Revista  “FOCUS”, semanário alemão de 14 de fevereiro de 1994.

Seção – Pesquisa e Tecnologia  

Hormônios  

  Estrogênios ambientais podem ser causa de infertilidade masculina e câncer.

S.Sanides/R.Degen/W.Obelin

Os guardas florestais ficaram surpresos que, num lago contaminado com agrotóxicos na Flórida, os jacarés machos, cada vez mais freqüentemente, eclodiam dos ovos com seus falos menores do que o normal.               

John Sumpter, biólogo da Universidade de Brunel, em Uxbridge/Inglaterra, colocou três gaiolas com peixes, durante três semanas, nos desaguadouros de trinta estações de tratamento de esgotos. Imediatamente os machos ficaram estéreis. Ao mesmo tempo, as concentrações da proteína Vitelogenina, em seu sangue, subiram a níveis que só as fêmeas alcançam quando suas ovas estão em sua fase de maturação.

   Indícios adicionais para uma feminização silenciosa foram detectados pelo médico dinamarquês Niels Skakkebaek, da Universidade de Copenhagen. Recentemente publicou estes dados, para discussão, na revista médica “The Lancet”. Desde 1940 o número de espermatozóides por mililitro cúbico de sêmen dos homens, reduziu-se à metade. Concomitantemente, avolumaram-se os casos de canceres testiculares e as deformidades dos órgãos genitais.

Estes fenômenos, segundo Skakkebaek, têm o mesmo motivo: os homens e os animais machos estão expostos a níveis nunca antes existentes de substâncias que se assemelham a hormônios sexuais femininos. “A sexualidade masculina se afoga num mar de estrogênios artificiais”, diz Skakkebaek. Nossos organismos estão inundados de venenos ambientais, medicamentos e produtos alimentícios.

Medicamentos: de acordo com Skakkebaek, uma parte dos estrogênios ambientais provém das pílulas anticoncepcionais e dos medicamentos hormonais para menopausa, ambos excretos pela urina das mulheres. Estes estrógenos eliminados pela urina não são totalmente decompostos nas estações de tratamento de esgotos. Sumpter pode comprovar a existência de hormônios de pílulas anticoncepcionais nas experiências com peixes em águas de despejos de esgotos.

Venenos ambientais: não só os estrogênios do corpo das mulheres aumentam as suspeitas. Entre estes estão sobremaneira, os assim chamados xenoestrogênios. “Uma quantidade espantosamente elevada de substâncias com as quais contaminamos nosso ambiente, funciona como estrogênio”, conforme constatou Dr. Richard Sharpe do Centro de Medicina Reprodutiva, em Edimburg, na Escócia.

Nesta categoria estão muitos agrotóxicos como o Endosulfan, o DDT, o Dieldrin (nt.: todos organoclorados) e seus produtos de degradação ou metabólitos, as dioxinas e os PCBs (policloretos bifenilos), conhecidos aditivos empregados em fluidos hidráulicos (nt.: e transformadores elétricos), em plastificantes e amaciantes de plásticos. Muitas destas moléculas decompõem-se lentamente. De acordo com declarações de Sharpe e Skakkebaek, em janeiro deste ano (nt.: 1994), numa conferência em Washington/USA, estes estrogênios artificiais poderiam ser os responsáveis pelo número crescente de canceres testiculares que triplicaram na Europa e nos USA.    

A habilidade destas substâncias sintéticas de imitar o comportamento dos estrogênios, surpreendeu até os profissionais mais experientes. Normalmente os hormônios naturais têm suas funções bem específicas ,induzem reações bioquímicas ao se encaixarem com precisão nos receptores protêicos presentes nas células. Embora os estrogênios artificiais em sua estrutura química sejam, muitas vezes, bastante diferentes dos estrógenos naturais, conseguem se conectar aos receptores correspondentes e sinalizarem reações “feminizantes” para o corpo. Ratos machos tratados com dioxina comportaram-se como fêmeas em cio.
Destacadamente o lúpulo e a soja contém grandes quantidades de fitoestrogênios, hormônios vegetais naturais.               

Sharpe suspeita que os estrogênios ambientais já exerçam sua ação insidiosa mimetizadora desde o útero materno quando perturbam o perfeito desenvolvimento dos órgãos genitais do feto. De fato, meninos nascem, cada vez mais, com testículos deformados. Da mesma forma, vem aumentando o número de homens inférteis.

                Já se sabe uma maneira como os estrógenos artificiais prejudicam o feto no útero materno a partir de experiências feitas, na década de setenta, com o hormônio sintético DES (dietilestilbestrol). Foi prescrito para mulheres grávidas a fim de evitar o aborto. Foi uma medida de precaução que gerou conseqüências desastrosas. Os filhos produziam menos espermatozóides e as filhas apresentavam deformidades em seus aparelhos genitais e além de padecerem mais de câncer de mama.  

                Estudos confirmam que níveis elevados de hormônios estrogênicos do próprio corpo, ao longo da vida, já são fatores de risco com relação ao câncer de mama, puberdade precoce, menopausa tardia ou incapacidade de gerar filhos. Estrógenos artificiais, de acordo com a médica Ana Soto da Universidade de Tufts, nos USA, aumentam ainda mais este risco. Enquanto isto, nos países industrializados, as mulheres adoecem duas vezes mais de câncer de mama do que há quarenta anos atrás. “Muitos produtos químicos sozinhos”, apurou a Dra. Soto em experiências de laboratório, “não aparecem em concentração suficiente para perturbar o equilíbrio hormonal. No entanto, seu efeito é cumulativo”.

                Um novo estudo feito com 14 mil mulheres norte-americanas confirmou sua suspeita. As mulheres testadas com concentrações mais elevadas de DDE adoeciam de câncer de mama com maior freqüência do que as menos contaminadas. O DDE é um produto com efeito estrogênico que vem da  decomposição do agrotóxico DDT, proibido nos países ocidentais, mas que ainda não está totalmente metabolizado na natureza.

                Outros pesquisadores permanecem céticos a respeito deste tema. “A pílula anticoncepcional”, objeta o especialista em hormônios da Universidade de Harvard, Karl Kelsey, “contém muito mais estrogênios do que os metabólitos dos PCBs e do DDT. No entanto não encontramos nenhuma relação entre tomar pílulas e o câncer de mama”. Sua colega Ana Soto concorda com ele. “Ainda há muitas questões não solucionadas”. Exige, entretanto, que os agrotóxicos sejam analisados não só quanto à sua toxicidade e seus efeitos de indução ao câncer. Quer que sejam avaliados quanto aos seus efeitos estrogênicos.

                No Departamento Federal de Saúde alemão todos estão tranqüilos. Wolfgang Link, do Departamento de Registro de Agrotóxicos alemão, diz: “Não teremos nenhum problema com estrógenos ambientais se os limites permissíveis para agrotóxicos não forem ultrapassados”. “No entanto com os produtos importados freqüentemente isto não acontece”, declara um colega de trabalho do Conselho Estadual de Pesquisa Química de Nordhein-Westfallen. “Com as alfaces da Holanda e da Bélgica, constantemente temos tido aborrecimentos”.

                Mas não são só as fábricas de produtos químicos e os órgãos reprodutores dos animais que produzem estrogênios. Os hormônios vegetais das flores femininas são muito parecidos com os hormônios sexuais humanos. Já foram identificados em mais de trezentas plantas. Na Austrália os pecuaristas sofreram grandes perdas com a presença de trevo entre as pastagens. As ovelhas ingeriam tantos hormônios desta planta que acabavam estéreis.

Se a suspeita se confirmar, de que os estrógenos vindos da comida e do ambiente prejudicam a fertilidade dos homens, os vegetarianos teriam uma desvantagem. Na urina deles se constatou dez vezes mais estrogênios vegetais do que na daqueles que comem carne.                                            

  Tradução livre de W.Leyden e adaptado por Luiz Jacques Saldanha, nov.2002.