A MONOCULTURA COM EUCALIPTOS
E A SUSTENTABILIDADE Prof. Dr. Ludwig Buckup (UFRGS e ONG IGRE) Porto
Alegre, março 2006 Por informações vinculadas pela imprensa
(Zero Hora 27/09/2005) tornou-se público que está em fase de implementação
um programa de plantio extensivo de árvores exóticas em território
sulriograndense, a titulo de "florestamento"
e/ou "reflorestamento". A iniciativa seria das empresas Aracruz Celulose, uma transnacional controlada pelos grupos
Lorentzen, da família real norueguesa, e
ainda do grupo Safra, do grupo Votorantin e da empresa sueco-finlandesa
Stora Enso. O espaço geográfico reservado para
esta iniciativa seria a metade sul do estado, ou seja, a região localizada
no extremo meridional do país, na fronteira com o Uruguai e a Argentina,
considerando-se uma linha imaginária que dividiria o Rio Grande do
Sul a partir da BR-290. Três grupos de espécies procedentes
de outras regiões do mundo, pertencentes aos gêneros Eucalyptus,
Pinus e Acacia,
serão utilizadas nas plantações. Como meta inicial, anunciou-se
o plantio das exóticas em 150.000 hectares durante os próximos cinco
anos. Destes, 70.000 hectares serão destinados ao plantio de espécies
do gênero Eucalyptus O governo do Estado do Rio Grande
do Sul vem apoiando fortemente os planos das referidas empresas, considerando
que a sua implementação implicaria a descoberta de uma nova vocação
para a metade sul do estado, à qual levaria desenvolvimento
econômico e social além da geração de empregos e de renda. A CaixaRS,
do governo de Rio Grande do Sul, integrou-se ao apoio governamental,
criando o Programa de Financiamento Florestal Gaúcho – PROFLORA CaixaRS,
oferecendo recursos financeiros para o plantio de florestas comerciais. O aspecto preocupante na iniciativa
da CaixaRS é a afirmativa que foi incluída
no material promocional do PROFLORA, a seguir referida. Diz a CaixaRS
que o plantio de florestas comerciais estaria "...colaborando
com a sustentabilidade do planeta...", o que é totalmente
improcedente. Os compromissos específicos assinados
pelo Brasil durante a ECO-92 incluem três
convenções: uma sobre Mudança do Clima, sobre a Biodiversidade
e uma Declaração sobre Florestas. A Conferência também aprovou
a Declaração do Rio e a Agenda 21. Ambos endossam o
conceito fundamental de desenvolvimento sustentável, que preconiza
a combinação do progresso econômico e material com a necessidade de
uma consciência ecológica. A expressão "sustentabilidade" preconizada pela Agenda
21 Brasileira, entende que, a Sustentabilidade deve
ser entendida nas suas múltiplas facetas, entre outras, a Sustentabilidade
ecológica (referindo-se à base física do processo de crescimento);
a Sustentabilidade ambiental (referindo-se à manutenção da
capacidade de sustentação dos ecossistemas em face das interferências
antrópicas); a Sustentabilidade social
(referindo-se ao desenvolvimento); e a Sustentabilidade política,
como ao processo de construção da cidadania, nas várias nuances. Num primeiro momento as monoculturas
florestais poderão até gerar lucros financeiros aos promotores, que no entanto, serão amplamente superados pelos custos ambientais
decorrentes deste tipo de iniciativa. Primeiramente, será necessário
lembrar que o espaço meridional do Rio Grande do Sul não é um vazio
ecológico. Trata-se do Bioma Pampa, de grande valor para a biodiversidade,
com grande número de espécies vegetais e animais e diversos casos
de endemismos. Do ponto de vista ambiental e do conceito da sustentabilidade
a remoção da madeira após sete anos de crescimento não pode ser avaliada
apenas como ganho líquido. Para a formação da biomassa vegetal a árvore
em crescimento removeu do substrato uma apreciável quantidade de nutrientes
que não voltarão ao solo, porque não haverá o ciclo normal de nutrientes
que caracteriza uma floresta nativa. Conseqüentemente, já pelos aspectos
acima referidos, não haverá sustentabilidade alguma nas monoculturas
arbóreas, porque haverá perda de riqueza do solo e a paisagem ficará
mais pobre após a colheita da madeira. Entre os elevados custos ambientais
da implantação de monoculturas arbóreas em extensas áreas do estado
destacam-se as perdas previsíveis de recursos hídricos, tanto do solo
como dos ambientes lóticos. As espécies de eucaliptos são conhecidas não apenas
pelas suas fibras apropriadas para a indústria de celulose, mas também
pela sua alta atividade evapo-transpiratória.
A literatura especializada, em várias partes do mundo, contém relatos
detalhados e qualificados sobre o tema, como se detalha a seguir: A revista científica SCIENCE,
editada pela American Association
for the Advancement
of Science (AAAS), publicou recentemente (vol.310, 23/12/2005,
p. 1944-1947) um artigo sob o título "Trading
Water for Carbon
with Biological Carbon Sequestration" e
assinado por Robert B. Jackson1,
Esteban G. Jobbágy1,2,
Roni Avissar3,
Somnath Baidya Roy3, Damian J. Barrett4, Charles W. Cook1,
Kathleen Farley1,
David C. le Maitre5,
Bruce A. McCart6
e Brian C. Murray7. Os autores representam diversas instituições
de pesquisa, de vários continentes, como o 1Department
of Biology, Nicholas School of the Environment and Earth Sciences,
and Center on Global Change, Duke University, Durham, NC 27708–1000, USA. 2Grupo de Estudios Ambientales–Instituto de
Matematica Aplicada de San
Luis (IMASL), Universidad Nacional de San Luis and Consejo
Nacional de Investigaciones Cientificas
y Tecnicas (CONICET), San Luis 5700,
Argentina. 3Department of Civil and Environmental Engineering, Duke
University, Durham, NC 27708, USA. 4Commonwealth Scientific
and Industrial Research Organisation (CSIRO) Land and Water, Canberra,
ACT, Australia 2601. 5Natural Resources and Environment
CSIR, Stellenbosch 7599, South Africa. 6Department of Agricultural
Economics, Texas A&M University, College Station, TX 77843, USA.
7Center for Regulatory Economics and Policy Research, Research
Triangle Institute, Research Triangle Park, NC 27709, USA. A revista Science
ocupa um lugar de grande destaque no cenário científico, ostentando
um índice de impacto superior a 20, segundo o ISI Citation
Index, o que não deixa dúvidas sobre a qualidade e a confiabilidade
do conteúdo dos artigos que são ali publicados. O artigo em pauta concentra-se no
fato de que as estratégias para o seqüestro do carbono destacam apenas
as plantações de árvores, sem levarem em conta as suas conseqüências
ambientais. Os autores combinam o resultado de observações de campo,
sínteses de mais de 600 observações e modelagem climática e econômica,
para documentar perdas substanciais no fluxo dos rios e salinização
e acidificação elevados em conseqüência do florestamento.
As plantações reduziram globalmente o fluxo fluvial por 227 milímetros
por ano (52%), e 13% dos rios secaram completamente durante no mínimo
um ano. Modelagens regionais realizadas no EUA sugerem que o feedback
climático dificilmente poderia anular tais perdas, podendo até exacerbá-las. Os resultados relatados em SCIENCE
não são novidades no cenário científico que se ocupa com as monoculturas
arbóreas. Vários outros autores já descrevam, com detalhes, os efeitos
negativos das florestas plantadas com espécies exóticas sobre os recursos
hídricos. As referências a seguir são significativas: Streamflow responses to
afforestation with Eucalyptus grandis and Pinus patula and to felling in the Mokobulaan experimental catchments, South África” é o título de um artigo publicado por David F. Scott
e W.Lesch, ambos do Jonkershoek
Forestry Reseacrh
Centre (CSIR) em Stellenbosch, África do
Sul, no Journal of Hydrology [v.199 (1997):360-377].
Os autores descrevem a redução do volume fluvial após florestamento de paisagens de campo com Eucalyptus grandis e Pinus patula nas áreas experimentais de drenagem
de Mokobulaan e das escarpas de Mpumalanga e ainda, as respostas subseqüentes ao abate das
plantações. Florestamento com Eucalyptus causou um decréscimo significativo da descarga
fluvial no terceiro ano após o plantio e no nono ano, o rio secou
completamente. Os eucaliptos foram derrubados após 16 anos, mas o
retorno pleno da descarga fluvial ainda não havia ocorrido no quinto
ano subseqüente. Florestamentos com Pinus igualmente resultaram em decréscimo da descarga fluvial
a partir do quarto ano e o rio secou inteiramente no décimo segundo
ano após o plantio. Sob o título "Invasive
alien trees and water resources
in South Africa: V. C. MORAN1,
J. H. HOFFMANN2, D. DONNELLY3,
B. W. VAN WILGEN4 e H. G. ZIMMERMANN5 (1Departments
of Zoology and
of Botany, University of Cape Town, Rondebosch, 7701, South África; 2Department of Zoology,
University of Cape Town,
Rondebosch, 7701, South África;
3Plant Protection Research
Institute, Private Bag
X5017, Stellenbosch, 7600, South África; 4Environmentek, CSIR, P.O. Box 320,
Stellenbosch, 7599, South
África e 5Plant Protection Research Institute, Private Bag X134, Pretoria, 0001, South África), em seu artigo "Biological
Control of Alien,
Invasive Pine Trees",
(Pinus species)
in South Africa,
publicado em Proceedings of the
X International Symposium
on Biological Control
of Weeds (4-14 July 1999, Montana State University, Bozeman, Montana, USA, descrevem um ambicioso programa de
longo alcance, o "Working for Water", cujo custo é avaliado em US$70
milhões por ano e empregando cerca de 42.000 pessoas, tendo objetivos
fortemente conservacionistas e a meta de aumentar o suprimento de
água para a África do Sul. O programa pretende aumentar as descargas
fluviais pela remoção das espécies arbóreas invasivas, especialmente
das espécies de Pinus, das bacias
e dos cursos fluviais. Nem todas as infestações com plantas
alienígenas usam mais água do que a vegetação natural que substituíram,
porém, como regra geral, segundo os mesmos autores, árvores utilizam
mais água do que ervas e arbustos (Bosch e Hewlett
1982; Dye 1988; Dye 1996; Smith e Scott
1992). O maior impacto ocorre quando a vegetação periodicamente dormente
é substituída por plantas sempre-verdes. Assim, nas regiões onde a
paisagem herbácea ou arbustiva é invadida por espécies alienígenas,
a utilização geral da água pela vegetação cresce, deixando menos água
para os rios. Os experimentos dos autores foram realizados em regiões
com elevados índices de pluviosidade, onde campos herbáceos e arbusivos
foram florestados com Pinus e Eucalyptus. Alguns exemplos típicos dos resultados
incluem 82% de redução da descarga fluvial no KwaZulu-Natal
Drakensberg, 20 anos após plantações com
Pinus (vide Bosch 1979); 55% de redução do volume dos
rios das bacias da Província Fitogeográfica do Cabo no Western
Cape, 23 anos após o plantio de Pinus
(vide van Wyk 1987); e morte total de
rios seis a doze anos após a substituição de campos herbáceos e arbustivos
por plantações de Pinus e de Eucalyptus
na Mpumalanga Province
(van Lill et
al. 1980). Em nosso meio a elevada capacidade
evapo-transpiratória das espécies do gênero Eucalyptus começou a ser estudada e avaliada há mais
de três décadas. Talvez a contribuição mais antiga e tecnicamente
mais qualificada seja o artigo publicado por Zoraido
da Silva Vieira Ceroni do antigo Instituto
de Ciências Naturais da UFRGS, em 1972, no periódico Iheringia
(série Botância, no 10), da Fundação Zôo-Botânica do Rio Grande do Sul, sob o título "Média
Anual de Transpiração no Eucalyptus
rostrata e suas relações com o meio através do método
cut-leaf". A investigação foi orientada pelos
Professores.Dr.Alarich Schultz e Dr. Karl
Hogetop da UFRGS, revelando as seguintes informações: (1)
A taxa de transpiração de Eucalyptus
rostrata varia de 3 a 21 litros por hora durante o ano,
colocando-a entre os vegetais com maior transpiração que se conhecia
e (2) partindo-se de uma média de 10 litros por hora e levando-se
em conta as dez principais horas do dia, o autor estimou a transpiração
em 100 litros por dia de 10 horas. Portanto, haveria uma transpiração,
pelos estômas, da ordem de 36.500 litros,
em média, por ano. Acrescentando-se e evaporação epidérmica, considerada
como sendo de 4 % do total, chegar-se-ia a 36.646.litros eliminados
por ano Embora a espécie Eucalyptus
rostrata não esteja entre as mais utilizadas
em projetos florestais - E.grandis, E.
citriodora e E. saligna são usados mais freqüentemente - o exemplo é certamente
representativo para as características eco-fisiológicas
das espécies deste gênero Eucalyptus,
de origem Australiana As informações existentes sobre
a alta capacidade evapo-transpiratória das
espécies do gênero Eucalyptus, leva
a um questionamento inevitável: como esta enorme quantidade de água
perdida para a atmosfera poderá retornar ao solo e aos cursos dos
rios ? A resposta precisa resultar de uma estimativa quantitativa,
como segue: Anunciou-se uma meta de implantação
de 150.000 hectares de florestamentos nos
próximos cinco anos, na metade sul do estado do Rio Grande do Sul
(Zero Hora 27/09/2005). 70.000 ha serão destinados ao eucalipto. Aceitando-se
uma densidade de 500 árvores por hectare, teremos 35 milhões de árvores
em desenvolvimento durante os próximos sete anos. Conseqüentemente,
com base nos dados levantados por Ceroni (1972), as plantações levarão para a atmosfera, por
ano, 1.277.500.000.000 (1,23 quatrilhões)
de litros de água. Na média, os índices pluviométricos do pampa gaúcho
é estimado em 1.500 mm, por ano. Assim, sobre os 70.000 ha com eucaliptos,
cairá uma precipitação pluvial média, anual, de 105 trilhões de litros
de água. Percebe-se que este valor é pelo menos 12,6 vezes menor do
que a quantidade de água eliminada pelas árvores plantadas. E é neste
momento que os cursos d´água acabam entregando as suas reservas, resultando em progressiva
redução da vazão dos ambientes lóticos,
freqüentemente resultando em completo dessecamento e morte dos rios,
como já se viu em muitas outras regiões do mundo (vide fontes acima
citadas). A capacidade do eucalipto em secar
o solo já foi aproveitada em vários lugares onde havia conveniência
em secar banhados para os mais diversos fins. Talvez o exemplo mais
representativo seja o caso da empresa paulistana fundada em 1912 com
o nome de "City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company
Limited", a Companhia City,como
ficou conhecida. A empresa contratou os urbanistas ingleses Barry
Parker e Raymond Unwin
para o projeto de um bairro que ficaria conhecido como Jardim América.
Previamente a isso, a Cia. City havia adquirido duas áreas que totalizavam
aproximadamente 960.000 m2 e
localizadas na antiga Chácara Bela Veneza e na Freguesia da Consolação
que eram áreas inóspitas e inundadas em boa parte do ano por estarem
situadas na várzea do Rio Pinheiros. Para drenar as terras próximas
constantemente alagadas, a partir de 1927 foram plantados milhares
de eucaliptos, que em poucos anos cumpriram a sua missão. Transformaram
as áreas pantanosas influenciadas pelas enchentes do rio Pinheiros
em bairros de grande valor e alta qualidade urbanística – o Jardim
Europa e o Jardim América. Algumas destas árvores ainda estão lá testemunhando
seu papel do passado. Porto
Alegre, 20 de março de 2006. Prof.
Dr. LUDWIG BUCKUP (UFRGS/ONG-IGRÉ) |