Por Ricardo Barretto, A soja ameaça o Parque
Indígena do Xingu Quem olha o mapa do Parque
Indígena do Xingu, se surpreende com o verde que predomina em seus
2,8 milhões de hectares de extensão. O mesmo mapa revela, no entanto,
um entorno degradado por desmatamentos e queimadas associados à formação
de lavouras e pastagens, que já encostam nos
limites do parque. Os povos indígenas xinguanos
estão atentos e, de tempos em tempos, a Associação Terra Indígena
do Xingu (Atix) promove expedições de fiscalização
de fronteiras. Os índios querem evitar que o lugar onde vivem, e que
preservam, seja invadido e prejudicado pelo desastre ambiental que
ocorre na área do entorno. Desmatamento na região dos formadores do Rio Xingu
A última dessas expedições,
realizada em maio, foi a quarta organizada
pela Atix. Saiu de Canarana,
onde está a sede da Atix,
em direção à Terra Indígena Wawi, fim da
linha no rumo norte, passando pelos limites a leste do parque. A equipe
vai constatando, ao longo de 1800 quilômetros percorridos em estradas
de terra, os desmatamentos, as queimadas e os assoreamentos de nascentes
e córregos. O quadro se repete na região de entorno ao sul do parque
(leia item impactos ambientais). Ao mesmo tempo, observa-se
o crescimento de lavouras de soja, tanto em áreas onde antes se criava
gado, como onde havia floresta em pé. Tais constatações são reforçadas
pelo líder da equipe da expedição, Winti
Suyá - coordenador do projeto Fronteiras (veja texto abaixo)
da Atix, que percorre a região com freqüência.
A equipe que Winti coordena é composta por Tamaluí
Mehinaku, chefe do Posto Indígena de Vigilância
(PIV) Tanguro, Vanité
Kalapalo, do PIV Culuene, e integrantes
do Instituto Socioambiental, parceiro da Atix
nessas e em outras empreitadas: a analista de geoprocessamento
Mônica Takako Shimabukuro,
o jornalista Ricardo Barretto, e a bióloga
Rosely Sanches.
Das áreas de florestas
e cerrados da região, descritas no último trabalho de campo realizado
pelo ISA e pela Atix em 1999, muitas desapareceram
e outras áreas foram intensamente alteradas. Mudanças confirmadas
por informações que constam nos mapas elaborados pelo Instituto Socioambiental
em 2000. Fazendo um retrospecto
do período 1994-2000 pode-se verificar que os desmatamentos em toda
a região, excetuando-se o Parque Indígena
aumentaram cerca de 40%. Passaram de 23,8 mil km2 para
33,7 mil km2. No período considerado perdeu-se um terço
da cobertura vegetal dessa região. Dados do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que em 2000, o desmatamento
de áreas de floresta na Bacia do Rio Xingu, localizadas fora de áreas
protegidas, somou 2,9 milhões de hectares, o equivalente a pouco mais
que um Parque do Xingu. Embora, daí em diante, os números estejam
baixando, ainda são alarmantes. Em 2001, por exemplo, o Inpe registrou
um índice de 238 mil hectares e no ano passado, o desmatamento em
áreas de floresta alcançou 131 mil hectares. (clique aqui para saber
mais sobre o desmatamento na Amazônia Legal).
Fonte dos dados: Laboratório de Geoprocessamento - ISA (2001) e relatório "Situação das
áreas naturais" (ISA, 2002). T.Is = terras indígenas; UC = unidades
de conservação (Estação Ecológica Estadual do Rio Ronuro
e Reserva Ecológica Estadual do Culuene).
Menos gado, mais soja À medida que a equipe
avançava em seu percurso, observava que a maioria dos desmatamentos
era recente - principalmente na área de floresta de transição entre
o Cerrado e a Amazônia - e tinha relação com a abertura de novas áreas
para o plantio da soja. Segundo a Empresa de Assistência Rural do
Estado do Mato Grosso (Empaer), o cultivo
da soja tornou-se a atividade agrícola predominante em todo o leste
mato-grossense, que envolve parte da bacia do Rio Xingu e parte do
Vale do Araguaia, rio que delimita a fronteira com Goiás. Apesar desse avanço, que
acontece também sobre áreas de pecuária, a soja não conseguiu ainda
desbancar a pecuária, que ocupa mais de 50% das terras produtivas
do leste do Mato Grosso, de acordo com a Empaer. A substituição do boi
pela soja se explica por várias razões:queda
de produtividade da pecuária devido à degradação do solo; disponibilidade
maior de crédito; facilidade de manejo do cultivo; produtividade;
rentabilidade. O preço das sacas de soja é determinado pelo mercado
internacional, pela bolsa de Chicago, pelo mercado interno e pela
cotação do dólar. Em setembro de 2003, o valor da saca estava em torno
de R$ 34,00 (ou US$ 11). "O preço da soja
está no auge de uns dois anos para cá, está muito bom. O produtor
que consegue colher 50 sacas por hectare tem um retorno de cerca
de 35%", explica Vericimo Pucheta,
gerente da Bunge Brasil, em Canarana,
uma das empresas compradoras e armazenadoras do grão." Já o retorno
da pecuária é da ordem de 10%, segundo dados da Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Esse fenômeno é reflexo
do que acontece em todo o Estado do Mato Grosso e no território nacional.
De acordo com o último levantamento da safra 2002/2003 realizado pela
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab),
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Mato Grosso
a soja teve um aumento de 20% na produção, passando de 3,8 milhões
de toneladas em 2001/2002 para 4,6 milhões em 2002/2003. (saiba mais
em A soja no Brasil ). Fiscalização no Xingu Não é de hoje que os índios
estão preocupados com o que se passa nos limites do Parque Indígena
do Xingu. Ali vivem 14 etnias diferentes, com culturas e costumes
diversos. As operações de fiscalização tiveram início em 1989, quando
começaram a ser instalados os postos indígenas de vigilância (PIVs) junto a alguns rios. A meta principal dos PIVs era controlar a invasão da área
do Parque por pescadores e caçadores. Com o tempo, veio a idéia de
vigiar os limites do parque, fora do alcance dos rios. A expedição
de maio foi a primeira com o objetivo de mapear os efeitos da expansão
da soja no entorno do parque. Alguns integrantes da Atix acabaram se tornando fiscais colaboradores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Essa parceria rendeu apoio do órgão federal a algumas expedições, ao mesmo tempo em que os índios auxiliam os funcionários do Ibama com o conhecimento que possuem da região. Mairawë Kaiabi, presidente da Atix, considera que a parceria pode gerar resultados mais significativos, já que a ação local do Ibama ainda é tímida e acaba não barrando irregularidades, como a derrubada de mata fora dos limites estabelecidos por lei. A Atix também está em contato com a Polícia Federal e a Fundação do Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso (Fema), com o objetivo de proteger e fiscalizar o entorno do parque.
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