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"60
MILLIONS DE CONSOMMATEURS", revista
francesa de set. de 1996. "ALERTA:
DIOXINA NO LEITE"
Por Dominique Foing. Em
plena crise da "vaca louca", a novidade não poderia ser pior
para os produtores de laticínios. A alguns quilômetros de incineradores
de lixo, nossas belas vacas leiteiras por pouco que sejam alimentadas
com pastagens em campo aberto ou mesmo
em estábulos, têm se revelado, no entanto, extraordinárias captadoras
de dioxinas. Estes contaminantes, excepcionalmente perigosos, são originários
das emissões aéreas destes incineradores e detectados no leite das vacas.
Esta informação que não é uma surpresa para os cientistas -o fenômeno
é reconhecido desde 1987- foi confirmada, após
uma bateria de amostras originárias de exigências feitas pela
União Européia. Quem conduziu os trabalhos foi o Ministério da Agricultura.
No período de um ano, entre junho de 1994 e junho de 1995, os setores
veterinários de quatorze Departamentos (nt.: estados
na República francesa), coletaram tanto amostras de leite de criatórios
próximos a incineradores de lixo como de usinas de beneficiamento que
também realizam a coleta do leite. A maioria das 58 amostras revelou
uma contaminação por dioxinas em níveis superiores àqueles considerados
"normais" (contaminação de fundo). Nove entre elas ultrapassaram
o nível de 3 (três) picogramas por grama de gordura
(1 picograma vale uma milésima parte de um bilhão de gramas).
Normalmente um litro de leite contém, em média, 40 gramas de
gordura. Vale a ressalva de que nossos vizinhos alemães quando constatam
contaminações acima deste nível, expõem cartazes, explicativos e visíveis,
à disposição dos consumidores de leite e laticínios. Sinal vermelho
para um triunfo inquietante: três destas propriedades agrícolas, localizadas
próximas de um incinerador em Rouen (nt.: às margens
do rio Sena, próximo da foz no Atlântico), em razão dos ventos predominantes,
registraram um nível de contaminação tal
(05 picogramas/gr) que se fosse do outro lado do rio Reno (Alemanha),
a comercialização destes produtos lácteos seria imediatamente interditada. Os funcionários do Ministério da Agricultura, no entanto, demonstravam um otimismo a toda prova: "Os resultados obtidos são, sem dúvida, satisfatórios e de acordo com os níveis permissíveis atualmente admitidos na maioria dos países", relatam em suas conclusões. O estudo finalizado há um ano, não será, contudo enviado ao Sr. Jean-François Narbonne. É um especialista em dioxinas creditado junto ao Ministério da Saúde e representante da França em Bruxelas, nos fóruns da comunidade européia que tratam desta matéria. Somente será encaminhado ao ministro de Meio Ambiente. Tanto à população de Rouen como os responsáveis pela câmara de agricultura, foram surpreendidos com esta novidade em seu dia-a-dia, no final de junho último, quando o Ministério se dignou, finalmente, a tornar público estes resultados. De junho de 1994 a junho de 1995, os serviços veterinários de 14 Departamentos (nt.: estados franceses) fizeram uma bateria de amostras de leite nos estabelecimentos de produtores, próximos a incineradores de lixo, para medirem as taxas de dioxinas e furanos (dois tipos de moléculas que apresentam tanto estruturas químicas como efeitos tóxicos, muito próximos). Todos os números que têm taxas acima de três picogramas são considerados como geradores de riscos por outros países europeus e os Estados Unidos. Três picogramas por grama de gordura constituem, para nossos vizinhos alemães, por exemplo, um sinal de alerta. A partir de cinco picogramas, a venda deste leite, entre eles, é peremptoriamente interditada ! A direção dos serviços veterinários da região marítima do rio Sena, responsável por esta bateria de amostras, reconhecendo que, absolutamente, não tem competência para tratar de assuntos ligados às dioxinas, exime-se com um discurso tranqüilizador. "Estamos abaixo da linha de alerta. Mesmo que o problema mereça um acompanhamento, a população pode continuar se abastecendo de leite sem a menor preocupação”. Informação confirmada por André Bonnard, diretor do Centro Regional Leiteiro Interprofissional. “O leite comercializado jamais provém de um só produtor. Uma usina de beneficiamento coleta uma média de 400 mil litros/dia. Mesmo no caso de uma alta contaminação, a diluição elimina todo o risco”. Afirmativa que pressupõe menos perigo. No entanto, os três produtores citados foram justamente escolhidos por comercializarem eles próprios, parte de sua produção, diretamente a consumidores particulares. Nas áreas próximas do rio Sena, um dos criadores espantado, Sr. G., além disso, confessa: "um veterinário solicitou-me autorização, há uns dois anos, para coletar amostras para análise de dioxinas. Entretanto, não recebi ainda nenhum resultado. Só que, nos últimos dias, alguns de meus clientes estão apreensivos depois de terem lido estas notícias nos jornais. Eu não sei o que vou dizer a eles". E a três quilômetros dali, um incinerador continua vomitando suas fumaças envenenadas. "Este equipamento, construído em 1970, é muito obsoleto para se adequar à legislação. Não se fará nada de especial até seu fechamento previsto para 1999", revela François Copignaux, da direção de prevenção de poluição e riscos junto ao Ministério do Meio Ambiente. "De toda a maneira, não se deveria concentrar somente sobre as dioxinas. Há outros problemas muito mais graves, como o dos metais pesados". Normalmente a França tem primado por estar sempre na rabeira quando se
discute questões de saúde pública. Em relação às dioxinas, não poderia
ser diferente. Demonstra mesmo, neste caso específico, um exemplo de
resistência à verdade científica que acaba se transformado numa situação
problemática. "Como os metais pesados, as dioxinas são moléculas
bioacumulativas. Isto quer dizer, tudo o que o organismo humano absorve,
tanto de uma como de outra origem, passa a ficar armazenado em seus
tecidos gordurosos", afirma René Picot, toxicólogo do CNRS (nt.:
Centre National de la Recherche Scientifique/Centro Nacional da Pesquisa
Científica) e especialista em dioxinas. "Mas diferente dos
metais pesados, as dioxinas atuam em quantidades infinitesimais, na
ordem de picogramas. Por isto, serem consideradas como extremamente
perigosas". Os cientistas de outros países fizeram, nos últimos anos, uma descoberta incrível. Isto revolucionou o mundo da toxicologia: as dioxinas são substâncias que mimetizam os hormônios naturais. Penetram até a intimidade celular, aderindo-se ao DNA. Aí enviam mensagens equivocadas que, ativando outros genes, vão desordenando os mecanismos celulares. Ocasionam então, desde o abaixamento das defesas imunológicas até problemas de ordem reprodutiva. Este mecanismo de "mimetizador de hormônios" manifesta-se a partir de um certo patamar : entre 01 e 03 picogramas por quilo por dia. Nível médio ao qual todo cidadão ocidental está exposto seja através do consumo de carnes, peixes ou de produtos lácteos. Daí a importância da redução das fontes de intoxicação. E, entre elas, a mais importante é a incineração de resíduos sólidos. "Os países industrializados que
estão fazendo a maior parte das pesquisas nesta área, têm gerado normas
as mais restritas ao mesmo tempo em que desestimulam projeções para
construção de novos incineradores", destaca Paul Connett,
especialista norte-americano que trabalha na EPA (nt.:
Agência de Proteção Ambiental dos USA). "A França está numa
situação um tanto quanto excepcional. Apesar de todas as pesquisas,
não dispõem de regulamentação sobre esta matéria além de ser, no planeta,
o país com o maior projeto para construção de incineradores". Nos Estados Unidos, 300 projetos já foram suspensos depois de 1985.
Após os primeiros alertas, tanto na Alemanha como Holanda, Suíça, Suécia
e Áustria, as autoridades públicas regulamentaram os níveis permissíveis
dos incineradores de lixo: não mais do que 0,1 nanograma (01 ng =1.000
picogramas) por m3 de emissão gasosa na saída de suas chaminés. Entre
nós, a medição de dioxinas está dando seus primeiros e tímidos passos.
Nenhuma norma limita estes poluentes. E não se percebe ações no sentido
de se empreender análises tão dispendiosas: 10 mil francos franceses
(nt.: +/- 2 mil dólares. No Brasil, em 2004, só existe
um ou dois locais para realização destas análises) por amostras
de alimentos e 150 mil francos franceses (nt.: +/-
30 mil dólares) para medição de emissões gasosas de incineradores.
Atualmente, 13 dos 270 incineradores franceses são monitorados pelos
serviços da ADEME (nt.: Agência de Meio Ambiente e
de Matrizes Energéticas da França). As instalações
inspecionadas expelem, constantemente, em média 07 ng/m3, sendo de 10
ng naqueles mais poluentes. Quer dizer, de 70 a 100 vezes mais do que
seus homólogos europeus ! Compreende-se melhor agora o silêncio pudico
observado pelas autoridades sobre esta delicada questão. Do mesmo modo
em relação às previsões da expansão do parque de incineradores - o mais
vasto na Europa - de 150 a 200
novas unidades. Para remediar a proliferação de destinações de lixo
clandestinas, a lei sobre resíduos prevê a impossibilidade, a partir
do ano de 2002, de depositá-los sem algum tipo de tratamento.
Aconselhados pelos industriais do setor ("Lyonnais des Eaux",
"Générale des Eaux", "Bouygers", "EDF"),
os poderes públicos optaram então pela incineração total. Rejeitam quaisquer
outras soluções do tipo: compostagem, reciclagem ou redução de volume.
Os planos para a destinação final de resíduos, há pouco concluídos,
dotarão cada Departamento (nt.: estado franceses)
da França com três a quatro incineradores, provavelmente implantados em áreas rurais.
Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, Porto Alegre /RS, nov. de 1996, revisada em out.de 2004 |