Desmatamento afeta saúde humana

Por Aldem Bourscheit

30/03/2006 - 11h03

 Para cientista da Fiocruz, construção de barragens e outras obras de infra-estrutura causam impacto sanitário, mas autoridades desconhecem o problema.

  Pinhais, PR - A cada temporada seca na região central do País, entre abril e setembro, multiplicam-se os casos de hantavirose na capital federal brasileira. A doença pode ser fatal e é transmitida pela urina e fezes de ratos silvestres que cada vez mais são empurrados para perto das pessoas pelo avanço da agricultura e do desmatamento. Outras formas menos comuns de transmissão são a ingestão de alimentos ou de poeira contaminados. Casos também são registrados entre trabalhadores da cana-de-açúcar, no interior de São Paulo, e na indústria madeireira, no Paraná.

  “As relações entre desflorestamento e proliferação de doenças são muito conhecidas desde o início do século passado, com a abertura da ferrovia Noroeste, em São Paulo. A derrubada facilitou o contato de pessoas com doenças que estavam abrigadas no interior das matas”, disse hoje o epidemiologista Ulisses Confalonieri, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, o maior complexo de saúde da em evento promovido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) durante a COP8 (8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica), em Pinhais (PR).

  Para a OMS, que está encaminhando uma série de recomendações às Nações Unidas, a preservação de florestas, rios, charcos e outros ecossistemas é fundamental para a saúde humana, seja por ajudarem a evitar a proliferação de doenças quanto por serem indispensáveis para a manutenção da agricultura, por exemplo. Isso é especialmente preocupante para as camadas mais pobres da população, que costumam manter hortas para se alimentarem. “Em ambientes urbanos a dependência da natureza é menos aparente”, disse Carlos Corvalan, consultor da OMS.

 Segundo Corvalan, mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo não têm água limpa para beber, enquanto outras 2,6 bilhões despejam seus esgotos a céu aberto. Além disso, a poluição urbana de automóveis, ônibus e fábricas causa 800 mil mortes por ano, enquanto a queima de carvão e lenha dentro de casas leva 1,6 milhão de vidas no mesmo período, principalmente de pessoas que não têm outras fontes de energia. “A degradação ambiental é uma barreira ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para redução da fome e da pobreza”, ressaltou Corvalan.

  Países tropicais e em desenvolvimento, incluindo o Brasil, foram apontados pela OMS como mais suscetíveis à incidência de doenças como malária, esquistossomose, dengue, leishmaniose, meningite e cólera. Além de ainda possuírem florestas que podem ser derrubadas, um possível aquecimento planetário elevaria as chances da proliferação de mosquitos, vírus e de parasitas. Conforme o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, a temperatura global pode subir em média 3ºC até 2100.

  Para Confalonieri, da Fiocruz, o Brasil deveria observar mais atentamente os efeitos na saúde humana provocados por grandes obras de infra-estrutura. Segundo ele, com exceção da área de saneamento urbano, a área ambiental estaria muito “mal informada” sobre riscos à saúde causados pela abertura de estradas, grandes desmatamentos e construção de barragens, por exemplo. “É preciso mais entrosamento (entre as áreas de saúde e meio ambiente)”, disse.

  Outro questionamento feito pelo epidemiologista foi de que o País deveria estar mais atento aos riscos da chegada do vírus da gripe aviária, que já quebrou economias e provocou dezenas de mortes na Ásia, África e Europa. No dia 21, matéria do jornal norte-americano US Today mostrava que aquele país espera a chegada do vírus H5N1 este ano. É de lá que vêm as aves migratórias que a partir de setembro chegam no Brasil. Conforme Confalonieri, o governo federal estaria dando boa atenção às questões de saúde pública e economia (o Brasil é o maior exportador de carne de frango), mas pecando no monitoramento da circulação do vírus na carona de aves migratórias. “Precisamos de pontos de vigilância em campo que monitorem as aves silvestres”, ressaltou. A Fiocruz está propondo uma reunião com o governo para definir novas ações de combate à gripe aviária, incluindo uma parceria com outros países da América do Sul.

(Envolverde/MOP3-COP8)