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POR UM BRASIL LIVRE DE TRANSGÊNICOS
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Número
296 – 20 de abril de 2006
Car@s
Amig@s,
Qual o papel da produção industrial de frangos na atual crise de gripe
aviária? A pergunta pode parecer estranha, já que as aves migratórias
vêm sendo responsabilizadas pela difusão do vírus e as criações domésticas
de galinhas e outras aves caipiras são tidas como sua provável fonte.
No entanto, sabemos que o adensamento de animais em sistemas de confinamento
facilita o aparecimento e a disseminação de estirpes mais agressivas
de vírus e de outros agentes patogênicos.
Um estudo da ONG Grain publicado em fevereiro passado (2006)
foi mais a fundo na questão*. O relatório afirma que o vírus H5N1
é eminentemente um problema associado às práticas da criação industrial
de aves e conclui que o risco real de pandemia está na possibilidade
de governos imporem uma artificialização ainda maior da criação de
aves como forma de tentar conter o avanço da doença.
Países do sudeste da Ásia como a Tailândia, a Indonésia e o Vietnam,
onde se concentram os surtos da gripe, viram o volume de sua produção
de frangos ser multiplicado por oito nos último trinta anos. Praticamente
toda essa produção está concentrada ao redor de grandes cidades e
em sistemas de integração com empresas transnacionais.
Cruzando a localidade dos países ou das regiões onde se detectou a
doença com as rotas das aves migratórias e os períodos em que cada
uma aconteceu, é possível verificar que há pouca relação entre uma
coisa e outra. Além disso, há até agora pouca evidência de que aves
silvestres carreguem e transmitam o vírus em sua forma mais letal.
“O padrão dos surtos segue rodovias e estradas de ferro, e não rotas
aéreas de aves”, afirma Richard Thomas, pesquisador da organização
BirdLife’s International.
Quando foi descoberto o caso de gansos contaminados na região do Lago
Qinghai, norte da China, logo foi desenvolvida uma teoria para explicar
como de lá o vírus fora levado por aves migratórias até o Cazaquistão,
Rússia e Turquia. Acontece que a região do Lago Qinghai tem um grande
número de granjas e de propriedades rurais onde os peixes são alimentados
com esterco de aves -- o vírus pode sobreviver por até 35 dias nas
fezes. Ademais, há várias rodovias e ferrovias que ligam esta região
a áreas onde se verificou a doença, como no Tibet, a 2.700 quilômetros
dali.
Na verdade, as aves migratórias são mais vítimas do que vetores da
doença. A forma patogênica da gripe se desenvolve em aves domésticas,
mais provavelmente naquelas expostas a versões brandas do vírus que
vivem em aves silvestres. Em granjas superpovoadas, o vírus evolui
rapidamente para uma forma mais patogênica e transmissível, capaz
de saltar de uma espécie para a outra, chegando de novo às aves silvestres
que não têm resistência à nova estirpe. Assim, o H5N1 é um vírus de
aves domésticas matando aves silvestres, e não o contrário. O mesmo
argumento é válido para as criações soltas e de pequena escala. A
gripe aviária não evolui para formas altamente patogênicas nesses
sistemas onde o adensamento de aves é baixo e a diversidade genética
das aves é alta.
E por que o Laos escapou? Lá, ao contrário dos países vizinhos, praticamente
não há contato das criações de pequena escala, que praticamente abastece
a demanda interna, com as granjas industriais. O país fechou suas
fronteiras para os frangos da Tailândia, e ao contrario do Vietnã
e da Tailândia, os produtores locais não são abastecidos por pintos
de um dia nem ração fornecida por grandes empresas. A experiência
do Laos sugere que proteger as pessoas e as aves domésticas da gripe
significa protegê-las do sistema industrial de criação.
Quando se fala em risco de pandemia, um nome sempre presente nas matérias
e reportagens sobre a gripe aviária tem sido o do anti-viral
Tamiflu, tido (sob controvérsias) como o único remédio capaz de agir
sobre a transmissão do vírus de humano para humano. A droga foi produzida
e patenteada pela Gilead Sciences, que cedeu à Roche direitos exclusivos
para sua produção. Assim, comprar o remédio da Roche rapidamente virou
a solução.
Em 2005 as vendas do Tamiflu cresceram 400%, o que ampliou em 166%
as receitas com royalties recolhidos pela Gilead. O atual secretário
de defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, é da diretoria da Gilead
e seu ex-presidente. Ele tem uma participação na empresa que fica
entre US$ 5 e 25 milhões, que talvez o faça sócio majoritário. George
W. Bush já anunciou que destinará 1,4 bilhão de dólares para fazer um estoque de Tamiflu para
o caso de pandemia.
Será que alguma lição foi extraída do caso da vaca louca, também resultante
da industrialização da produção animal? As grandes empresas da área
estão tentando usar os surtos de gripe aviária como oportunidade
para aniquilar com o que resta de produção de aves em pequena escala
e expandir ainda mais seus negócios. Situação não menos esdrúxula
é saber que pesquisadores ingleses andam propondo que toda a população
de frangos seja substituída por aves transgênicas resistente a vírus.
Além das questões sobre a segurança desses animais, tal proposta seria
a receita perfeita para um verdadeiro desastre. Primeiro, porque essas
aves transgênicas apresentariam elevada uniformidade genética e, adensadas
nas granjas modernas, poderiam ser rapidamente dizimadas por um novo
patógeno. Segundo, porque a criação doméstica ou de pequena escala,
que está na mira da inusitada proposta, é fonte importantíssima de
carne e ovos para milhões de pessoas pelo mundo. Mas quem duvida que
alguma “Roche” a lucrar com a medida já ronde governos e autoridades
do setor?
--
*Grain (nota do site: esta é
uma das ONGs mais importantes na área da agricultura com todas as suas
nuances. Um de seus diretores é Henk Hobbelink, um dos autores do
livro fundamental da década de oitenta “Biotecnologia – muito além
da revolução verde”, disponível na biblioteca da Secretaria Municipal
de Meio Ambiente de Porto Alegre).
Fowl play - The poultry industry’s central role in the bird flu
crisis.
Disponível
em: www.grain.org/go/birdflu
Quem
quiser ter mais informações, ver arquivo em pdf:
ASPTA.Gripe
Aviária.GRAIN, neste mesmo site.