http://www.pg.cefetpr.br/ppgep/Ebook/cd_Simposio/artigos/comunicacao_oral/art17.pdf
Energia
e Transgênicos como Questões na Humanização do Desenvolvimento
Por Fritjof Capra
(PHD,
Físico e teórico sobre sistemas, é um dos fundadores do Centro de
Ecoalfabetização em Berkeley. Ele é o autor de diversos bestsellers internacionais,
incluído “O Tao da Física”, “A Rede da Vida”.
Esta palestra está baseada em seu último livro “As conexões ocultas:
a ciência para uma vida sustentável”) Trabalho apresentado no Seminário: "Humanização do Desenvolvimento Mundial".
Realizado em 21 de outubro de 2004, no Centro de Exposições
Horácio Sabino Coimbra CIETEP/FIEP - Avenida Comendador Franco,1341- Curitiba/PR. Digitado e traduzido
por Bernardo Perna. os dois cenários
Gostaria de começar lembrando a vocês
sobre os dois desenvolvimentos que eu mencionei esta manha; terão
impacto decisivo sobre o nosso bem estar e o
futuro de nossa forma de viver – o surgimento do capitalismo
global e a criação de comunidades sustentáveis baseadas na prática
de uma perspectiva ecológica. Estes dois cenários – cada um envolvendo
redes complexas e tecnologias especiais avançadas – estão atualmente
em curso de colisão. Enquanto na natureza cada membro de uma rede
viva está incluído e contribui para a sustentação do todo, o capitalismo
global está baseado no princípio que ganhar dinheiro deveria preceder
todos os demais valores, o que cria grandes exércitos de excluídos
e um ambiente cultural, social e econômico que não é a vida agregando,
mas se degradando. Entretanto, os valores humanos podem mudar; não são leis naturais.
A questão crítica não é tecnologia, mas política e de liderança. O
grande desafio do século XXI será mudar o sistema de valores que marcam
a economia global, de forma a fazê-la compatível com a demanda humana
de dignidade e sustentação ecológica. Na verdade, este processo de
reformulação da globalização já começou. Na virada deste século, uma coalizão global
impressionante de ONGs formou–se em volta de valores centrais da dignidade humana
e da sustentação ecológica. Esta coalizão agora está formando uma
sociedade civil global. Esta sociedade civil está engajada numa ampla
variedade de projetos e campanhas. Na minha segunda palestra me concentrarei
em duas áreas – agricultura e energia – que são pontos focais para
coalizões de base amplas e muita ativas. Deixe-me abordar a sustentação ecológica. sustentação ecológica
O conceito de sustentabilidade foi introduzido
no inicio dos anos 80 por Lestern Brown
fundador Worldwatch Institute
que definiu uma sociedade sustentável como aquela que seja capaz de
satisfazer suas necessidades sem diminuir as chances das gerações
futuras. Muitos anos depois, o relatório da Comissão Mundial Sobre
o Desenvolvimento e o Meio Ambiente (nt.: comissão
proposta pela ONU e sob a presidência da então primeira ministra da
Noruega Gro Bruntland) conhecido como
Relatório Brundtland usou a mesma definição
para apresentar a noção de desenvolvimento sustentável: “A
humanidade tem a habilidade de atingir o desenvolvimento sustentável,
e satisfazer suas necessidades presentes sem comprometer a habilidade
das gerações futuras em satisfazerem suas próprias necessidades.” Estas definições de sustentabilidade são
exortações morais importantes. Elas lembram-nos das nossas responsabilidades
em passar aos nossos filhos e netos um mundo com tantas oportunidades
como aquele que herdamos. Entretanto, esta
definição não nos diz nada de como construir uma sociedade sustentável.
O que precisamos é uma definição operacional de sustentabilidade ambiental.
A chave para esta definição é a percepção
de que nos não precisamos inventar comunidades humanas sustentáveis
partindo do zero, mas podemos modelá-las a partir dos ecossistemas
naturais que são comunidades sustentáveis de plantas, animais e microorganismos.
Como uma das características impressionantes da biosfera é sua inerente
capacidade de sustentar a vida. Uma comunidade humana sustentável
deve ser projetada de tal modo que sua forma de vida, negócios, economia,
estrutura física e tecnologias não interfiram com a habilidade inerente
da natureza em sustentar a vida. ecoalfabetização e ecoconcepção
Esta definição
implica que o primeiro passo da nossa luta na construção de comunidades
sustentáveis deve ser tornar-nos “alfabetizados ecologicamente” i.e.,
compreender os princípios organizativos que os ecossistemas têm desenvolvido
para sustentar a teia da vida. Nas décadas vindouras a sobrevivência
da humanidade dependerá da nossa ecoalfabetização
– nossa habilidade de compreender os princípios básicos da ecologia
e viver em conformidade com eles. Isso significa que alfabetização
ecológica deve tornar-se uma habilidade crítica para nossos políticos,
lideres de negócios e profissionais em todas as esferas – da escola
elementar à universidade, assim como da educação contínua e do treinamento
de profissionais. Precisamos ensinar
aos nossos filhos os fatos fundamentais da vida – que as sobras de
uma espécie são o alimento de outra; que a matéria circula continuamente
através da teia da vida; que a energia que move os ciclos ecológicos
vem do sol; que a diversidade garante a resistência; que a vida, desde
o seu primórdio há três bilhões de anos atrás não tomou este planeta
pelo combate, mas pela cooperação em rede. Todos
esse princípios da ecologia estão intimamente relacionados. Eles
são aspectos diferentes de um singelo padrão fundamental de organização
que tem permitido a natureza sustentar a vida por bilhões de anos.
A natureza sustenta a vida criando e alimentando comunidades. Nenhum
organismo pode existir no isolamento. Animais dependem da fotossíntese
das plantas para suas necessidades de energia; as plantas dependem
do dióxido de carbono produzido pelos animais como também do nitrogênio
colocado pelas bactérias em suas raízes; e juntos, plantas, animais
e microorganismos, regulam toda biosfera e mantém as condições que
conduzem à vida. Sustentabilidade,
então, não é uma propriedade individual, mas propriedade de uma complexa
rede de relações. Sempre envolve comunidades completas. Esta é uma
lição profunda que precisamos aprender com a natureza; a forma de
sustentar a vida conecta-se à construção e à manutenção de comunidades.
Uma comunidade humana sustentável interage com outras comunidades
– humanas e não-humanas – de modo que as capacita a viver e a desenvolver-se
de acordo com sua natureza. Sustentabilidade não significa que as
coisas não se alteram. É um processo dinâmico de co-evolução mais
do que um estado estático. No reino humano sustentabilidade inclui o respeito
pela integridade cultural e o direito básico das comunidades de autodeterminação
e auto-organização. Isto significa que a sustentabilidade ecológica
e a justiça econômica são interdependentes. Dois lados de uma mesma
moeda. Sustentação da vida significa reconhecer que somos uma parte
inseparável da teia da vida, das comunidades humanas e não-humanas
e que ampliar a sustentabilidade e a dignidade de qualquer uma delas
ampliará todas as outras. Ser ecologicamente
alfabetizado significa compreender como esses valores e princípios
de organização estão interconectados. Este é o primeiro passo na estrada
da sustentabilidade. O segundo passo é um projeto, um planejamento
ecológico. Precisamos aplicar nosso conhecimento ecológico para uma
fundamental reformulação de nossas tecnologias e instituições sociais,
de forma a cobrir a lacuna atual entre o design humano e os sistemas
naturais ecologicamente sustentáveis. Design, no seu sentido mais
amplo, consiste em formatar fluxo de energia e material para propósitos
humanos. O design ecológico é um processo no qual
nossos propósitos humanos são cuidadosamente mesclados com
padrões e fluxos mais amplos do mundo natural. Os princípios do design
ecológico refletem os princípios de organização que a natureza criou
para sustentar a teia da vida. Para exercer projetos neste contexto
é necessária uma mudança fundamental em nossa atitude em relação à
natureza, uma mudança sobre como descobrir o que podemos extrair da
natureza e o que podemos aprender com ela. Em anos recentes
tem havido um aumento dramático de altitudes e projetos ecologicamente
orientados, todos estão agora muito bem documentados. Nesta palestra
concentrar-me-ei em duas áreas – agricultura e energia – mas antes
de fazê-lo, direi algumas palavras sobre desenvolvimento. desenvolvimento biológico
O conceito de desenvolvimento como é aplicado
hoje tem dois significados. Para os biólogos desenvolvimento é uma
característica fundamental para toda a vida.
Sistemas vivos – organismos, ecossistemas ou sistemas sociais
– desenvolvem-se; eles crescem, amadurecem e criam novas formas e
novos padrões de comportamento. As
ciências da vida também ensinam-nos que o
desenvolvimento de um sistema vivo, tipicamente inclui um período
de rápido crescimento físico. Este é um período pertinente a um organismo
jovem. Nos ecossistemas esta é a fase inicial que é caracterizada
pela expansão rápida e pela colonização do território. Este rápido
crescimento é sempre seguido por um crescimento mais lento, pela maturação,
e finalmente pelo declínio e decadência ou, nos ecossistemas, chamado
de sucessão. Quando nós estudamos
a natureza podemos ver muito claramente que crescimento indefinido
e irrestrito é insustentável. Por exemplo, há rápido crescimento com
células cancerosas, mas não se sustenta porque as células morrem quando
o organismo hospedeiro morre. Vemos que, embora crescimento seja uma
característica fundamental da vida, crescimento indefinido não é sustentável.
Mas é importante notar que mesmo sem expansão física, pode haver desenvolvimento
porque pode haver aprendizado e maturação ocorrendo sem crescimento
físico. desenvolvimento econômico
O segundo significado
do desenvolvimento é aquele usado por economistas e políticos, e é
muito diferente. A primeira coisa que percebemos é o diferente uso
gramatical do verbo “desenvolver”.
Nas ciências da vida é usado como um verbo intransitivo todos
os sistemas vivos desenvolvem-se; organismos vivos desenvolvem-se;
pessoas desenvolvem-se. Há um senso de desdobramento, de percepção
do nosso potencial. Economistas,
por contraste, usam o verbo “desenvolver” como verbo transitivo: “pessoas
desenvolvem as coisas”. Há uma categoria completa de pessoas de negócios
que se proclamam desenvolvimentistas e saem por aí desenvolvendo coisas.
Desenvolvem propriedades
- sítios, terras, edifícios, etc. O conceito de
Southern – sulista ou desenvolvimento do
terceiro mundo – apóia-se inconsistentemente entre esses dois significados.
Primeiro, é um conceito muito recente. Antes da segunda guerra mundial
ninguém teria pensado em desenvolvimento como uma categoria econômica.
Mas após a segunda guerra mundial foi quase sempre usado num sentido
transitivo. As pessoas sairiam e “desenvolveriam o terceiro mundo”
sem qualquer percepção das relações de poder que estão envolvidas
nesta sentença, as quais mostram a mais extraordinária falta de respeito.
Pessoas com poder saindo por aí, para desenvolver outras pessoas. O outro fenômeno
extraordinário é a categorização do mundo inteiro numa única dimensão.
Países e pessoas são “desenvolvidos” ou eles estão “se desenvolvendo”
ou eles são “subdesenvolvidos”. É exatamente como a tabela de um campeonato
de futebol, com os países ricos figurando em primeiro e antes de todos
os Estados Unidos, no topo, e os países pobres no final. Não é de
espantar que 25% das crianças americanas agora vivem abaixo da linha
de pobreza; que os EUA gastam mais em prisão do que em educação superior,
e que é o único país industrial que tem a pena de morte. A gigantesca
diversidade da existência humana agora está concentrada numa simples
dimensão chamada “desenvolvimento” a qual é freqüentemente medida
simplesmente em receita per
capita. É um conceito absolutamente assustador que pessoas inteligentes
vivendo neste mundo espantosamente diverso, tenham permitido que tal
construto intelectual se tornasse tão poderoso. Quando nós olhamos detalhadamente para o conceito
de desenvolvimento econômico podemos observar três características
básicas:
1.
Desenvolvimento é um conceito nortista.
A tabela da liga – “desenvolvido / em desenvolvimento / subdesenvolvido”
- está arquitetado conforme um critério nortista. Os países que são
desenvolvidos são aqueles que adotaram o estilo de vida industrial
do norte. Assim, desenvolvimento é um conceito profundamente monocultural.
Ser um país em desenvolvimento significa obter sucesso nas suas aspirações
de se tornar como os do Norte.
2.
Desenvolvimento significa desenvolvimento
econômico. Não há outras aspirações sociais ou valores culturais permitidos
a entrar no caminho deste desenvolvimento. Se puderem co-existir com
o desenvolvimento OK; se não puderem serão varridos.
3.
O desenvolvimento econômico é um processo
de cima para baixo, descendente. Decisão e controle encontram-se firmemente
na mão de especialistas, administradores do capital internacional,
burocratas de governos, do banco mundial, do FMI, etc. Em resumo existem
três características do desenvolvimento na forma como é correntemente
representada no palco mundial: é nortista, puramente econômico e descendente.
humanizando o desenvolvimento do mundo
Humanizar o desenvolvimento do mundo significa
a introdução de valores da dignidade humana e da sustentabilidade
ecológica para dentro do processo de desenvolvimento. Isto é o que
os lideres da sociedade civil global têm proposto no Fórum Social
Mundial. A visão alternativa proposta por esta sociedade civil, ou
movimento de justiça global vê o desenvolvimento como um processo
criativo, característico de toda vida, um processo de aumento de capacitação,
onde a coisa mais importante que se precisa fazer é exercer controle
sobre os recursos locais. Nesta visão,
o processo de desenvolvimento não é puramente um processo econômico.
É também um processo social, ecológico e ético – um processo multidimensional
e sistêmico. Os atores primários do desenvolvimento são instituições
da sociedade civil, baseadas em parentescos, na vizinhança ou em interesses
comuns. Porque as pessoas
são diferentes e os lugares onde vivem são diferentes, nós podemos
esperar que o desenvolvimento produza diversidade cultural de todos
os tipos. O processo por onde isso ocorrerá será muito diferente do atual sistema de comércio global.
Será baseado na mobilização de recursos locais para satisfazer necessidades
locais e alimentado pela dignidade humana e sustentabilidade ecológica.
Agora me deixem
retornar para a questão da sustentabilidade e do ecodesign
para discutir primeiro a agricultura e então
energia. a biotecnologia na agricultura
Na agricultura,
uma coalizão em escala mundial de ONGs foi
formada para resistir a apressada e descuidada introdução de transgênicos
e para promover a prática de uma agricultura sustentável. À medida que
a lacuna entre os anúncios da indústria biotécnica
e as realidades da alimentação biotecnológica
tornam-se ainda mais aparente nos últimos anos, a resistência contra
os alimentos transgênicos cresceu e transformou-se num movimento político
mundial. Os anúncios
da biotecnologia desenham um bravo novo, um mundo no qual a agricultura
não mais dependerá de químicos e assim não mais danificará o meio
ambiente. Alimentação será a melhor e mais segura do que foi antes,
a fome mundial desaparecerá. Aqueles de nós que são ativistas ambientais
por muitas décadas sentem um forte pressentimento de dejá vu quando lêem
ou escutam tais projeções otimistas, mas totalmente insipiente do
futuro. Relembramo-nos vividamente que uma linguagem similar foi usada
pelas mesmas corporações agro-químicas quando promoveram uma nova
era de químicos para agricultura alardeada como “Revolução Verde”
décadas atrás. Desde aquela época o lado escuro da agricultura
tornou-se dolorosamente evidente. Hoje é bem sabido que aquela revolução
não ajudou nem agricultores, nem a terra, nem consumidores. Os efeitos
em longo prazo do uso excessivo da química na agricultura tem sido
um desastre para a saúde do solo e para saúde humana, para as nossas
relações sociais e para todo ambiente natural sobre o qual nosso bem
estar e futura sobrevivência dependem. Os proponentes da biotecnologia freqüentemente
argumentam que as sementes de transgênicos são cruciais para alimentar
o mundo. Entretanto, as agências de desenvolvimento sabem há muito
tempo que as raízes da causa da fome ao redor do mundo não estão relacionadas
com a produção de alimentos. Elas são pobreza,
desigualdade e falta de acesso a alimento e terra. Se essas causas
estruturais não forem abordadas, a fome persistirá pouco importando
que tecnologia será usada. Mesmo nos EUA
hoje existe entre 20-30 milhões de pessoas mal alimentadas! A verdade simples
é que a maioria das inovações relativas a alimentos biotecnológicos
tem sido orientada pelo lucro, não pela necessidade. Por exemplo,
grãos de soja sofreram intervenção da engenharia da Monsanto
para resistir especificamente ao herbicida Roundup produzido pela própria empresa de forma a aumentar
as vendas daquele produto. A Monsanto também
produziu sementes de algodão contendo um gene de inseticida, objetivando
aumentar dramaticamente as vendas de semente. Tecnologias como estas
aumentam a dependência dos agricultores sobre produtos que são patenteados
e protegidos por “direitos de propriedade intelectual”, o que faz
as velhas práticas da agricultura de reprodução, estocagem e divisão
de sementes uma prática ilegal. Há fortes indicações
que uso descontrolado de colheitas transgênicas não irá apenas falhar
na solução do problema da fome, mas, ao contrário, poderá perpetuá-la
e agravá-la. Se sementes transgênicas continuarem a ser desenvolvidas
e manipuladas exclusivamente por corporações privadas, agricultores
pobres não poderão adquiri-las e se a indústria biotécnica
continuar a proteger seus produtos através de patentes que impeçam
de estocar e comercializar sementes, os pobres se tornarão no futuro
dependentes e marginalizados. Os riscos da
atual biotecnologia na agricultura são uma conseqüência
direta da falta de uma perspectiva ecológica dentro da indústria biotécnica. Modificações genéticas de colheitas são feitas
com uma pressa inacreditável e transgênicos são plantados maciçamente
sem testes apropriados de curto e longo prazo dos impactos sobre os
ecossistemas e sobre a saúde humana. Estas colheitas de transgênicos
não-testadas e potencialmente perigosas espalham-se por todo planeta
criando riscos irreversíveis; infelizmente estes riscos são freqüentemente
colocados de lado pelos geneticistas cujo conhecimento e treinamento
ecológico é mínimo. Nas suas tentativas
de patentear, explorar e monopolizar todos os aspectos da biotecnologia
as grandes corporações agro-químicas tem comprado semente e empresas
biotécnicas e tem se reestilizado
como “corporações da ciência da vida”. As fronteiras tradicionais
entre as indústrias farmacêuticas, agro-químicas e biotecnológicas
estão desaparecendo rapidamente na medida que
se fundem para formar conglomerados gigantescos sob a bandeira da
ciência da vida. O que todas
estas chamadas “corporações da ciência da vida” tem
em comum é o reduzido conhecimento da vida baseado numa crença errada
que a natureza pode estar sujeita ao controle humano. Ignoram a autogeração
e a auto-organização dinâmica, que é a essência da vida, e ao invés
disso redefinem organismos vivos como máquinas que podem ser manuseadas
de fora, patenteadas e vendidas como recursos industriais. Assim,
a própria vida tornou-se a última commodity
(mercadoria). Em anos recentes,
os problemas de saúde causados pela engenharia genética assim como
seus problemas sociais, ecológicos e éticos tornaram-se todos muito
aparentes, e há agora um movimento global crescente muito rápido que
rejeita esta forma de tecnologia. uma alternativa ecológica
Felizmente há
uma alternativa ecologicamente aprovada e muito bem documentada para
os transgênicos, nova, que esta lentamente tomando conta da agricultura
mundial numa revolução silenciosa. É conhecida como “agricultura orgânica”,
“agricultura sustentável” ou “agroecologia”.
Quando os agricultores plantam safras organicamente, eles usam tecnologia
baseada no conhecimento ecológico e não no químico ou na engenharia
genética para aumentar seus campos, o controle das pestes e promover
fertilidade no solo. Quando o solo
é cultivado organicamente, seu conteúdo de carbono aumenta, e assim
a agricultura orgânica contribui para reduzir o aquecimento global.
De fato, tem-se estimado que aumentando o conteúdo de carbono nos
solos empobrecidos do planeta a níveis plausíveis absorveria quantidade
de carbono equivalente àquelas emitidas pelas atividades humanas.
O renascimento
da agricultura orgânica é um fenômeno mundial. Agricultores em mais
de 130 países produzem atualmente alimento orgânico para comercializar;
a área total que está sendo trabalhada de forma sustentável é estimada
em mais de sete milhões de hectares e o mercado do alimento orgânico
tem crescido numa estimativa de U$ 22 bilhões ao ano. Há evidência
abundante que agricultura orgânica é uma alternativa ecológica saudável
à química e à tecnologia genética da indústria da agricultura. A agricultura
orgânica aumenta a produtividade de forma viável econômica e socialmente
além de ambientalmente benigna. energia solar
Numa sociedade
sustentável, todas as atividades humanas, assim como os processos
industriais devem utilizar energia solar exatamente como fazem os
ecossistemas. Em virtude do papel crítico que o carbono tem sobre
as alterações globais, fica evidente que o uso de combustíveis sólidos
é insustentável em longo prazo. Portanto, mudar para uma sociedade sustentável
centralmente inclui mudar o modelo energético baseado em combustíveis
fóssil – principal fonte de energia da Era Industrial – para energia
solar. O sol tem fornecido
energia a este planeta por bilhões de anos; virtualmente todas as
formas de energia – madeira, carvão, petróleo, gás natura, vento,
hidroenergia e assim por diante – são formas de energia solar.
Entretanto, nem todas são renováveis. No debate atual sobre energia,
o termo “energia solar” é aplicado mais especificamente para referir-se
a formas de energia que vêm de fonte inesgotáveis
ou renováveis – a luz do sol para aquecimento solar e eletricidade
fotovoltáica, vento, hidroenergia
e biomassa (matéria orgânica). A tecnologia solar
mais eficiente envolve equipamentos
pequenos, a serem usados pelas comunidades locais e que geram
uma ampla variedade de postos de trabalho. Portanto, o uso da energia
solar reduz a poluição ao mesmo tempo em que aumenta a demanda de
trabalho. Não obstante, a mudança para energia solar beneficiará especificamente
as pessoas que vivem no Sul, onde a luz solar é abundante. Nas décadas
anteriores, depositava-se muita esperança que a energia nuclear pudesse
ser o combustível ideal para substituir o carvão e o óleo, nas logo
tornou-se aparente que ela trazia enormes riscos e custos e
que não era uma solução viável. Os riscos começam com a contaminação
das pessoas e do meio-ambiente com substâncias radioativas causadoras
de câncer, durante todos os estágios do ciclo deste combustível.
Juntando-se a isso, há a emissão inevitável de radiação em
acidentes nucleares e mesmo durante operações rotineira
de manutenção dos equipamentos; há o insolúvel problema de
segurança na estocagem do resíduo do material radioativo; a ameaça
de terrorismo nuclear e a possibilidade de perda de direitos civis
básicos numa “economia totalitária do plutônio”. Todos estes
riscos combinados aumentam o custo de operação de estações de geração
de energia nuclear a um nível que as tornam altamente não-competitivas.
Hoje, a energia nuclear é a fonte energética de menor crescimento,
caindo para um mero percentual de crescimento em 1996, sem nenhuma
perspectiva de melhoramento. De acordo com o jornal inglês
The Economist “Nenhuma estação de geração de
energia nuclear no mundo tem mais sentido comercial”. A energia solar,
por oposição, é o setor que mais cresce desde a última década. O uso
de células solares (i.e. células fotovoltaicas que convertem a luz
solar em eletricidade) cresceu perto de 17% ao ano nos anos 90. Uma
estimativa mostra que mais de meio milhão de lares no mundo, a maioria
em vilarejos remotos que não estão ligados à energia elétrica, agora
obtém energia de células solares. A recente invenção de telhas solares
no Japão promete levar uma nova explosão na eletricidade fotovoltaica.
Estas placas-telhas são capazes de transformar os telhados em pequenas
estações geradoras de energia e que muito provavelmente revolucionarão
a geração de energia. A utilização
de energia eólica tem crescido ainda mais espetacularmente. Durante
a década de 90 cresceu perto de 24% e em 2001 a capacidade de geração
de energia eólica cresceu espantosamente para próximo a 31%. Desde
1995 esta energia cresceu mais de cinco vezes enquanto o carvão diminuiu
8%. A energia eólica tem estabilidade de preços em longo prazo e independência
energética. Não há OPEP para os ventos, porque eles se espalham. A capacidade
total de geração de energia eólica no mundo é agora de 23.000 megawatts, o suficiente para satisfazer as
necessidade de eletricidade de 23 milhões de pessoas, quase
dois terços da população do Canadá. Nas próximas décadas a Europa
sozinha planeja aumentar em três vezes este valor. Mesmo com este
dramático crescimento, a aplicação da energia eólica está ainda no
começo. Outra fonte
valiosa de energia e especialmente de combustível líquido, é a biomassa,
em particular o álcool destilado de grãos ou frutas. O problema é
que, mesmo sendo uma fonte renovável, o solo onde cresce não o é.
Podemos certamente esperar produções significativas de álcool de certas
safras, mas um programa em grande escala para isso, seguramente destruiria
o solo com a mesma velocidade que estamos agora destruindo outros
recursos naturais. Entretanto,
a boa notícia é que na agricultura e no reflorestamento sempre se
produz sobra, a grande maioria pode ser coletada
e convertida em energia. Por exemplo, uma simples estação de colheitas
no estado de Nebraska nos Estados Unidos produz uma quantidade de
grão de baixa qualidade que não pode ser comercializado; tal “resíduo”
poderia produzir etanol suficiente para movimentar 10% dos carros
do estado por um ano e ainda mantendo a atual disponibilidade de eficiência
energética. Com carros igualmente eficientes, as sobras das plantações
nos campos da França ou Dinamarca movimentariam a metade da frota
daqueles países por um ano. Outras
sobras da agricultura – e.g. cascas, sementes de frutas, óleos vegetais
não digeríveis, restos de algodão, etc – poderiam ser usados igualmente.
Tudo isso junto, esta riqueza oriunda da agricultura e do tratamento
das florestas, poderiam, provavelmente, fornecer combustível líquido
de forma sustentável para o setor de transporte. Estes exemplos,
aos quais outros tantos poderiam se somar, ensinam-nos duas lições.
O primeiro é que um programa eficiente de energia renovável deve ser
diversificado e adaptado às condições locais. Sempre terá que ser
uma combinação de fontes locais de energia renovável – energia solar,
eólica, biomassa, hidroenergia, etc. A segunda lição
é que, mesmo a melhor combinação possível entre as fontes de energias
renováveis não serão suficientes a não ser que as usemos de maneira
eficiente. Reforço novamente que os recentes desenvolvimentos no campo
da conservação de energia têm sido extremamente encorajadores. Os
projetistas ambientais acreditam que uma impressionante redução de 90% hoje na energia e nos materiais é possível
apenas com a tecnologia existente sem causar nenhuma redução no padrão
de vida. A razão para esta possibilidade realista
de tal dramático aumento na produtividade das fontes assenta-se
na ineficiência concentrada e no desperdício que são características
da maioria dos projetos industriais atuais. conclusão.
As práticas
sustentáveis que eu mencionei em dois setores – energia e agricultura
– são apenas alguns exemplos da revolução do ecodesign
que está agora ocorrendo. Suas
novas tecnologias e práticas incorporam princípios básicos de ecologia
e, portanto, têm características em comum.
Elas tendem a ser pequenas, com muita
diversidade, eficientes energeticamente, não poluentes, orientadas
para a comunidade, intensivas com relação ao trabalho e geradoras
de empregos. As tecnologias
agora disponíveis fornecem fortes evidências que a transição para
um futuro sustentável não é mais um problema técnico ou conceitual.
É um problema de valores e desejo político.
|