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 09 de janeiro de 2006.   

URSOS POLARES ENFRENTAM NOVA AMEAÇA TÓXICA: Retardantes de Chama.

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AMISTOSAMENTE: Andy Derocher, um cientista do Norwegian Polar Institute, dá uma observada bem próxima de um filhote de 4 meses de urso polar.

(Marla Cone / Los Angeles Times) 

Por Marla Cone, Times Staff Writer 

Já expostos ao perigo pelo derretimento dos gelos polares e “fritados” por substâncias químicas tóxicas, os ursos polares, em toda a extensão do Ártico, particularmente nas áreas mais remotas e próximas ao Pólo Norte, enfrentam uma ameaça adicional, os retardantes de chama, originados largamente nos EUA, e que agora estão constituindo seus corpos, conforme relata uma equipe de cientistas internacionais da vida selvagem.

Os retardantes de chama são uma das mais novas adições aos milhares de compostos industriais e agrotóxicos que são carreados para o Ártico pelas correntes oceânicas e ventos que varrem a região norte. Acumulando-se nos tecidos gordurosos dos animais, muitas substâncias químicas aumentam mais se concentrando quando as maiores criaturas vão se alimentando das menores, tornando os predadores do topo do Ártico e as populações nativas entre aqueles organismos vivos que estão mais contaminados na face da Terra.

Em áreas urbanas, particularmente na América do Norte, os pesquisadores já têm demonstrado que os níveis de retardantes de chama chamados tecnicamente de polybrominated diphenyls/PBDEs (nt.: polibromatos difenilos), estão crescendo em rápido compasso tanto na população como na vida selvagem. Apesar deles terem sido detectados em muito baixa concentração no Ártico, os cientistas dizem que seu legado persistirá por anos por lá em razão de serem muito lentamente degradados, especialmente em climas frios.
Nos ursos polares, os efeitos são desconhecidos. Mas, em testes com animais de laboratório, os PBDEs geraram disfunções tanto nos hormônios da glândula tiróide como nos sexuais além de lesar o desenvolvimento cerebral, prejudicando a habilidade motora e por fim as habilidades mentais, incluindo memória e aprendizado.
Os cientistas dizem que outros químicos industriais com propriedades similares aos PBDEs já estão enfraquecendo os sistemas imunológicos dos ursos, alterando sua estrutura óssea, destorcendo seus hormônios sexuais e talvez gerando alguns nascimentos de ursos hermafroditas.
O que permanece incerto, entretanto, é se estas mudanças fisiológicas eliminarão os ursos ou reduzirão suas populações. Alguns especialistas suspeitam que muitos filhotes de ursos, contaminados pelo leite da mãe, não estão sobrevivendo.
Uma ameaça imediata cada vez maior aos 20.000 a 25.000 ursos polares do mundo, é a alteração climática que derrete seus espaços de caça e sobrevivência. Os ursos do oeste do Canadá na Bacia de Hudson – a população mais bem pesquisada – declinaram de 1.100 em 1995 para menos do que 950 em 2004. No Alaska, biólogos da vida selvagem pela primeira vez documentaram que o número de ursos polares está em declínio. Os cientistas predizem que algumas populações podem se tornar extintas no final do século ao mesmo tempo em que o gelo do mar derrete.
Derek Muir do Canada's National Water Research Institute (nt.: Instituto Nacional de Pesquisa da Água do Canadá), que lidera uma nova pesquisa, diz que os padrões geográficos da contaminação sugerem que a costa leste dos EUA e a Europa noroeste sejam as fontes primárias dos retardantes de chama.
Os ursos mais altamente contaminados estão no leste da Groenlândia e nas ilhas norueguesas de Svalbard, onde estas substâncias químicas estão em torno de 10 vezes mais concentrados do que os ursos do Alaska e quatro vezes mais do que os do Canadá, de acordo com uma nova pesquisa publicada em dezembro último no periódico Environmental Science and Technology (nt.: Ciência Ambiental e Tecnologia).
Como a maior área de vida dos ursos, Svalbard é o refúgio nacional onde caçar é proibido, mas os cientistas do Instituto Polar Norueguês dizem que a população de ursos não está tendo sucesso e as velhas fêmeas não estão dando novas crias.
Uma equipe de cientistas do Canadá, Noruega, Dinamarca e Alaska, que testaram 139 ursos capturados em 10 locais, detectaram que os retardantes de chama feitos com bromo magnificam da presa ao predador em níveis extraordinários. Um composto estava 71 vezes mais concentrado nos ursos polares do que nas focas aneladas, sua maior fonte de alimento.
As grande fábricas nos EUA empregam imensos volumes destes retardantes de chama, os PBDEs, em móveis, nas forrações dos carpetes, nos equipamentos eletrônicos e em resinas plásticas. O composto da família dos PBDEs mais abundante em ursos é o denominado penta, utilizado primeiramente nos EUA para fazer espumas de estofados e travesseiros resistentes ao fogo.
O único fabricante nos EUA, dos compostos penta e de outro chamado octa, finalizou sua produção em 2004 depois que estes compostos foram detectados em leite materno. E tanto a Europa como a Califórnia já baniram sua utilização. No entanto os estoques permanecem, da mesma forma como os produtos fabricados que contém penta, octa e outros retardantes de chama. Assim estes químicos ainda continuam pegando carona para o Ártico com os ventos que rumam para o norte.
Michael Ikonomou do Canada's Institute of Ocean Sciences (nt.: Instituto das Ciências Oceânicas do Canadá) relatou algumas boas notícias no último ano. Apesar dos retardantes de chama terem dobrado a cada quatro a cinco anos no Ártico, as focas aneladas se estabilizaram, de 1981 a 2000, assim que o banimento dos dois compostos começou a fazer efeito. Derek Muir disse que espera "uma rápida queda” nos níveis dos ursos polares assim que as fábricas pararem de utilizar seus estoques. Ele previu, no entanto, que outros químicos industriais comecem a aumentar nas criaturas no Ártico.
Os padrões geográficos dos retardantes de chama espelham os de outro velho e terrível contaminante — a família dos PCBs, ou policloreto bifenilos. Apesar de banido pelas nações industrializadas nos anos setenta, os PCBs persistem no ambiente por décadas permanecendo como o mais abundante e preocupante contaminante em ursos polares, particularmente nas regiões árticas, norueguesa e russa.
Muir, que tem documentado a contaminação da vida selvagem do Ártico por 20 anos, disse que os retardantes de chama provavelmente estão vindo das mesmas áreas de onde se originou os PCBs. Chegam no Ártico via os mesmos caminhos — primeiramente pelos ventos que se dirigem para o norte carreando estes químicos, através do Atlântico, dos EUA, Canadá e da  Europa do norte.

Se os químicos fossem originários da Ásia, a contaminação seria mais alta nos ursos do Alaska.
Em junho passado em Seattle, 40 cientistas da vida selvagem, representando todas as cinco nações que abrigam populações de ursos polares, adotaram uma resolução declarando que os ursos são “suscetíveis aos efeitos dos poluentes", e que estes efeitos podem ser piorados pelo estresse do aquecimento global. Eles concordaram que os químicos provavelmente causam doenças e alterações em tecidos, órgãos e densidade dos ossos dos ursos no leste da Groenlândia. A Dinamarca, a quem pertence o território auto-governado da Groenlândia, decidiu realizar um estudo circumpolar do papel da poluição em órgãos vitais afetados dos ursos e em outros sistemas de seus organismos.
Geir Gabrielsen, diretor de pesquisa dos impactos ambientais de substâncias tóxicas, afirma que todos os compostos industriais e agrotóxicos provavelmente se combinem para alterar a fisiologia dos ursos bem como dos pássaros marinhos do Ártico. As gaivotas glaucas em Svalbard têm mostrado sinais de estresse na reprodução, no comportamento e no desenvolvimento, talvez pelos PCBs e outros contaminantes que alteram seus hormônios da tiróides. Grandes quantidades de químicos também estão em altos níveis em raposas árticas e baleias.
"Os PCBs, os agrotóxicos e compostos bromatados e fluoretados são a maior ameaça aos predadores do topo da cadeia alimentar das ilhas de Svalbard," ele disse.
Virtualmente cada animal e pessoa testada na Terra contém traços dos retardantes de chama bromatados, afirmam os cientistas. Os norte-americanos têm os mais altos índices detectados até aqui e muitas das mulheres norte-americanas levam em seus leites maternos concentrações que estão perto das quantidades que alteram os cérebros de camundongos recém nascidos em testes de laboratório.
Mamíferos marinhos das áreas urbanizadas da América do Norte, particularmente comedores de baleias e belugas, são 100 vezes mais contaminados com PBDEs do que as criaturas do Ártico. Ursos polares do Canadá, entretanto, contém mais dos que os ursos pardos nacionais em razão de suas dietas ser quase que inteiramente carne, particularmente gorda onde se concentram estes químicos. Os predadores de baleias têm as mais altas concentrações no Ártico.
Somando-se aos retardantes de chama bromatados, os compostos fluoretados utilizados para fabricar o Teflon e anteriormente utilizados no Scotchgard têm sido detectados em ursos polares na Groelândia, Canadá e Alaska. Os compostos da família dos PBDEs denominados deca, usados em grandes volumes em eletrônicos, estão presentes no sangue dos ursos de Svalbard.
Um novo estudo também detectou um outro retardante de chama utilizado em materiais de construção e utensílios domésticos, chamado HBCD ou hexabromocyclododecane (nt.: hexabromociclododecano), nos ursos do Ártico. Os químicos pensavam que este produto tinha baixo potencial de migração a longas distâncias, mas agora crêem que ele está disperso globalmente.
"É um químico que necessita ser vigiado," disse Muir, "já que ele biomagnifica nas cadeias alimentares aquáticas e parece ser um poluente altamente dispersante."

 

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha,  fevereiro de 2006.