Sarah Boseley

The Guardian, 08 de dezembro de 2006.

 

 

PRIMEIRO ESTUDO DE CASO:

 

Companhia paga por revisão publicada.

 

http://www.guardian.co.uk/science/2006/dec/08/medicineandhealth.lifeandhealth1

Vinyl chloride (nt.: vinil cloreto, vinil V-, ou polivinil cloreto PVC-) é utilizado para fabricação de plásticos. Em 1984, Sir Richard Doll (nt.: ver acima) foi procurado pela ICI Chemicals (nt.: indústria química pertencente à coroa inglesa, Imperial Chemical Industries, hoje mais conhecida na área do agribusiness como Zeneca), através de seu assessor médico, Brian Bennett, lotado em Londres. Queria saber se poderia entrar num acordo para que realizasse uma avaliação sobre a segurança dos vinyl chlorides já que, conforme Mr Bennett, as indústrias americanas ficariam extremamente felizes, pagando inclusive por isto.

Sir Richard concordou, mas quis ter a garantia de que seu relatório pudesse ser publicado não importando o que expressasse. Acrescentou que queria que a comissão fosse encaminhada a uma instituição de caridade que ele indicasse. Por fim indicou o Green College, em Oxford, que ele ajudou a fundar como uma instituição de graduação para disciplinas médicas e congêneres. Ele foi o seu primeiro diretor.

O valor da recompensa chegou a 15 mil libras esterlinas mais despesas e foi dividida entre a Chemical Manufacturers Association/CMA (nt.: Associação dos Fabricantes Químicos) e duas das maiores companhias, ICI (nt.: da coroa inglesa) e Dow Chemicals (nt.: norte-americana). Monsanto, também uma fabricante de vinyl chloride, pagou ao Sir Richard um valor de consultoria desde 1979 e ainda lhe dava dinheiro naqueles tempos.

Mas nada do apoio financeiro vindo da Monsanto foi declarado no artigo que finalmente foi publicado em 1988 com o título de Efeitos da Exposição ao Vinyl Chloride na Scandinavian Journal of Work, Environment and Health (nt.: Revista Escandinava sobre Trabalho, Ambiente e Saúde).

O artigo chega à conclusão de que não há carcinogenicidade extra nem significante associada à fabricação do vinyl chloride além do que a associada ao fígado um fato que já era notoriamente conhecido. Isto contradizia um artigo publicado pela World Health Organisation's International Agency for Research on Cancer/IARC (nt.: Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde), que em 1979 listou o vinyl chloride como carcinogênico humano, afetando não só o fígado, mas também o cérebro, os pulmões e o sistema linfático.

O artigo feito por Sir Richard foi utilizado pela indústria para defender a sanidade desta substância química através da associação lobbista dos fabricantes, por mais de uma década. Em 2001, a American Chemical Association, agora renomeada como CMA (nt.: Chemical Manufacturers Association), disse: "Os maiores líderes da área da pesquisa no mundo estudaram o vinyl chloride e o câncer de cérebro e concluíram que as evidências não dão suporte a uma conexão entre o esta câncer e a exposição a esta molécula."

O que serviu para que a US Environmental Protection Agency (nt.: Agência de Proteção Ambiental dos EUA) a ter uma posição de que somente o câncer de fígado poderia estar conectado ao vinyl chloride (nt.: vinil cloreto, vinil V-, ou polivinil cloreto PVC-).

Deve haver numerosos casos nos EUA de trabalhadores que contraem outros tipos de cânceres, depois de expostos ao vinyl chloride, e que poderiam processar os fabricantes. Durante um dos processos contra a Dow Chemicals e também a Solutia - uma companhia desmembrada da Monsanto para encaminhar seus próprios negócios químicos em 1997 impetrado pela viúva de um homem que havia morrido de um câncer de cérebro. Sir Richard foi confrontado pela ausência de qualquer menção a respeito do pagamento, feito pela indústria, e recebido por ele para produzir este seu artigo. Documentos mostram que ele declarou aos advogados durante uma audiência a portas fechadas, em Londres, que perguntou ao Mr Bennett se poderia revelar o pagamento das 15.000 libras esterlinas e este teria dito que não havia esta necessidade. Sir Richard foi pago pela Solutia por sua assistência como testemunha especializada.

 

SEGUNDO ESTUDO DE CASO:

 

Interferência em investigação sobre a guerra do Vietnã.

 

http://www.guardian.co.uk/science/story/0,,1967403,00.html

 

 

Em 1985, enquanto Sir Richard Doll (nt.: famoso epidemiologista inglês morto no ano passado, julho de 2005) era pago como consultor da Monsanto, entrou no debate sobre os herbicidas Agente Laranja e a dioxina, que foram aspergidos por aviões na guerra do Vietnã. Uma Comissão Real Australiana estava investigando se os herbicidas feitos pela Monsanto poderiam gerar cânceres no pessoal australiano envolvido durante a guerra. Sir Richard ofereceu, mesmo não fazendo parte da investigação, seu parecer numa correspondência dirigida ao Juiz Phillip Evatt, que conduzia a investigação, dando seu aval ao Agente Laranja em relação à sua sanidade.

"Não há razão para supor que eles [os herbicidas] sejam carcinogênicos em animais de laboratório e mesmo a TCDD [dioxina], que foi postulado ser um perigoso contaminante dos herbicidas, é, no máximo, somente um carcinogênico fraco e inconsistente em animais de laboratório," escreveu Sir Doll.

Lennart Hardell, professor no Departamento de Oncologia junto ao Hospital Universitário que se tornou o crítico mais forte quanto aos pagamentos, feitos pela indústria, e recebidos por Sir Richard também ofereceu evidências para a investigação. O professor Hardell considerou o Agente Laranja um gerador de câncer, mas Sir Richard advertiu à comissão que não desse muito valor ao este trabalho. Afirma que muitas de suas assertivas publicadas, escreveu Sir Richard, "foram exageradas ou não têm suporte além de ... em sua coletânea de dados apresentarem muitas ambigüidades podendo gerar mal entendidos. Suas conclusões não podem ser sustentadas e, na minha opinião, seu trabalho a longo prazo, não poderá ser citado como evidência cientifica."

Já o prof Hardell diz sobre Sir Richard: "Meus colegas e eu nunca pudemos entender seus fundamentos. Afinal, neste mesmo tempo, negociava um novo contrato com a Monsanto.

A comissão australiana concluiu, ao final, que o Agente Laranja não apresentava riscos à saúde. O prof Hardell diz que a parte da revisão sobre a evidência científica neste relatório foi tirada, palavra por palavra, das evidências da própria Monsanto.

 

Tradução livre feita por Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2007.