MINISTÉRIO DA AGRICULTURA
chancela hormônio transgênico no leite
Governo
descumpre compromisso assumido com a Comissão de Meio Ambiente da
Câmara e decide renovar licença para venda de hormônio, proibido na
Europa, usado no aumento da produção de leite.
O uso da somatotropina bovina recombinante
é uma polêmica mundial. Mais conhecido por sua sigla em inglês, BST,
esse hormônio é considerado uma espécie de precursor dos transgênicos
e usado para fazer com que vacas produzam mais leite. Cercado por
suspeitas de danos à saúde de consumidores, o medicamento divide opiniões
e tem sua comercialização proibida na Europa e no Canadá, mas permitida
nos Estados Unidos e em outros países. O Brasil adotou a linha norte-americana
e em 1990 autorizou dois laboratórios a venderem aqui o BST.
Um memorando da Coordenação de Fiscalização de Produtos Veterinários
(CPV), do Ministério da Agricultura, encaminhado à Câmara dos Deputados,
informou no dia 6 de março que antes da renovação das duas licenças
os casos seriam reavaliados para “atualizar as informações sobre segurança
do uso do produto”, e uma nova análise seria feita pela Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio).
A promessa foi ignorada. A licença mais antiga vence sexta-feira,
dia 28, e o Ministério da Agricultura já decidiu renová-la sem fazer
nenhuma reavaliação nem submeter o caso à CTNBio.
A somatotropina é um hormônio de crescimento
natural secretado por alguns animais. No começo da década de 1980,
ainda no nascedouro das experiências transgênicas, cientistas conseguiram
produzi-la em laboratório por meio da chamada técnica do DNA recombinante.
O medicamento começou a ser vendido para produtores para ser injetado
em vacas, que passaram a produzir mais leite (ver infográfico).
As críticas não demoraram. Já em 1988, pesquisadores norte-americanos
mandaram cartas a publicações científicas alertando para potenciais
risco do leite resultante do uso do BST. No final da década de 1990,
especialistas da Harvard Medical School
e cientistas contratados pelo governo do Canadá reforçaram os temores.
Riscos
Os ataques ao BST se dão em duas frentes. Na primeira, pesquisadores
afirmam que o aumento na produção de leite gera inflamações nas mamas
das vacas, aumentando a necessidade de uso de antibióticos. O resíduo
desses remédios no leite prejudicaria o sistema imunológico humano.
Na segunda frente, o fato de o BST injetado aumentar a produção do
Insuline-like Growth
Factor (IGF-1), um hormônio semelhante
à insulina, é apontado como potencial causador de câncer e outras
doenças. Mesmo dentro da Embrapa, o respeitado centro de pesquisa
do governo que defende transgênicos, o perigo do BST é levado a sério.
“O risco para a saúde de quem toma o leite é muito pequeno, mas realmente
existe”, afirma Leovegildo Lopes de Matos,
gerente do Núcleo Sul da Embrapa Gado de Leite.
A defesa do uso do BST também começou cedo nos Estados Unidos. Em
1993, a Food and Drug Administration/FDA (nota
do site: setor de drogas e fármacos dos EUA), a agência norte-americana
reguladora de alimentos e remédios, declarou formalmente que o uso
do hormônio não implica problemas para as vacas nem para quem bebe
o leite. Diversos outros artigos publicados em revistas científicas
e estudos realizados por pesquisadores da Universidade Cornell
e por outras instituições também concluíram que o BST não é perigoso
para os consumidores. Os principais argumentos dos especialistas que
se enquadram nesse grupo são a inexistência de vínculo concreto entre
a utilização do BST e inflamações em mamas de vacas,
que exigiriam maior uso de antibióticos, e também a não comprovação
de resíduos no leite de IGF-1 que não pudessem ser eliminados pelo
aparelho digestivo humano e, assim, se tornassem perigosos. “Não existe
nenhum risco para a saúde”, diz Jaco Tormes, diretor de Assuntos Corporativos da Elanco, um dos laboratórios que vende o BST no Brasil.
Falta de identificação
Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)
mostram que no ano passado, produtores de leite brasileiros compraram
745 mil doses de BST. Como a venda ocorre em diversas regiões do país
e o leite originário de diferentes pecuaristas é misturado no processo
de produção de grandes empresas, não há como saber quais lotes de
leite provêm de vacas que receberam o medicamento. Ao contrário do
que já ocorre nos Estados Unidos, não há tradição no Brasil de uso
da informação “leite sem BST” em rótulos de produtos retirados de
vacas livres do hormônio.
O governo liberou a venda do BST em 1990. O laboratório Eli
Lilly, do qual a Elanco
é a divisão para produtos animais, foi autorizado a vender o Lactotropin,
hormônio produzido pela Monsanto, a
gigante mundial na área de transgênicos, e o Schering
Plough Saúde Animal conseguiu licença
para comercializar o Boostin, o BST produzido
pelo sul-coreano LG. A licença do Boostin
tem validade até setembro, mas a do Lactotropin
vence na sexta-feira.
No começo do ano, o deputado Edson Duarte (PV-BA), membro da Comissão
de Meio Ambiente da Câmara, encaminhou um pedido de informações ao
Ministério da Agricultura sobre a comercialização do BST. “Resolvemos
buscar as informações para que a comissão possa tomar providências
que forem necessárias”, diz o deputado. “É um assunto que nos preocupa”.
Foi na resposta a esse pedido de informações que o ministério prometeu
reavaliar a liberação do produto. O memorando número 033/2006, preparado
pela Coordenação de Fiscalização de Produtos Veterinários com o endosso
do Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários e da Secretaria
de Defesa Agropecuária do ministério, afirma isto na página 3: “Esclarecemos
que, quando da renovação da licença, e com o objetivo de atualizar
as informações sobre segurança do uso do produto, o MAPA solicitará
nova análise da CTNBio”.
A Elanco encaminhou no começo de abril um
pedido de renovação da licença e está convencida de que não haverá
problemas. “Nossa expectativa é que tudo corra de forma normal”, diz
Clea Camargo, gerente da Área Técnica e
Recursos da Elanco, acrescentando não haver
nenhuma necessidade de o processo passar pela CTNBio, um colegiado técnico de assessoramento
do governo na área de modificações genéticas. Apesar de contrariar
o memorando enviado à Câmara, é essa a linha que o Ministério da Agricultura
assumiu na prática.
Sem problemas
Na última quarta-feira, Flordivina Mikami, coordenadora de Fiscalização de Produtos Veterinários
do ministério, foi categórica ao afirmar que a licença será renovada.
“Não há nada de novo em termos de informações”, afirmou. Ela disse
ter consultado técnicos do órgão e concluído não haver nenhum “problema”
para a renovação ser feita e descartou a necessidade de quaisquer
novas análises ou avaliações. No dia seguinte, depois de saber que
o Correio havia contatado a Elanco, a coordenadora amenizou um pouco o tom e foi menos
taxativa, mas ainda assim afirmou que “hoje não teria nenhum problema”
renovar a autorização. A licença do Lactotropin
deverá ser anunciada pelo governo até a próxima sexta-feira para evitar
que as vendas do hormônio dessa marca precisem ser suspensas.
Correio Braziliense, 25/04/2006.
###########################
POR UM BRASIL LIVRE DE TRANSGÊNICOS
###########################
Número
297 - 28 de abril de 2006