, Thatcher impôs a seu país uma política de desregulamentação do mercado de trabalho, de privatização e de sucateamento de serviços públicos, que seus seguidores ainda sonham em aplicar ao resto do mundo.

De nada adianta lembrar que o Reino Unido é, atualmente, um país com economia menor do que a da França e foi, durante um tempo, detentor de um PIB menor que o brasileiro. Muito menos lembrar que os pilares de sua política nunca foram questionados por seus sucessores, produzindo, ao final, um país sacudido por motins populares, parceiro dos piores delírios belicistas norte-americanos, com economia completamente financeirizada, trens privatizados que descarrilam e universidades com preços proibitivos.

Os defensores de Thatcher dirão que foi uma mulher “corajosa” e, como afirmou David Cameron, teria salvo o Reino Unido (Deus sabe exatamente do quê). É sempre bom lembrar, no entanto, que não é exatamente difícil mostrar coragem quando se escolhe como inimigo os setores mais vulneráveis da sociedade e quando “salvar” um país equivale, entre outras coisas, a fechar 165 minas.

Contudo, em um mundo que gostava de se ver como “pós-ideológico”, Thatcher tinha, ao menos, o mérito de não esconder como sua ideologia moldava suas ações.

A mesma mulher que chamou Nelson Mandela de ” terrorista” visitou Augusto Pinochet quando ele estava preso na Inglaterra, por ver no ditador chileno um “amigo” que estivera ao seu lado na Guerra das Malvinas e um defensor do “livre-mercado”.

Depois do colapso do neoliberalismo em 2008, ninguém nunca ouviu uma simples autocrítica sua a respeito da crise que destroçou a economia de seu país, toda ela inspirada em ideias que ela colocou em circulação. O que não é estranho para alguém que, cinco anos depois de assumir o governo do Reino Unido, produziu o declínio da produção industrial, o fim de fato do salário mínimo, dois anos de recessão e o pior índice de desemprego da história britânica desde o fim da Segunda Guerra (11,9%, em abril de 1984). Nesse caso, também sem a mínima autocrítica.

Thatcher gostava de dizer que governar um país era como aplicar as regras do bom governo de sua “home”. Bem, se alguém governasse minha casa dessa forma, não duraria muito.

Arquivado em: Notícias Marcados com as tags: Economia internacional, Governos e o poder econômico

Revelado elo entre escravidão e riqueza de ingleses.

31 de março de 2013 por Luiz Jacques

Pesquisa disponibiliza documentos inéditos com valores e nomes de donos de escravos que foram beneficiados com indenizações públicas após a abolição.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/517982-revelado-elo-entre-escravidao-e-riqueza-de-ingleses

 

A reportagem é de Maurício Hashizume e publicada pela agência Repórter Brasil, 27-02-2013.

Além do retorno financeiro obtido pelo próprio negócio da escravidão transatlântica (que funcionava de modo bastante similar ao de uma bolsa de valores dos dias de hoje), “investidores” privados da venda de pessoas ainda foram recompensados com grandiosas indenizações do governo inglês quando da abolição legal.

Dados tornados públicos a partir desta quarta-feira (27/02) em um arquivo na internet disponível para consulta revelam que quantias equivalentes a bilhões de libras esterlinas foram transferidas dos cofres públicos para “empreendedores” escravagistas, ou seja, muitas das fortunas de hoje estão diretamente ligadas à abolição da escravidão.

Pelos cálculos dos responsáveis pela pesquisa – centralizada na University College, de Londres –, nada menos que um quinto da riqueza dos britânicos da Era Vitoriana guardava relação com a escravidão. Entre os beneficiados, encontram-se, por exemplo, parentes do atual primeiro-ministro inglês, David Cameron, do Partido Conservador, assim como familiares do escritor George Orwell.

“Ao focalizar os proprietários de escravos, o nosso objetivo não é ‘nomear para envergonhar’ [‘naming and shaming’, na expressão em inglês]. Buscamos desfazer o esquecimento: a ‘re-relembrar’, como diz Toni Morrison, reconhecer as formas pelas quais os frutos da escravidão fazem parte da nossa história coletiva – incorporado em nosso país, nas casas de nossas cidades, nas instituições filantrópicas, nas coleções de arte , nos bancos comerciais e nas pessoas jurídicas, nas estradas de ferro, e nas formas que continuamos a pensar sobre raça”, explica Catherine Hall, pesquisadora-chefe da iniciativa, em artigo publicado no diário inglês The Guardian. “Proprietários de escravos estavam ativamente envolvidos na reconfiguração de corrida após a escravidão, popularizando novas legitimações para a desigualdade que permanecem parte do legado do passado colonial da Grã-Bretanha”, emenda.

O arquivo reúne 46 mil pedidos de “indenização” encaminhados por ex-donos de escravos ao governo britânico. São registros detalhados que, conforme descreve Catherine, “foram mantidos longe de todos aqueles que reivindicavam compensações” e que tinham sido sistematicamente estudados antes. Segundo ela, os documentos consistem em uma “nova luz” para se entender “como o negócio da escravidão contribuiu de forma significativa para a Grã-Bretanha tornar-se a primeira nação industrial”. O esforço de pesquisa vai de encontro, segundo a historiadora, ao desejo de homens e mulheres que almejavam que suas identidades como proprietários de escravos fossem esquecidas.

A exposição das entranhas políticas, econômicas e culturais da escravidão antiga se dá no mesmo contexto em que se fortalece um movimento nos países do Caribe (com Barbados à frente) que reivindica, junto aos governos das nações colonizadoras, formas de compensação pelos profundos danos causados pela exploração do comércio transatlântico de vidas humanas ao conjunto de ex-colonizados. Para a responsável pela pesquisa, o trabalho, que dá contornos mais palpáveis à dívida da “moderna” Grã-Bretanha com a escravidão “antiga”, tem o objetivo de contribuir “para uma compreensão mais rica e mais honesta das histórias conectadas do império”.

Marcação a ferro, prática recorrente nas antigas formas de escravidão (Foto: Reprodução)

Arquivado em: Corporações, Destaques, Globalização, Relações Humanas, Revolução Industrial, Saúde, Tradições Marcados com as tags: Economia internacional, Escravidão, Exploração social, Governos e o poder econômico, Grã-Bretanha, Inglaterra, Reino Unido, UK

”Os países do Brics dão uma lição”

26 de setembro de 2011 por Luiz Jacques

Onde está o centro do mundo? Em Paris, em Washington, em Londres ou em Brasília e Pequim? Até poucos anos atrás, a resposta era inequívoca: as três capitais ocidentais eram os núcleos do poder mundial. Hoje já não mais.

 

22/9/2011

 

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47652

 

O século XXI marca o fim da dominação ocidental sobre o resto do mundo e abre uma nova fase histórica que o economista francês Alexander Kateb define como “a segunda globalização dominada pelos países do Sul”. O Brasil e a China têm um papel central na reconfiguração econômica e moral dos centros de poder.

Em um brilhante ensaio sobre o grupo Brics, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Alexander Kateb analisa o modo como o centro de gravidade se deslocou para outras zonas do mundo e coloca o acento sobre o fracasso do modelo neoliberal e as ideologias neocolonialistas com as quais o Ocidente se apropriou do planeta. “Acabou a era em que as grandes potências ocidentais podiam decidir sozinhas o futuro do mundo”.

A crise financeira, o colapso da Zona do Euro e a intervenção do Brics para salvar a Europa demonstram a pertinência da análise do economista francês. Seu livro, As novas potências mundiais, por que os Brics mudam o mundo, destaca a “vingança” daqueles que antes eram considerados “os párias do mundo” sobre as chamadas democracias exemplares que hoje sucumbem aos excessos do sistema financeiro, a corrupção, a dívida e dos déficits.

Professor da Universidade de Ciência Política de Paris, diretor do gabinete de conselho e análise Competente Finance, Kateb é um dos primeiros ensaístas do Ocidente a observar a profundidade e a dimensão com que o mundo mudou de rumo sem que a imprensa tenha consciência disso.

A entrevista é de Eduardo Febbro e está publicada no jornal argentino Página/12, 20-09-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

O mundo virou de ponta a cabeça. Os emergentes ajudam hoje as potências ocidentais. É como se o santo ajudasse o diabo.

A crise financeira de 2008 acelerou um movimento de fundo que remonta aos anos 1980. Estamos assistindo ao fim de um modelo econômico dominado pelos Estados Unidos e os países ocidentais e ao surgimento de um mundo muito mais diverso, muito mais aberto, com vários pólos de potência. É um mundo onde os países não ocidentais pesam cada vez mais, e amanhã vão pesar de forma mui mais preponderante. A China será a maior economia mundial dentro de 10 anos e dentro de cinco anos ultrapassará os Estados Unidos na paridade do poder aquisitivo. Há uma profunda mudança em relação aos hábitos mentais e a tudo o que conhecemos nos últimos dois séculos. Eu chamo isto de “a grande convergência”. Os países emergentes, que se industrializaram mais tarde que o Ocidente, absorvem seu atraso e buscam influenciar os grandes temas do governo mundial, a economia, as finanças, o meio ambiente, a geopolítica e a segurança. Isto se pode explicar muito bem mediante a teoria econômica: quando um país se industrializa, tende a se equiparar aos outros países. Há então uma convergência. Esta convergência esteve bloqueada durante muitos anos por um sistema de dominação política como é o colonialismo.  Enquanto estes países tiveram os meios para resolver os problemas internos, em parte graças ao fato de que o Estado desempenhou um papel muito forte – tanto na China, na Índia, na Rússia e no Brasil – as dinâmicas se puseram em funcionamento. A China é hoje a locomotiva de toda a economia mundial.

Você ressalta algo muito forte quando diz que a situação atual põe fim a dois séculos de dominação ocidental.

Durante dois séculos, o Ocidente acreditou que dominava o mundo. No começo foi a Inglaterra, país onde nasceu a Revolução Industrial; depois vieram os Estados Unidos, que substituíram a Grã-Bretanha depois da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Finalmente, hoje nos damos conta de que foi apenas um momento na escala da história. Isso que se chamou de momento ocidental está se acabando graças ao avanço da China. É preciso recordar que, até o século XVIII, a China foi a maior economia mundial. Podemos dizer que se produz um giro muito grande e também, se situarmos o fenômeno atual sob a leitura de uma extensão histórica longa, um retorno à situação de dois séculos atrás.

A influência e o peso dos países emergentes ultrapassam em muito o âmbito econômico. Você observa que essa influência se estende a todos os campos.

Sem dúvida. Acontece que a economia é o pilar: se não houver uma economia poderosa, não se pode desenvolver a independência e a influência. Mas o peso demográfico e territorial desses países, seu impacto no meio ambiente mundial, nos recursos naturais, os torna indispensáveis no jogo da economia mundial, e isso lhes oferece uma legitimidade para atuar em outros campos. Esses países projetam sua potência tanto em nível regional como mundial. Observe a particularidade do Brasil: durante dois séculos, o Brasil viveu fechado em si mesmo, mas a partir dos anos 1970 e, sobretudo, com o retorno da democracia, o Brasil tem a vontade de se colocar como modelo de desenvolvimento do Sul.

Você adianta uma ideia nova quando escreve que entramos na fase 2 da globalização, uma globalização dominada pelo Sul.

Esta globalização 2 é diferente da primeira porque os países do Sul não têm a mesma história que os países do Norte, não viveram os mesmos traumas. Os países do Sul aprenderam a lição. Por isso, hoje, a sensibilidade desses países sobre as questões mundiais, do meio ambiente, do comércio, em suma, tudo o que diz respeito a esses temas estratégicos, os leva a analisar as coisas de uma forma muito diferente. Isso é o que o Brasil quis fazer em 2003 durante a Conferência de Cancún sobre o meio ambiente; isso é o que a China está fazendo agora quando propõe a saída do dólar e a criação de uma moeda internacional. São sinais de que estes países buscam mudar a natureza profunda dos intercâmbios mundiais. Trata-se de uma visão que deseja aliar os interesses do desenvolvimento com os interesses comerciais. Trata-se de uma lógica muito diferente da que constatamos durante todos estes anos de neoliberalismo triunfante, isso que surgiu no Consenso de Washington. A última manifestação dessa visão neoliberal é a Organização Mundial do Comércio. A OMC liquidou todas as preferências para os países em desenvolvimento que ingressaram no organismo e acabaram caindo em sua armadilha.

Como se explica a ajuda que os países do Brics vão dar à Europa?

Os países do Brics estão em posição de força, começando pelo simbólico: eles têm agora uma saúde econômica muito mais importante que os Estados Unidos ou a Europa. São estes países que hoje dão uma lição quando há alguns anos eram considerados como os párias da economia mundial. Têm então uma grande legitimidade. Sem dúvida, se o grupo Brics se dispõe a ajudar a Europa é devido a que isso também ajuda o grupo. Ajudando a Europa, apóiam suas economias. Ainda não são suficientemente fortes para dispensar os países ocidentais. Os países do Brics estão preparando seu lugar na nova ordem mundial que está se configurando.

Há uma profunda ironia em tudo isso. Excetuando a China, os países do Brics foram os mais endividados e agora são eles que aparecem como os salva-vidas de um sistema internacional que antes os asfixiou.

Realmente, há nisto uma grande ironia da história, ao mesmo tempo que reflete um vício de funcionamento fundador na ação do Fundo Monetário Internacional. A filosofia inicial do FMI consistiu em ajudar os países a corrigir sua balança de pagamentos e recuperar a estabilidade sem transtornar com isso sua estrutura econômica. Mas, nos anos 1980, o FMI mudou e se converteu no grande policial que conhecemos, salvo, é claro, para os grandes países como os Estados Unidos, que acumularam déficits sem que o Fundo movesse um dedo. Mas foi graças às crises que os países emergentes conseguiram se distanciar do FMI e ser independentes, ao mesmo tempo que os países ocidentais continuavam se afundando. O presidente argentino Néstor Kirchner teve um gesto muito forte quando reembolsou o FMI. Na mesma época, o presidente russo, Vladimir Putin, pagou adiantado ao Fundo e os demais países emergentes fizeram o mesmo para se livrar das garras do FMI. A decisão de Kirchner foi tanto mais corajosa, medida em que, durante anos, o FMI manteve a Argentina em seus braços e isso não fez mais que levar o país a um beco sem saída. A saída de helicóptero de Fernando de la Rúa foi não apenas o símbolo do fracasso de um país, mas também de um sistema de pensamento. Kirchner teve a audácia de marcar simbolicamente a ruptura com a antiga ideologia. Todos os países que se distanciaram do FMI conheceram depois um sólido período de crescimento.

Kirchner na Argentina, Lula no Brasil… houve uma convergência regional histórica.

Lula esteve em todas as lutas da esquerda brasileira contra a ditadura, e quando foi presidente agiu de maneira muito responsável: não rompeu com todos os acordos internacionais, reembolsou a dívida com o FMI e ao mesmo tempo conservou os benefícios do período de estabilização. Lula entendeu que se o Brasil quisesse se projetar para o futuro não deveria cometer os erros do passado, ou seja, a crise da dívida provocada pela ditadura e toda a dependência com o FMI que veio depois. Lula provou que era possível conciliar desenvolvimento econômico e democracia.

 

Para ler mais:

  • ”Que substituirá a social-democracia”?, pergunta Immanuel Wallerstein
  • As raízes mutantes do neoliberalismo
  • Globalização prêt-à-porter
  • Ideias que podem salvar o capitalismo
  • O mal-estar dos nossos dias

Arquivado em: Notícias Marcados com as tags: Brasil, BRICs, Economia internacional, Galobalização, Terceiro Mundo

Globalização prêt-à-porter

12 de setembro de 2011 por Luiz Jacques

As receitas para sair da crise oscilam entre um liberalismo light ou um liberalismo ainda mais radical do que o que produziu o calote de algumas economias nacionais. A reportagem é de Benedetto Vecchi e publicada no jornal Il Manifesto.

  
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47286

 

04-09-2011. Tradução de  Moisés Sbardelotto.

 

Mais de uma vez foi decretada a sua morte nos últimos dez anos. O primeiro anúncio da sua morte foi dada pelas armadas imperiais norte-americanas com a invasão do Afeganistão em resposta ao ataque às Torres Gêmeas. Pouco importava se, nas operações militares afegãs, estavam envolvidos muitos voluntários não americanos.

O 11 de setembro tinha deixado claro que a globalização era a realidade em que homens e mulheres viviam, mas a ordem devia para ser retomada, restaurando um sistema tradicional de relações estatais centrado, é claro, nos Estados Unidos.

Depois, ela foi trazido de volta à vida quando essas mesmas forças armadas, tendo cumprido a tarefa que lhes havia sido dada, apontaram para o Iraque. Nessa ocasião, a coalizão militar e política só podia ser global, porque o que estava sendo ameaçado era o estilo de vida ocidental que se tornou hegemônico e, justamente, global.

De outro lado, a globalização era avaliada tanto como expressão da tendência marxiana cosmopolita do capital, quanto possibilidade de construir uma alternativa ao liberalismo que ignorava as fronteiras para fazer lucro. O pior ainda estava por vir. E quando a avalanche dos títulos tóxicos investiu sobre o mundo, uma das primeiras vítimas anunciadas foi sempre a globalização.

Em nome do Estado

Mas a globalização não é um fenômeno natural. É o resultado de uma transformação do mundo que não envolve apenas a atividade econômica, mas também as relações sociais, como fica claro no ponderado ensaio do estudioso inglês Luke Martell, Sociologia della globalizzazione (Einaudi, 406 páginas). O que se modificou, junto com o modo de produção, foram a cultura, a mídia, as migrações. Uma transformação irreversível de contornos ainda muito diferentes dos tracejados pela ensaística dominante.

O Estado, de fato, não desapareceu. Quando muito, o seu papel é que foi modificado, tornando-se a “interface” entre a dimensão nacional e a global. A cultura, isto é, aquele aspecto da vida social que reflete as relações sociais, apresenta tanto características de homologação, quanto de forte diferenciação, elevando o pastiche a elemento constitutivo das identidades sociais.

Por fim, é repudiado o dogma com base no qual o livre mercado, ou melhor, o capitalismo não pode se desenvolver na presença de um Estado que intervém tanto como fator regulador, quanto na qualidade de empreendedor na atividade econômica. O testemunho disso é a ascensão dos países do chamado BRIC, ou seja, Brasil, Índia e sobretudo a China.

Portanto, havia um elemento que despertava a suspeita de que o anúncio da sua morte era duvidoso: quem havia decretado a sua morte eram aqueles mesmos órgãos supranacionais que a haviam incensado até poucos meses antes. E quando em um turbilhão de encontro de nomes sempre mais em código – G7, G8, G22, G2 – foi estabelecido que o anúncio do seu desaparecimento havia sido muito prematuro, porque as soluções para a crise só podiam ser globais, a certeza de que a globalização era um “significante vazio”, como Slavoj Zizek gostava de repetir, nunca mais foi contestada.

Isto é, podia ser preenchido com todas as outras concepções, visões de mundo, relações entre classes, fatores geopolíticos, de sinuosas e performativas concepções sobre a presença de uma cultura homologada e homologante vigente tanto em Tóquio, quanto em Nairóbi. A globalização era representada como uma fênix, porque sempre ressurgia das cinzas. E, no entanto, nos centros de estudos neoliberais, um sentimento de embaraço, de arrependimento fez o seu caminho, que envolveu estudiosos, homens políticos impulsionados pela urgência de imolar a globalização no altar do livre mercado. Ou seja, o capitalismo só podia ser salvo matando a globalização.

A lista dos arrependidos da globalização é muito extensa. Ali podemos encontrar o nome de Giulio Tremonti, convertido aos valores sempiternos do trabalho (assalariado), da família e da comunidade territorial, mas teórico de um rigor que tem como seu guardião consciente aquela Europa monetária que também tem muitas responsabilidades na determinação da situação atual.

Mas também podem ser encontrados outros nomes, pouco conhecidos na Itália, mas muito influentes nos seu países, como Richard A. Posner, juiz da Suprema Corte norte-americana por vontade de Ronald Reagan, que mandou imprimir um livro apresentado como uma séria e rigorosa autocrítica sobre o seu pensamento em favor da globalização. O título já diz tudo – Un fallimento del capitalismo, edições Codice, 218 páginas –, mesmo que as conclusões não deixem dúvidas sobre a vontade do autor de salvar justamente aquele american way of life ameaçado precisamente pela globalização.

Com um estilo seco, às vezes frio, o jurista norte-americano elenca todos os elementos que podem contribuir para o colapso do capitalismo: as finanças liberalizadas, a anulação de fato do direito do trabalho, uma modificação das relações de força na sociedade em favor das empresas. Uma vez identificadas as causas que alimentam a crise social, Posner desloca a atenção sobre o fato determinante do declínio da economia made in USA: a abdicação do Estado-nacional na regulação da atividade econômica.

A leitura do livro cria uma certa perplexidade, como se tivéssemos em nossas mãos o texto de um keynesiano “radical” ou de um populista de esquerda europeu. O aspecto mais interessante não é tanto as receitas que Posner propõe – ética do trabalho, respeito pelos direitos dos trabalhadores, um protecionismo light –, mas sim a descrição de como mudou a forma-Estado norte-americano em mais de 20 anos.

Desse ponto de vista, ele desenvolve uma tese segundo a qual o neoliberalismo não é uma verdadeira teoria econômica, mas sim uma espécie de ideologia que visa a legitimar o capital financeiro. Daí as decisões tomadas por diversas administrações, incluindo as do democrata Bill Clinton, que modificaram as leis que regeram a sociedade norte-americana desde os anos 1930.

Os predadores da riqueza social

Se fosse só isso, o neoliberalismo poderia ser remetido para a história como um breve parêntese do desenvolvimento capitalista, redimensionando o poder do capital financeiro. Mas se uma coisa emerge da atual crise econômica é o forte cruzamento entre produção e finanças, a ponto de que lembrar aquele convite, ou melhor, método para analisar o capital como uma totalidade é um bom antídoto para o rumor de fundo produzido por aqueles que, ao contrário, continuam invocando as virtudes da economia real (capitalista) contra o caráter parasitário das finanças.

Diferentemente do passado, porém, as finanças não são apenas um aspecto do capitalismo, mas sim um verdadeiro instrumento de governança das sociedades contemporâneas. A chamada financeirização da vida social, que tem caráter predatório da riqueza social produzida, é o verdadeiro fator que detém o centro da cena, embora Posner não consiga captá-lo, por estar perdido pelo fato de que, embora seja um dos seus guardiões, a anglo-saxônica rule of law conseguiu desmantelar o quadro normativo que surgiu da Grande Depressão dos anos 1930, que garantiu ao capitalismo 30 anos de desenvolvimento econômico ininterrupto.

A irreversibilidade da globalização obriga a lidar com as características do capitalismo contemporâneo, a frequentar, portanto, os ateliês contemporâneos da de produção. Uma descida aos infernos do trabalho assalariado, que tem as etapas na indústria cultural, na pesquisa científica, na universidade, na produção de software, nas fábricas globais, todos locais produtivos onde o cruzamento entre finanças e produção é fator constitutivo. E onde também é imanente a financeirização dos serviços sociais. E esse é o cenário em que é preciso colocar o livro do economista Dani Rodrick La globalizzazione intelligente (Yale University Press, 380 páginas).

Dani Rodrick é um liberal que ainda nos anos 1990 havia questionado se o Consenso de Washington poderia garantir a estabilidade e o desenvolvimento econômico. E no rastro desse razoável pessimismo, ele convida a olhar a realidade produzida em 10 anos de desregulamentação. Precariedade generalizada, degradação ambiental, guerras comerciais ou militares. No entanto, para enfrentar esses problemas, não há possibilidade de um retorno ao passado. O caminho a ser buscado, defende Rodrick, é uma redefinição das tarefas do Estado-nacional e dos órgãos supranacionais, como o Banco Mundial, o FMI e a OMC, dentro de um quadro de uma “democracia cosmopolita”, centrada no protagonismo de uma sociedade civil global e de um renovado compromisso entre capital e trabalho.

Tese não muito distante daquela desejada por um outro liberal norte-americano, Robert Reich, no livro Aftershock (Ed. Fazi, 208 páginas). Esses últimos dois estudiosos também invocam uma espécie de engenharia institucional para endireitar o lenho torto da globalização: Rodrick, para garantir a manutenção do vínculo social mediante uma política redistributiva gerida com atores sociais e políticos locais e globais; Reich, para atenuar as desigualdades sociais na identificação, na classe média, da cola da sociedade norte-americana.

Em todo o caso, a globalização continua sendo sempre um “significante vazio”, que pode ser preenchido como melhor se creia. Desse ponto de vista, a obra de Luke Martell publicada pela Einaudi é um dos melhores instrumentos para compreender os diversos valores que foram dados ao termo, dentro de uma perspectiva que não envolve só a atividade econômica, mas também o papel da mídia como produtora de legitimidade à globalização, mas também como nuvem informativa onde os movimentos sociais expressam pontos de vista antagônicos aos dominantes.

Permanece sem resposta, no entanto, uma pergunta implícita em todos os livros aqui assinalados: qual é o futuro da globalização? A crônica continua restituindo um panorama desolador da crise econômica se a atenção se concentra na Europa ou nos Estados Unidos. Diferente é o caso para países como China, Índia, Brasil e a América Latina, onde o impacto da crise foi, certamente, menor, se não irrelevante, na vida desses países. No entanto, com relação ao velho continente e aos EUA, o paradoxo dominante é que a saída da crise da globalização liberal ocorre sob os auspícios de um liberalismo ainda mais radical.

A questão, por exemplo, da dívida soberana é usada para dar início a um processo de privatização de alguns serviços sociais que havia sido rejeitada no âmbito da OMC não mais do que cinco anos atrás. Ao mesmo tempo, a completa desregulamentação do mercado do trabalho é assumida como objetivo estratégico por muitos dos governos do velho continente, independentemente das diretrizes em favor de medidas de proteção do emprego chamado atípico tomadas pelos órgãos de governo de uma Europa monetarista com o fim de “temperar” os efeitos das políticas liberais da década anterior.

A jaula a ser destruída

É isso, portanto, o que está em jogo. Sair do liberalismo em crise acentuando as suas características? Além de combater social e culturalmente, é uma possibilidade que reproduziria os mesmos mecanismos que levaram à crise. Mas também é duvidoso que possam corrigidos alguns de seus aspectos, deixando inalterado o conjunto, como muitos dos autores aqui assinalados propõem. E certamente não é desejável esperar até que a noite passe, esperando o fracasso dos governos conservadores ou de direita e o retorno de coalizões progressistas capazes de retomar aquele percurso, embora temperado, que levou justamente à sua atual crise. E também são risíveis os remédios homeopáticos como uma desglobalização que restaure a velha e cara soberania nacional ou um decrescimento que legitimaria o empobrecimento relativo que atingiu o velho continente e os Estados Unidos.

Portanto, é preciso voltar àquela crítica da economia política que assuma o capital como relação social na sua totalidade. Totalidade é certamente uma nota destoante para um pensamento crítico que queira inovar um corpus teórico que quase foi sufocado com totalidade. Mas é um risco que deve ser percorrido para romper aquela jaula de aço que legitima a apropriação privada de uma riqueza produzida socialmente.

Da Terceira Via ao globalismo cético

Luke Martell é um professor da Universidade de Sussex. Esse Sociologia della globalizzazione é o primeiro dos seus livros traduzidos na Itália, apesar de a sua bibliografia ser rica em ensaios e textos dedicados ao New Labour, à chamada “terceira via” de Tony Blair e às perspectivas nacionais e globais do “socialismo democrático”.

Dani Rodrick ensina economia na John. F. Kennedy School junto à Universidade de Harvard. Um livro anterior seu (Has Globalization Gone Too Far?) foi considerado um dos textos mais significativos daquele “globalismo cético”, que influenciou muito, subterraneamente, a discussão pública nos Estados Unidos.

Robert Reich é outro economista liberal norte-americano que, pelos seus livros, foi muitas vezes julgado como um entusiástico defensor da globalização. Aftershock pode ser considerado como uma segunda etapa de uma autocrítica, que iniciou com Supercapitalismo (Ed. Fazi) em comparação com as posições expressas no livro L’economia delle nazioni (Sole 24 Ore) publicado no início dos anos 1990.

Richard A. Posner, autor de Un fallimento del capitalismo (Ed. Codice) é juiz da Suprema Corte norte-americana. Conservador desde sempre, criticou a globalização fortemente nos últimos anos, considerada como o fator desencadeador da “crise da democracia capitalista”, como afirma um artigo anterior seu publicado pela Universidade Bocconi.

Para ler mais:

  • Economia e gratuidade
  • Comum, comunidade, comunismo: três palavras de um projeto em construção
  • O bem comum sob o viés franciscano: uma resposta à crise econômica?
  • Um breve genealogia dos ”bens comuns”
  • A moral do lucro
  • Ideias que podem salvar o capitalismo
  • Reciprocidade, fraternidade, justiça: uma revolução da concepção de economia. Entrevista especial com Stefano Zamagni
  • Por uma sociedade convivial. Entrevista com Alain Caillé
  • Convivialismo para mudar o mundo
  • Economia de comunhão: uma proposta de mudança econômica. Entrevista especial com Luigino Bruni
  • ”Eficiência e justiça não bastam para assegurar a felicidade”: o valor do dom na economia. Entrevista especial com Stefano Zamagni

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