Revista “TIME”, 26.05.97  

OS  FILHOS  DO PROGRESSO  

Special InvestigationTIME/CNN/IMPACT

                                                                                                Mark Feldstein e Steve Singer

 

BROWNSVILLE/TEXAS/USA

 

Poderiam resíduos tóxicos gerados por fábricas norte-americanas instaladas no México, ser transferidos para além de suas fronteiras e agredirem o ambiente de cidades no Texas ?

 

                                                A foto é, no mínimo, tão triste como terrível. Mas para Janet Ramirez é um verdadeiro tesouro. Ela é a mãe que está ali, vestida com um uniforme branco de hospital, e que aninha seu pequeno bebê, chamado Maria Guadalupe, em seus braços. Só se apurarmos nossa visão e olharmos bem de perto é que vamos constatar que a face deste pequeno bebezinho, na verdade, estampa a máscara da morte. Um capuzinho cobre, discretamente, um profundo vazio que ela tem na parte posterior de seu cérebro.

 

                                                Faz, mais ou menos, uns cinco anos que uma praga avassaladora varreu a cidade texana de Browsville. Matou e deformou dezenas de crianças recém-nascidas. De 1988 a 1992, vinte e cinco (25) bebês nasceram com a lesão espinha bífida, a coluna vertebral, destas crianças, estava expondo sua medula. Mais de trinta (30) não tinha a massa encefálica em seus cérebros. Esta lesão é, tecnicamente, chamada de anencefalia. “É como se alguém tomasse uma faca e abrisse um tampão na caixa craniana do bebê”, diz o clínico texano de Brownsville, Manuel Guajardo.

 

                                                A causa desta epidemia, mesmo com a massiva investigação conduzida pelos CDC’s (US Centers for Desease Control – Centros de Controle de Doenças dos USA) e pelo Texas Department of Health (Departamento de Saúde do Texas), nunca foi detectada. Apesar disto, as famílias das crianças mortas entraram na justiça com processos responsabilizando a poluição gerada pelas indústrias norte-americanas, instaladas na cidade mexicana, pesadamente industrializada, de Matamoros, colada na linha de fronteira entre USA e México. Os réus, em sua totalidade, negaram ser os causadores desta epidemia de deformidades infantis. No entanto, sintomaticamente, logo após a audiência judicial ter sido marcada para 1995, a última das acusadas a fazer acordo com as partes, já ia ajuizando a suspensão da ação. Pagaram um total de US$ 17 milhões de dólares às famílias das vítimas. Um preço, diz Jeff Roering, representante de muitas destas fábricas instaladas no México, que poderia ter lhes custado muitos milhões de dólares a mais, caso não tivesse evitado processos que poderiam ter jurados muito emocionais.    

 

                                                Muitas companhias insistem em afirmar que estão operando e produzindo de acordo com as leis ambientais dos USA, mesmo quando atuam fora de suas fronteiras. Como declarou um dos executivos das transnacionais ao depor em 1994: “Nossas instruções são de alinhar nossa planta fabril aos .... padrões norte-americanos”. Isto pode até ser verdade nos dias de hoje, depois do processo de descontaminação feito por muitas das transnacionais em seus espaços industriais degradados. Passaram a proceder assim após a eclosão das deformidades infantis que começaram a regredir no momento em que foi iniciado este processo de saneamento. Documentos internos das empresas e testemunhas arroladas para o julgamento, obtidos pelo programa Impact, da rede de tevê CNN, sugerem que as corporações norte-americanas vinham utilizando esta região fronteiriça do México como seu lixão particular onde se desfaziam de seus entulhos.

 

                                                Em torno de cem (100) transnacionais norte-americanas –alcunhadas de maquiladoras – abriram fábricas em Matamoros. Foram em busca das vantagens da mão-de-obra barata do México e para se evadir dos tributos dos USA. Percebe-se que também levaram vantagens dos frouxos regulamentos ambientais ao contaminarem a região com resíduos perigosos.

 

                                                Dentre os réus, neste caso, estão:

 

-         General Motors – a indústria de automóveis transferiu três de suas fábricas para Matamoros onde vendeu, admitido por um de seus executivos em memorando interno de 1989, barris com resíduos tóxicos para um reciclador de metais. “É uma direta violação da lei”, escreveu o dirigente. Um estudo sobre a GM detectou solventes, potencialmente cancerígenos e agressores aos fetos em desenvolvimento, em seus efluentes líquidos. Além disto, outros documentos mostram que a GM empregou três a quatro vezes maiores volumes de solventes, no México, do que em sua fábrica de Dayton em Ohio/USA. “Em Dayton seria intolerável”, destaca um memorando manuscrito da própria transnacional. Em depoimento feito pela indústria em 1995 foi comunicado de que isto foi tolerado, ao longo da fronteira, porque o ar estava consideravelmente mais limpo e assim não havia exigência de medidas especiais de controle da poluição;

-         Kemet Eletronics – indústria originária de Greenville, Carolina do Sul, utilizou milhares de toneladas por mês de um produto organoclorado que gera cânceres em animais de laboratório, em sua fábrica mexicana de Matamoros. Em 1988, um de seus consultores constatava que resíduos deste organoclorado, transportados pelo ar, estava trinta (30%) por cento a mais no México do que sua fábrica na Carolina do Norte. Mais tarde, outro estudo sobre a Kemet detectou o mais alto nível de contaminação com este produto tóxico nas proximidades de uma escola das redondezas;

-         Trico – a companhia deslocou sua fábrica de limpadores de pára-brisas de Buffalo, New York – onde despediu mais de mil (1.000) trabalhadores - para a cidade mexicana de Matamoros. Em depoimento de 1994, o diretor da empresa diz que o lixo perigoso havia sido transportado de volta para os USA. Porém, os procuradores das vítimas encontraram num lixão de Matamoros restos de limpa pára-brisas chamuscados, demonstrando a evidência de que produtos descartados foram queimados, podendo ter liberado resíduos potencialmente perigosos na atmosfera.

 

                                                Todas estas companhias recusaram-se a gravar entrevistas para a CNN. A GM numa carta destacava que “a causa primária deste tipo de defeito de nascimento é devido à deficiência de ácido fólico na dieta das grávidas”. No entanto Janet Ramirez contesta: “Sempre cuidei de minha dieta. Estão tentando, na verdade, responsabilizar as próprias vítimas”. Cada semana ela faz uma peregrinação ao cemitério onde está o túmulo de sua filha. Na lápide se lê: Maria Guadalupe – 1991-1991.

 

                                                            Mark Feldstein é correspondente da CNN.

                                                                                Steve Singer é produtor free-lancer da CNN.

 

O programa Impact da CNN vai ao ar aos domingos às 21h (horário norte-americano).

 

Tradução livre Luiz Jacques Saldanha, junho de 1997,  revisada em fev.2005.