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O mito dos orgânicos. Revista Exame de 28.12.2006 - Edição 884 Dois grandes apelos dos produtos orgânicos, o de fazer bem à saúde e o da produção ecologicamente sustentável, entram na mira de críticos.
Estufa de tomates orgânicos nos Estados Unidos: sob investigação Por Gustavo Paul – EXAME Um dos mais espantosos fenômenos de marketing dos últimos anos vem sendo protagonizado pelos produtos orgânicos, cultivados sem uso de agrotóxicos, insumos químicos e fertilizantes. Com o duplo apelo do modo de vida saudável e do respeito à natureza, esses produtos, especialmente os alimentos, deixaram a antiga aura de "naturebas", consumidos quase exclusivamente por hippies e simpatizantes, para conquistar as prateleiras de supermercados, as linhas de produção das grandes empresas e uma legião cada vez maior de consumidores. O sucesso do mercado orgânico e seu potencial de crescimento futuro fizeram com que ele ganhasse a escolta de corporações como Unilever, Danone, Coca-Cola e Cargill, que passaram a ver na marca uma nova fonte de lucros bem nutridos. O leque de oferta dos produtos também se abriu -- além dos tradicionais legumes, verduras e frutas, já se vende vinho, café, cacau, carne, leite e até cosméticos orgânicos. Seu conjunto de propaladas virtudes fez com que os analistas de marketing os incluíssem entre as tendências mais fortes de evolução da área de consumo. A enorme visibilidade que inevitavelmente acompanha o sucesso, porém, tem produzido os primeiros arranhões numa imagem até então imaculada. Neste momento, em plena efervescência do fenômeno -- traduzido numa movimentação mundial de 30 bilhões de dólares, que se expande à taxa de 25% ao ano --, surgem os primeiros questionamentos sobre os pilares de sustentação do apelo orgânico.
O segundo questionamento diz respeito à reputação que acompanha os orgânicos desde seu início, na década de 30: a de que eles, por definição, fazem bem à saúde. "Os orgânicos são bons, mas não representam a eliminação dos riscos que todo alimento tem, seja ele tradicional ou não", afirma a agrônoma Luciana Di Ciero, pesquisadora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo. Desde setembro, um produto orgânico está sob investigação na FDA, a agência americana de controle de alimentos e remédios, depois que centenas de pessoas foram intoxicadas pela bactéria E. coli, presente em lotes de espinafre livre de agroquímicos. Ainda não há provas de que a contaminação tenha sido causada pelo descuido na produção, mas uma morte e dezenas de internações serviram de alerta para as autoridades sobre a necessidade de informar melhor os consumidores quanto aos riscos que envolvem tais alimentos. (Leia parecer do FDA sobre o caso, em inglês). Um artigo publicado na edição de setembro de 2006 da revista americana Nature Biotechnology também apontou a maior presença de toxinas -- fungos e bactérias -- nas plantas orgânicas, o que aumenta o risco de infecções e outras doenças. A razão é óbvia: sem uso de fungicidas e inseticidas não há como evitar sua proliferação se a produção não seguir critérios rígidos de adubação e rotatividade de culturas, por exemplo. "Quando o produto é orgânico, o consumidor deve aumentar ainda mais os cuidados, lavando-o de cinco a seis vezes com água sanitária, porque se a planta tiver algum tipo de furo ela sempre terá fungos", diz o médico José Alves Lara Neto, vice-presidente da Associação Brasileira de Nutrologia. "Um orgânico mal lavado pode contaminar outros alimentos”. Em 2003, a Agência de Segurança Alimentar do Reino Unido fez um teste com seis tipos de milho orgânico e com 20 convencionais, e constatou que todos os produzidos sem agrotóxico apresentavam elevados níveis de contaminação por fumosina, toxina que pode causar má-formação de fetos. Eles foram retirados do mercado. |