CIENCIA
25/05/2004 - 16h48
Estudo
sugere uso restrito de filmes de PVC em alimentos gordurosos
da Folha Online
Uma pesquisa da Fiocruz (Fundação Oswaldo
Cruz) alerta para a transferência excessiva de substâncias supostamente
cancerígenas de filmes plásticos de PVC (policloreto
de vinila) para alimentos gordurosos e sugere o uso restrito
destas embalagens.
A conclusão é de um estudo de três anos sobre dois tipos de aditivos
usados para dar flexibilidade aos filmes plásticos: o DEHP --ftalato
de di-(2-etil-hexila)-- e o DEHA --adipato de di-(2-etil-hexila).
Representantes da indústria de PVC, entretanto, negam que o filme plástico
represente uma ameaça à saúde.
"Os aditivos não se ligam quimicamente ao produto e podem migrar
para os alimentos com os quais ficam em contato", afirma a pesquisadora
Shirley Abrantes, acrescentando que os alimentos gordurosos como o queijo,
o frango e a carne bovina são os mais suscetíveis.
"A migração é mais intensa nestes alimentos devido à semelhança
entre sua composição química e aquela encontrada nos aditivos usados
pela indústria", explica.
De acordo com a pesquisadora, a legislação brasileira prevê limites
apenas para o DEHP, substância que, em animais de laboratório, se mostrou
relacionada ao desenvolvimento de câncer no fígado e a problemas de
fertilidade.
Metodologia
Para o trabalho, a especialista analisou amostras de filmes de PVC recolhidas
em mercados cariocas pela Vigilância Sanitária. Depois, quantificou
a presença dos aditivos químicos, a taxa de migração destas substâncias
para os alimentos gordurosos e a exposição dos consumidores
De acordo com Abrantes, os filmes plásticos analisados apresentaram
teores médios de DEHP de 33,17%, oscilando entre 15,3% e 44,46% --a
legislação estabelece um teor máximo de 3% da matéria plástica total
para armazenagem de alimentos com mais de 5% de gordura.
Após a notificação dos fabricantes, a pesquisadora da Fiocruz
observou um aumento da presença de DEHA em amostras analisadas no ano
seguinte. A presença média desta substância foi de 14,7% do total dos
filmes de PVC analisados.
Contaminação de alimentos
Com estes dados em mãos, o passo seguinte foi medir a taxa de migração
destas substâncias para os alimentos gordurosos.
No caso do DEHP, foi encontrada uma taxa de migração de 156,34 mg/kg --valor 50 vezes superior ao limite adotado pela UE
(União Européia).
Para o DEHA, essa taxa atingiu 147,41 mg/kg
--o valor estipulado pela UE é de 18 mg/kg.
"Apesar da presença do DEHA ter sido menor nos filmes plásticos,
sua taxa de migração para o alimento é de 80%, enquanto 40% do DEHP
presente no plástico migra para o alimento", afirma Abrantes.
Consumidores
Para elaborar a estimativa da exposição dos consumidores aos aditivos,
a pesquisadora utilizou dados sobre seus hábitos alimentares diários.
A partir de entrevistas com 500 moradores do Rio de Janeiro entre 20
e 44 anos, a especialista constatou que os alimentos mais consumidos
com taxa de gordura superior a 5% são o peito de frango, a carne bovina,
a pizza, a coxa de frango e a mussarela, nesta ordem.
Todos os valores de migração do DEHP e do DEHA constatados para estes
alimentos foram superiores ao valor de IDA (Ingestão Diária Aceitável).
O caso mais crítico é o da pizza, que apresenta IDA do DEHP 29 vezes
superior ao aconselhável.
Para peito de frango, carne bovina, coxa de frango
e mussarela os valores da IDA do DEHP são respectivamente 5,5;
5; 4 e 1,5 vezes superiores aos ideais.
Para a DEHA, o valor máximo para ingestão foi ultrapassado 0,87 vezes
no peito de frango; 0,78 vezes na carne bovina;
0,62 vezes na coxa de frango e 0,25 vezes na mussarela. Novamente, a
pizza foi o caso mais grave, com IDA 4,5 vezes
superior ao apropriado.
"Seria fácil resolver o problema da migração dos aditivos para
os alimentos, já que esta migração só se torna um problema no armazenamento
de alimentos gordurosos", acredita Abrantes.
"Bastaria que as indústrias [que fabricam o filme plástico] imprimissem
uma advertência indicando que o uso em alimentos gordurosos não é recomendável",
sugere.
Outro lado
Para Miguel Bahiense, diretor-adjunto do Instituto
do PVC --órgão representativo das indústrias que compõem a cadeia produtiva
deste material plástico-- não há dados científicos que comprovem o potencial
cancerígeno do DEHP e do DEHA.
"O estudo [da Fiocruz] não leva em consideração
a toxicidade destas substâncias", diz Bahiense.
"Além disso, as pesquisas existentes apontam que o DEHP em excesso
pode causar câncer no fígado de ratos", explica. "Porém, os
mecanismos de ação [desta substância] nos organismos de ratos são diferentes
nos seres humanos", acrescenta.
De acordo com Bahiense, estas pesquisas foram
realizadas pela Iarc (Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer,
na sigla em inglês) --um dos braços científicos da OMC (Organização
Mundial da Saúde)-- e mostram que o DEHP é seguro para os seres humanos.
Quanto ao DEHA, ele afirma não haver estudos que comprovem um suposto
potencial cancerígeno e que a substância é autorizada pela Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária).